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3. HISTÓRICO DO SETOR SUCROENERGÉTICO SOB O PONTO DE VISTA DA

3.2 O Sistema de inovação da indústria sucroenergética no Brasil

3.2.3 A propriedade intelectual (PI) no setor sucroenergético

Durante a época em que o setor sucroenergético era regulado pelo Estado, os produtores de cada município estabeleceram “sistemas de inovação locais” para transferir e compartilhar as melhores práticas. Se estes sistemas funcionassem bem, municípios menos produtivos seriam capazes de aprender com as experiências e know-how dos municípios mais eficientes. Isto conduziu a uma elevada performance na produção de cana no estado de São Paulo. De fato, os resultados apresentados por Ueki (2007) demonstram que os municípios com baixa produtividade apresentaram um crescimento mais rápido, de modo a alcançarem, no período analisado, aqueles de maior produtividade.

A depressão econômica nos anos 1980 no Brasil e a queda dos preços da gasolina ameaçaram os produtores de açúcar e álcool de falência. Eles comprimiram seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento e frearam outros investimentos para superarem as dificuldades. Os produtores entenderam que a difusão de novas tecnologias seria importante para a sobrevivência da indústria como um todo. As péssimas condições de negócio no setor encorajaram centros de pesquisa, usinas, consultores e fabricantes de equipamentos a trabalharem juntos para poderem sobreviver. Uma inovação obtida por uma usina podia ser disponibilizada às outras. Segundo a empresa Dedini, as pessoas podiam visitar uma usina inovadora para copiar seus feitos, ou fabricantes de plantas podiam desenvolver e vender produtos similares. Praticamente não havia a proteção de direitos de propriedade intelectual.

Entretanto, esta situação mudou nos anos 2000. Com a desregulação e a liberação do mercado, teve início a competição e rivalidade entre os produtores. As usinas se tornaram menos abertas ao fornecimento de informações tecnológicas, preservando suas inovações para elas próprias. Houve reorganização dos fabricantes de plantas industriais; como exemplo, a compra da empresa francesa Morlet, que passou a ser denominada Codistil -

Construtora de Destilarias Dedini S/A – pela Dedini e a criação da Zanini, como resultado de uma sociedade entre a família Biagi e Ettore Zanini, proprietário de uma oficina de porte razoável de Sertãozinho. A Dedini, que possuía posição dominante no mercado, passou a proteger seus direitos de propriedade intelectual. Na área agrícola, pesquisa privada em novas variedades de cana, anteriormente desencorajada pelas pesquisas públicas feitas a baixos custos, passou a existir, dada a necessidade emergente de P&D. Apesar destas mudanças no sistema de inovação, a colaboração entre centros de pesquisa, usinas, consultores e fabricantes de equipamentos continuou a ser de suma importância.

Entretanto, nunca foi observado no setor sucroenergético brasileiro, um volume substancial de patentes, sendo este um possível indicador de baixo nível de inovação na área (SOUZA, 2013; SOUZA et al, 2015). Como será explicado no Capítulo 5, as patentes dão à indústria a reserva de mercado necessária para que esta possa competir com sucesso, sendo, portanto, fator essencial à sobrevivência em um mercado de livre concorrência, como é o caso do setor sucroenergético atualmente.

Com o objetivo de obter um levantamento das patentes depositadas no Brasil até outubro de 2015, pelo setor sucroenergético, foram realizadas buscas de anterioridade na base do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), referentes a etanol celulósico. As buscas de anterioridade foram efetuadas utilizando-se palavras-chave e classificações internacionais de patentes. As palavras-chave foram buscadas tanto nos títulos quanto nos resumos e as classificações internacionais, em alguns casos, foram associadas a palavras- chave. Foram considerados todos os pedidos depositados no Brasil, mesmo aqueles que não são de residentes. As palavras chave e classificações utilizadas são listadas a seguir:

Palavras-chave:

(BIOETANOL OR ETANOL OR ALCOOL) AND HIDROLISE, no título e resumo.

