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5. A INTELIGÊNCIA DO RELACIONAMENTO ENTRE A ICT E A INDÚSTRIA

5.2 As diretrizes que devem estar presentes no relacionamento entre ICT e indústria

5.2.10 Gestão e cumprimento (Patent Enforcement) das licenças efetivadas

Fazer cumprir (enforcement) os direitos de propriedade intelectual e os contratos de transferência de tecnologia é condição fundamental para a realização de parcerias ganha- ganha.

Além disso, a força de um sistema de PI depende da eficiência e efetividade do

enforcement e da gestão dos direitos de PI. Portanto, a força dos níveis de enforcement de

um país têm efeito altamente importante na inovação nacional (PAPAGEORGIADIS e SHARMA, 2016).

O enforcement é necessário para que as instituições invistam em inovação (WEATHERALL e WEBSTER, 2014).

O texto a seguir irá mostrar quais são as implicações do enforcement para uma ICT. Um aspecto importante, ao qual poucas ICTs dão atenção, é o acompanhamento do caminho percorrido pela tecnologia após o seu licenciamento. É importante mencionar que o CTBE não aplica esta prática, assim como nenhuma outra ICT no Brasil.

Um modelo de gestão neste sentido é o do NIH (National Institute of Health), localizado nos EUA. O modus operandi do NIH é descrito a seguir (FEINDT, 2007a).

O NIH possui um grupo de funcionários que monitora tudo o que a indústria licenciada está fazendo. Cada elemento da equipe acompanha em média 200 contratos. Além das obrigações contratuais, o NIH verifica se o produto gerado pela tecnologia está realmente chegando ao público em condições adequadas. Esta preocupação não é infundada, já que muitas vezes o inventor da tecnologia não tem garantias sobre a viabilidade do produto final. O trabalho de monitoramento também visa assegurar que todos os usuários da tecnologia estejam devidamente licenciados. Se, por acaso, alguma empresa infringe uma patente23, o NIH interfere imediatamente. Também há um acompanhamento rigoroso sobre

os termos da licença, a fim de verificar se o que a empresa está reportando (em termos de vendas do produto, por exemplo) reflete o que foi planejado.

Esta equipe cuida da gestão e do cumprimento das licenças efetivadas, disputas, realização de auditorias, entre outros. Seguem suas principais atribuições, levantadas em entrevista:

• Receber e tratar as notificações encaminhadas pela equipe administrativa, que faz a gestão dos contratos (pertencente ao OTT - Office of Technology Transfer), quando esta última não consegue respostas do licenciado.

• Renegociar o pagamento da empresa, através de aditivo contratual, quando esta falta com algum.

• Contratar auditoria externa para auditar a empresa. Fazem isto quando o faturamento correspondente às vendas da empresa é superior a US$5 milhões.

• Assegurar-se de que todos os usuários das tecnologias do NIH estejam licenciados. Quando tomam conhecimento de que uma dada indústria está infringindo a patente do NIH, enviam carta à empresa, advertindo-a. Isto significa que a empresa pode estar explorando a tecnologia sem ter a licença do NIH. Ficam sabendo sobre a infração (infringement) de várias formas, inclusive pelos pesquisadores da área. As empresas licenciadas normalmente fazem o “due dilligence” constante através de seus patent

attorneys, para saber se elas próprias não estão infringindo a patente de alguém e por

este caminho também podem descobrir casos em que estão sendo vítimas de

infringment.

• Monitorar “todas” as licenças efetivadas, de modo a verificar se o que a empresa está reportando reflete o que foi planejado.

• Monitorar o que o licenciado está fazendo com a tecnologia.

• Monitorar se as obrigações contratuais estão sendo cumpridas, tais como: sub- licenciamento mediante autorização, destruição de material biológico após o término do contrato, etc.

• Verificar se a empresa está com suas obrigações em dia com o Estado, antes de assinar o contrato com o NIH.

Seguindo estas práticas o NIH coletou, em 2005, mais de US$98 milhões em royalties, decorrentes de 750 licenças (de um portfólio de 1400 licenças) (FEINDT, 2007a).

As tarefas executadas pela equipe de enforcement do NIH são denominadas por Mahoney (2004), Krattiger et al. (2007) e Feindt (2007b) como boas práticas a serem seguidas. Os autores resumem as tarefas mais rotineiras do licenciante em:

• Arranjo para o envio de materiais licenciados para a empresa licenciada.

23 Uma patente está sendo infringida quando utilizada por terceiros sem a autorização (licença) do detentor. O infringement é uma violação de direito ou privilégio.

• Cobrança das obrigações de pagamento de royalties especificadas na licença.

• Registro dos pagamentos.

• Verificação de que o montante pago está correto.

• Distribuição dos pagamentos de royalties recebidos.

• Comunicações de atraso quando os pagamentos não são recebidos a tempo.

• Solicitações de relatórios em atraso.

• Notificação ao licenciado sobre a expiração da licença.

• Acompanhamento das obrigações de comunicação do licenciado.

• Revisão dos relatórios de progresso em função de parâmetros de desempenho especificados nas licenças.

Verificação de relatórios de vendas contra royalties recebidos.

Faturamento dos royalties no momento apropriado.

• Interação com o licenciado quando houver dúvidas ou problemas sobre não- conformidade de licença.

Portanto, a administração, monitoramento e enforcement das licenças são principalmente baseadas nas condições financeiras e nas obrigações de comunicação da empresa licenciada. Desta forma, para possibilitar o enforcement, os contratos devem prever todas as condições que requerem cumprimento. A Tabela 9 apresenta os termos financeiros e outras obrigações aplicados aos seis tipos de contratos de licenciamento utilizados pelo NIH. O relacionamento com a indústria não acaba no ato do licenciamento, requerendo atenção contínua e práticas de gestão que permitam à ICT proteger sua PI e maximizar seu uso. Tratar a propriedade intelectual desta forma é uma prática fundamental a qualquer ICT.

Krattiger et al. (2007) reiteram esta afirmação:

Propriedade intelectual, sendo um ativo, não pode ser simplesmente depositada/registrada e abandonada, ou mesmo licenciada e abandonada. Ativos de propriedade intelectual devem ser constantemente gerenciados, monitorados, mantidos e fiscalizados.

Tabela 9: Termos financeiros e obrigações encontrados nos contratos de licenciamento do NIH

A falta destas práticas poderá levar à perda dos direitos de PI, impedir que a ICT receba os royalties que lhe são devidos e até impossibilitar que as tecnologias oriundas das ICTs cheguem ao mercado, tornando-se comercialmente disponíveis e úteis à sociedade. Assim:

Diretriz no 20: As ICTs devem monitorar a tecnologia após seu licenciamento (ou outra

forma de transferência de tecnologia).

As diretrizes apresentadas podem ser aplicadas a qualquer ICT, pública ou privada, localizada no Brasil ou no exterior e atuante em qualquer setor tecnológico (não apenas ao setor sucroenergético). Aplicam-se também, a parcerias que gerem resultados tecnológicos sem potencial de patenteabilidade, como é o caso do know-how (segredo industrial).

Não foi feita uma análise quanto à aplicabilidade destas diretrizes a parcerias não tecnológicas, como por exemplo, relacionadas a obras literárias e artísticas, as quais possuem outras formas de proteção (exemplo, direto autoral).