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5. A INTELIGÊNCIA DO RELACIONAMENTO ENTRE A ICT E A INDÚSTRIA

5.2 As diretrizes que devem estar presentes no relacionamento entre ICT e indústria

5.2.8 Licenciamento a uma empresa estabelecida ou criação de spin-outs

Uma pergunta que a ICT precisa responder com frequência é: é qual é a rota adequada desta tecnologia para o mercado? O licenciamento a uma empresa estabelecida ou criação de uma spin-out?

O termo spin-out (Unico, 2006) refere-se ao fato de que a propriedade intelectual da universidade (PI) é direcionada do ambiente acadêmico para a arena comercial. O termo

spin-out é normalmente atribuído a uma empresa que:

• É criada por um acadêmico ou por uma universidade;

• Requer financiamento de investidores externos, geralmente em troca de quotas da empresa;

• Tem vários quotistas os quais podem incluir a universidade, acadêmico(s) chave, possivelmente gerente(s) sênior(es) e investidor(es); e

• É uma empresa de pequeno a médio porte, cujos ativos podem ser limitados.

Na prática, há pouca diferença entre start-ups e spin-outs. Alguns autores denominam

spin-outs as empresas que foram inicialmente incubadas na ICT, com recursos da própria

ICT, para depois buscarem outros investidores e partilhar com eles as quotas de participação. As start-ups, por outro lado, são vistas por alguns como empresas criadas por terceiros de fora da ICT, utilizando recursos financeiros e gestão próprios destes terceiros, normalmente investidores deste tipo de empreendimento. Neste texto será utilizado apenas o termo spin-

out.

No Brasil, tradicionalmente as universidades e institutos de pesquisa preferem licenciar a PI à empresa do que vender (ceder). Mahoney (2004) aponta as várias vantagens em se licenciar empresas já estabelecidas: a empresa já possui toda uma infraestrutura, incluindo gestão; tem fundos suficientes para desenvolver a invenção (e sua saúde financeira pode ser avaliada facilmente); normalmente já têm canais de distribuição estabelecidos; sua marca e acesso ao mercado tornam a distribuição do produto final mais fácil e mais efetiva. Além disso, do ponto de vista da ICT, o contrato de licenciamento é muito mais simples do que os “acordos da spin-out”21 e os potenciais conflitos de interesse são menores.

Entretanto, o licenciamento para empresas estabelecidas tem suas dificuldades e desvantagens. Empresas estabelecidas buscam tecnologias cada vez mais maduras. Além disso, o desenvolvimento de uma nova tecnologia nem sempre é prioridade para estas empresas, as quais podem perder o interesse quando os inevitáveis problemas do desenvolvimento surgirem. Se não forem feitos contratos muito bem feitos, com metas e prazos pré-estabelecidos, o cronograma pode se estender muito (isto é verdade principalmente quando o desenvolvimento é feito exclusivamente pela empresa e não em

21 Por “acordos de spin-out” entende-se, aqui, os acordos de formação da empresa, distribuição de cotas societárias e demais documentos necessários à criação da spin-out.

parceria com a ICT). Enquanto isto, o tempo está passando e a patente espirando. Outro ponto importante é que a empresa estabelecida provavelmente se interessará apenas por uma dada aplicação da tecnologia (aquela relacionada ao core business da empresa). Se a tecnologia for uma plataforma, possuindo várias aplicações, a ICT terá de buscar outras empresas para desenvolvê-las.

No caso do spin-out, pelo menos no início, a empresa dará prioridade ao desenvolvimento da invenção e terá interesse em desenvolver todas as suas aplicações. Os arranjos financeiros da licença para a empresa podem incluir tanto cotas de participação quanto royalties, o que é mais interessante para a ICT. Se os planos mudarem e a estratégia da empresa divergir da original, a ICT poderá vender suas quotas.