(ENZIMATICO OR ENZIMATICA OR ACIDA OR ACIDO) AND HIDROLISE AND (LIGNOCELULÓSICO OR LIGNOCELULOSICA), no título e resumo.

(ENZIMATICO OR ENZIMATICA OR ACIDA OR ACIDO) AND HIDROLISE AND (BIOMASSA OR CELULOSE), no título e resumo.

FERMENTAÇÃO AND (PENTOSE OR PENTOSES OR C5 OR XILOSE OR HEMICELULOSE), no título e resumo.

TRATAMENTO AND (BIOMASSA OR LIGNOCELULOSICO OR

LIGNOCELULOSICA OR BAGAÇO) AND (FERMENTAÇÃO OR HIDROLISE OR ALCOOL OR ETANOL), no título e resumo.

(LIGNINA OR HEMICELULOSE OR CELULOSE) AND (BIOMASSA OR

LIGNOCELULOSICO OR LIGNOCELULOSICA OR BAGAÇO) AND

(FERMENTAÇÃO OR HIDROLISE OR ALCOOL OR ETANOL), no título e resumo.

Classificações internacionais:

Classificação (IPC): C12N 1/22 - Processes using, or culture media containing, cellulose or hydrolysates thereof [3].

Classificação (IPC): C12N 9/14 - Enzymes, e.g. ligases (6.); Proenzymes; Compositions thereof (preparations containing enzymes for cleaning teeth A61K 8/66, A61Q 11/00; medicinal preparations containing enzymes or proenzymes A61K 38/43; enzyme containing detergent compositions C11D; Processes for preparing, activating, inhibiting, separating, or purifying enzymes [3] - Hydrolases (3) [3].

Classificação (IPC): C12P 7/08 - Preparation of oxygen-containing organic compounds [3] produced as by-product or from waste or cellulosic material substrate [3]

Classificação (IPC): C12P 7/10 - Preparation of oxygen-containing organic compounds [3] · ·substrate containing cellulosic material [3]. Associada às palavras-chave: ALCOOL OR ALCOOIS OR ETANOL no TÍTULO.

Classificação (IPC): C12P 7/10 - Preparation of oxygen-containing organic compounds [3] · ·substrate containing cellulosic material [3]. Associada às palavras-chave: 'ALCOOL OR ALCOOIS OR ETANOL' no RESUMO.

Classificação (IPC): C12P 41/00 - Processes using enzymes or micro-organisms to separate optical isomers from a racemic mixture [4].

Classificação (IPC): C12Q 1/34 - Measuring or testing processes involving enzymes or micro-organisms (measuring or testing apparatus with condition measuring or sensing means, e.g. colony counters, C12M 1/34); Compositions therefor; Processes of preparing such compositions [3] involving hydrolase [3].

Classificação (IPC): C12Q 1/28 - Measuring or testing processes involving enzymes or micro-organisms (measuring or testing apparatus with condition measuring or sensing means, e.g. colony counters, C12M 1/34); Compositions therefor; Processes of preparing such compositions [3] involving peroxidase [3].

Classificação (IPC): C12Q 1/25 - Measuring or testing processes involving enzymes or micro-organisms (measuring or testing apparatus with condition measuring or sensing means, e.g. colony counters, C12M 1/34); Compositions therefor; Processes of preparing such compositions [3] involving enzymes not classifiable in groups C12Q 1/26-C12Q 1/70 [5].

Como resultados das buscas, foram localizadas mais de 500 patentes das quais:

• 231 eram comprovadamente referentes a etanol de segunda geração, de cana-de-açúcar, outras matérias-primas como madeira, pseudo-caule da bananeira e algumas patentes eram mais amplas, para várias matérias-primas lignocelulósicas.

• 65 não tiveram seu conteúdo identificado, por não conterem a descrição da patente ou o resumo na base do INPI.

O volume de patentes do setor sucroenergético brasileiro, na área de etanol 2G, é muito pequeno se comparado aos demais países. O país que apresenta o maior volume de patentes depositadas na área de etanol 2G é os Estados Unidos, com quase 18.000 patentes e o Brasil é bem pouco representativo (SOUZA, 2013; SOUZA et al., 2015).