Entretanto, spin-outs são frágeis. Não possuem recursos próprios para desenvolver a invenção, precisando levantar investimentos. São altamente dependentes do talento da equipe de gestão. Uma spin-out ainda não está presente no mercado, não desenvolveu canais de distribuição, não tem marca conhecida nem uma carteira de clientes. Em tempos de economia retraída, pode ser difícil levantar os investimentos subsequentes e necessário recorrer à venda da spin-out para outra empresa a um preço baixo, acarretando perda de valor das quotas. Além disso, devido à complexidade dos investimentos em equity22, o

acordo de transferência de tecnologia é mais difícil de negociar do que uma licença convencional. Finalmente, spin-outs são altamente sujeitas a conflitos de interesse com a ICT de origem, dado o papel duplo que o inventor pode ter, como membro da ICT e fundador da empresa.

A rota da spin-out pode ser adotada quando (MAHONEY, 2004):

• A invenção é uma “tecnologia plataforma”, a qual pode conduzir a vários produtos (várias aplicações). É difícil justificar o risco de um spin-out quando um único produto é vislumbrado.

• Não há indústria fazendo produto similar. É difícil para uma nova empresa competir em um mercado estabelecido a menos que sua tecnologia seja extremamente superior.

• O mercado é grande o suficiente para justificar o risco. Isto é particularmente necessário para tecnologias que requerem investimentos substanciais em seu desenvolvimento. Haja

vista que a taxa de insucesso dos spin-outs é frequentemente alta, os investidores esperam uma alta taxa de retorno das empresas que sobreviverem. Um mercado pequeno não será suficiente.

• Há forte proteção da PI (por exemplo, no caso das patentes, estas devem possuir relatórios descritivos de alta qualidade, clara descrição das principais anterioridades, clara descrição do estado da arte, reivindicações que reflitam claramente o que está sendo pleiteado e que cubram também as tecnologias concorrentes). As patentes são proteção de suma importância para pequenas empresas contra as grandes que tentarão entrar no mercado assim que a tecnologia for comprovadamente bem sucedida.

• Pelo menos um inventor de credibilidade (reconhecido pela sua competência científica ou tecnológica) junta-se à empresa como fundador, consultor e/ou funcionário. Sem esta condição, será quase impossível levantar investimentos e muito mais difícil para desenvolver a tecnologia.

Corbyn (2010) contraria a afirmação da necessidade de uma forte PI para se iniciar um novo empreendimento, dizendo que, de 1.948 professores que iniciaram novos negócios nos EUA, apenas cerca de um terço foi para explorar patentes obtidas de ICTs. O restante criou empresas de consultorias, serviços e manufatura, com base em conhecimento não patenteável. Entretanto, no presente trabalho, a autora está dando foco a empresas de alta tecnologia, de elevados potenciais de crescimento, de atração do capital de risco e de retornos à ICT. Empresas como as listadas por Corbyn, não possuem estas características e pouco provavelmente atrairiam o capital de risco. Aliás, atividades de consultoria, serviços e manufatura não são consideradas de alto risco e na maioria das vezes requerem baixos investimentos.

Wood (2009) define critérios completamente diferentes de escolha para as duas rotas, baseados em atributos da invenção da ICT, os quais impactam diretamente no custo da transação (da transferência de tecnologia), considerado fator chave na definição da rota apropriada. O autor afirma que a escolha da melhor rota reduzirá o custo de transação das partes, aumentando as chances de comercialização, a qual é definida como a geração de receitas para a ICT. Os atributos que devem ser avaliados sob esta ótica são:

1. O quão codificável é o conhecimento associado à inovação (por exemplo, se pode ser traduzido para manuais, artigos, vídeos, modelos computacionais, etc.).

2. O quão facilmente o conhecimento associado à inovação pode ser ensinado à indústria. 3. O nível de complexidade associado à inovação.

4. Quantos indivíduos ou grupos de indivíduos (diferentes conhecimentos e habilidades), são necessários para produzir a inovação.

Para Wood, a rota da spin-out é indicada quando os itens 1 e 2 são baixos (inovação difícil de codificar e de ensinar) e os itens 3 e 4 são altos (tecnologia complexa e necessidade de múltiplos conhecimentos e habilidades). A rota da licença à empresa estabelecida é indicada em caso contrário.

Os critérios de Wood podem ser úteis, mas, não são suficientes para a avaliação por investidores de capital de risco. Aliás, Wood menciona que o parceiro industrial e a ICT devem ser capazes de reconhecer os atributos da inovação para poderem escolher a rota mais adequada para o mercado. Entretanto, não menciona o parceiro investidor de capital de risco. Investidores de capital de risco têm a maior experiência na alternativa da spin-out e, portanto, não podem ser ignorados no processo. Eles têm de ser consultados e fazerem parte da avaliação.

Os investidores de capital de risco, irão assumir boa parte do risco na criação de novas empresas e, portanto, farão análise criteriosa do potencial de sucesso da spin-out. Ninguém tem mais experiência neste tipo de negócio do que os investidores de capital de risco adequados, os quais ainda possuem uma ampla rede de contatos, conhecimento sobre os modelos de negócios aplicáveis, cooperações possíveis, ameaças existentes (por exemplo, indústrias estabelecidas comercializando produto similar) (BOCKEN, 2015; KEUSCHNIGG, 2004), informações sobre mercados, volumes, preços de venda, etc., e farão um plano de negócios elaborado para concluírem sobre a viabilidade de criação desta nova empresa.

A Imprimatur Capital, por exemplo, empresa britânica de capital semente, com atuação em vários países, possui uma equipe de quatro especialistas para avaliar oportunidades de criação de empresas. Cada um destes especialistas atua em uma área específica: física, ciências da vida, energia e tecnologias da informação.

A mensagem que se deseja passar nesta seção é que, normalmente, a ICT não possui informações suficientes (nem recursos para obtê-las) para avaliar sozinha o potencial da invenção segundo a rota da spin-out. Se este for o caso, apesar dos critérios e sugestões de outros autores, a melhor prática a ser adotada é consultar investidores de capital de risco sobre a viabilidade da rota da spin-out. Se esta rota não for possível, a alternativa é o licenciamento à indústria. As duas rotas não são mutuamente exclusivas (a invenção pode ser candidata potencial para as duas). Se ambas forem possíveis e se o investidor de risco disser “sim”, recomenda-se que a spin-out seja fortemente considerada. A razão disto é que poucas oportunidades são indicáveis à criação de uma nova empresa e a resposta positiva do investidor de risco é forte indicador do elevado potencial de retorno financeiro da empresa aos inventores e à ICT.

O conhecimento e experiência do investidor é, portanto, importante e deve ser utilizado pela ICT. Assim:

Diretriz no 15: A ICT deve levar em conta a opinião de investidores de capital de risco

para concluir qual é a melhor rota para o mercado: licenciar a tecnologia a uma empresa estabelecida ou criar uma spin-out.

Além disto, o investidor de capital de risco normalmente atua como co-gestor da spin-

out. Isto é fundamental, dado que este tipo de investidor é especialista neste tipo de negócio

e que a gestão é fator crítico para o sucesso de empresas nascentes. No Brasil, infelizmente, a maioria dos empreendedores prefere obter recursos das agências de fomento governamentais do que fazer parceria com um investidor. A razão disto é que o investidor fica com quotas da empresa (dado que aporta investimentos nesta), o que não ocorre no caso das agências de fomento. Entretanto, o capital proveniente destas agências governamentais não é acompanhado de gestão, ponto vital ao sucesso destas novas empresas e a principal razão da mortalidade precoce destas. Infelizmente, a maioria dos empreendedores não têm a percepção de que é preferível dividir com o investidor um negócio que irá deslanchar do que possuir cem por cento de um negócio que acabará em estagnação ou falência. Assim sendo:

Diretriz no 16: A experiência do parceiro investidor em gestão é fator crítico para o

sucesso da spin-out. A ICT deve considerar fortemente esta parceria, mesmo que isto signifique dividir cotas de participação com este parceiro.