O setor sucroenergético brasileiro nunca foi um grande “patenteador”. Uma provável razão disto é que o setor não é intenso em tecnologia e inovação.

Do que foi exposto neste Capítulo, conclui-se que os avanços tecnológicos do Proálcool até o presente, foram substanciais na área agrícola, com o aumento significativo de novas variedades (atingindo mais de 500), as quais proporcionaram um aumento importante da produtividade agrícola. Entretanto, pouco evoluíram as operações de plantio, colheita e manejo da cana-de-açúcar, sendo que grande parte dos equipamentos empregados ainda utiliza tecnologias importadas.

A área industrial, apesar da eficiência atingida na produção do etanol de primeira geração, também nunca foi intensa em tecnologia e inovação. A inovação no setor industrial foi fomentada após a desregulação do setor e liberação do mercado, quando passou a existir competição e rivalidade entre os produtores. As primeiras patentes surgiram pouco depois (poucas), no início dos anos 2000, através das quais os produtores buscavam reserva de mercado para seus produtos. Entretanto, a inovação evoluiu pouco na área industrial. Como principais inovações nesta área, pode-se citar: aproveitamento da levedura para nutrição animal de monogástricos; otimização da fermentação alcoólica com a seleção de leveduras com propriedades adequadas; aumento da eficiência da moenda na extração de açúcar; otimização da cogeração e geração de excedente de energia elétrica para a rede pública (quando uma usina típica passou a produzir três produtos ao invés de apenas dois: açúcar, álcool e energia elétrica).

Com o surgimento do interesse mundial pelo etanol de 2ª geração (2G) e a posição privilegiada do Brasil na área (o etanol de cana-de-açúcar é considerado o biocombustível mais limpo do mundo, por promover redução em torno de 85% das emissões de gases de efeito estufa em comparação com as fontes de energia fósseis; o Brasil possui o maior parque instalado de usinas 1ª geração (1G) a partir da cana-de-açúcar, podendo integrá-las com a produção de etanol 2G obtendo melhores resultados econômicos), patentes de novas tecnologias foram depositadas no país. Entretanto, as buscas realizadas neste Capítulo

mostraram que o volume de patentes sobre etanol celulósico depositadas no Brasil é inferior a 300 e que a grande parte destas patentes pertencem a empresas estrangeiras. Adicionalmente, os casos mais avançados em plantas industriais de etanol celulósico no Brasil, conduzidos por empresas brasileiras (Granbio, Raízen e CTC), estão empregando tecnologias estrangeiras. Estes fatores indicam uma carência de tecnologias nacionais em etanol 2G e um baixo nível de inovação na área.

Se estas três empresas não fossem brasileiras – se fossem multinacionais e detentoras de tecnologias para etanol 2G – poderia ser inferido que a adoção de tecnologias importadas estivesse visando o envio de divisas para o exterior. Entretanto, este não é o caso, visto que tais empresas, além de nacionais, são somente usuárias das tecnologias (não possuem tecnologias próprias com o intuito de comercializá-las no mercado) para etanol 2G.

Souza (2013) afirma que o sistema de inovação em etanol 2G no Brasil está evoluindo, mas, o baixo grau de colaborações científicas, especialmente as internacionais, pode limitar o desenvolvimento do sistema nacional de inovação na área do etanol 2G. Seu estudo aponta que as relações institucionais, tipo universidade-governo são poucas e que existem poucas linhas e programas específicos para o etanol de segunda geração, conforme levantado nas seções anteriores deste Capítulo. Além disto, o autor relata também que as universidades e centros de pesquisa brasileiros são fechados a colaborações internacionais, sendo que apenas a USP possui alta inserção nas pesquisas internacionais ligadas a etanol de segunda geração. De fato, as colaborações potencializam a inovação, principalmente nos segmentos da indústria mais carentes de P&D. Entretanto, este aspecto, apesar de importante, não justifica por si só o baixo nível de inovação do setor sucroenergético na área de etanol 2G.