• Nenhum resultado encontrado

A INTERACÇÃO TERAPÊUTICA

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 52-55)

Considerados os atributos valiosos do terapeuta, centremo-nos agora no desenvolvimento e manutenção da relação terapêutica. Essa relação envolve tanto o paciente como o terapeuta e se baseia na confiança, no rapport e na cooperação. As terapias cognitivas e behavioristas provavelmente requerem a mesma atmosfera terapêutica subtil explicitamente descrita no contexto na terapia psicodinâmica.

CONFIANÇA BÁSICA

A importância da confiança básica na relação terapêutica pode ser bem ilustrada na seguinte descrição, proposta por Chassell (1977):

Um factor de perturbação é introduzido pela existência de confiança básica, pseudoconfiança básica ou desconfiança básica nos pacientes. Pacientes dotados de uma confiança básica genuína tendem a apresentar uma transferência positiva passível de ser trabalhada e favorecedora de progresso, porque desejam ter um objecto bom para auxiliá-los em suas dificuldades e usarão o terapeuta com grande tolerância, desde que ele não contradiga essa imagem de modo muito evidente. Pacientes providos de pseudoconfiança podem apresentar muitos fenómenos tranferenciais intrigantes: enfatizar sua necessidade de dependência, testar os limites da paciência do terapeuta, elevá-lo num pedestal – e, enquanto isso, nutrir sempre suspeitas quanto à sua boa (o grifo é nosso). Paciente com uma desconfiança básica podem perfeitamente não fazer nenhum progresso, até que esse problema tenha sido parcialmente solucionado, e decerto estarão profundamente voltados para quaisquer indícios inconscientes de discrepâncias na atitude do terapeuta, além de atribuir-lhe muitas atitudes que, de facto, não apresenta. Com toda probabilidade, os indivíduos de carácter histérico pertencem ao grupo da pseudoconfiança; estou seguro de que os

obsessivos fazem parte dele. (p. 11).

Na tentativa de desenvolver ou eliciar confiança na relação, o terapeuta cognitivo balanceia cuidadosamente a importância da autonomia (facultar ao paciente a iniciativa de falar, planejar etc.) com a necessidade de estruturação (a directividade do terapeuta, sua iniciativa etc.); importância da confiabilidade e receptividade (ser pontual, atender a telefonemas etc.) com o valor do estabelecimento de limites (decidir não fazer pelo paciente aquilo que ele pode fazer por si mesmo), e o significado de ser uma "pessoa real" (isto é, exibindo qualidades humanas e amistosas) com as características de ser discreto e objectivo. De modo geral, nas fases iniciais do tratamento, o terapeuta tende a dar maior estruturação e a ser mais receptivo e "envolvido" com os problemas do paciente. Na segunda metade do tratamento, incita o paciente a tomar a iniciativa (por exemplo, a planejar a agenda para a entrevista e as tarefas para casa); espera que o paciente faça mais por si mesmo e faz-se menos presente na terapia que em fases anteriores. Embora tenha importância relativamente pequena no tratamento de perturbações bem delimitadas, como as fobias específicas. O rapport é um ingrediente crucial no tratamento de pacientes depressivos. O termo rapport se refere, em geral, ao acordo harmonioso entre pessoas. Na ralação terapêutica, o rapport consiste de uma combinação de componentes emocionais e intelectuais. Quando se estabelece esse tipo de relação, o paciente percebe o terapeuta como alguém (a) em sintonia com seus sentimentos e atitudes, (b) dotado de simpatia, empatia e compreensão, (c) que o aceita com todos os seus "defeitos". e (d) com quem ele se pode comunicar sem ter que explicar em detalhe seus sentimentos e atitudes ou classificar o que diz. Quando o rapport atinge um nível óptimo, paciente e terapeuta se sentem seguros e razoavelmente à vontade um com o outro. Nenhum se mostra defensivo, excessivamente cauteloso, titubeante ou inibido.

Por "aceitação" não queremos dizer que o terapeuta aprove ou concorde com tudo que o paciente diz, mas sim que se abstém de fazer julgamentos. Isso capacita o paciente a deixar cair sua máscara social e seus fingimentos e fornece a base para uma relação mais autêntica com o terapeuta.

O terapeuta que vivência um sentimento de rapport mostra interesse e cuidado com o paciente. Como o paciente, ele experimenta uma certa liberdade de comunicação. Vive a empatia e sente que ambos estão operando no mesmo diapasão e confia em que pode falar espontaneamente, sem ser mal interpretado.

Naturalmente, a livre expressão de sentimentos pelo paciente facilita ao terapeuta experimentar tanto o rapport quanto a empatia. É muito mais fácil sentir empatia quando o paciente é capaz de comunicar seus sentimentos com clareza do que quando o terapeuta tem que se esforçar para esmiuçar os sentimentos dele. Além de ter o sentimento de ser aceito e compreendido, o paciente vivência o terapeuta como

alguém que deseja e pode ajudá-lo.

É em geral terapeuticamente valioso que o terapeuta expresse, criteriosamente, sentimentos como preocupação, reconhecimento, calor humano e encorajamento.

Além disso, é ás vezes terapêutico que admita alguns de seus próprios sentimentos "negativos", tais como desapontamentos, frustrações e irritações. Entretanto, deve ter cautela em relação a quanto de seus próprios sentimentos manifestar diante do paciente deprimido. Precisa dar-se conta de que uma expressão autêntica de sentimentos por sua parte pode ser mal interpretada pelo paciente. Em vista de sua tendência a distorcer ou exagerar, os pacientes deprimidos podem interpretar expressões positivas como insinceras, ou, por outro lado, encará-las como sinais de amor ou investidas sexuais. Da mesma forma, a excessiva revelação de problemas pessoais pelo terapeuta pode alimentar o pessimismo do paciente deprimido: "Ele é muito fraco para me ajudar,"

Não existe qualquer conjunto padronizado de comportamentos para induzir um senso de rapport com o paciente. Alguns tipos de atitude no terapeuta são benéficos para um paciente (p. ex.: um estilo sério, desprendido), enquanto, para outros, o estilo oposto (p. ex.: amistoso, caloroso, extrovertido) pode conduzir melhor ao rapport.

O terapeuta terá um sentimento de que suas observações e comentários atingem ou registram-se no paciente se houver um senso de rapport. O paciente se mostrará relaxado, aberto, comunicativo, gesticulará com a cabeça ou verbalizará sua concordância, e parecerá Interessado, curioso e reflexivo em resposta às afirmações do terapeuta.

O rapport não apenas reflecte, mas também influencia a cooperação terapeuta- paciente. Por exemplo, pode ser usado para reforçar certos comportamentos adaptativos no paciente. Num alto grau de rapport, o paciente tenderá a sofrer maior influência do comportamento do próprio terapeuta (tendendo, portanto, a identificar-se com ele ou a adoptá-lo como modelo). Um sentimento de rapport manterá o paciente motivado para o tratamento, assim como para acatar procedimentos específicos da terapia (por exemplo, fazer O trabalho de casa). O rapport estimula a livre expressão de ideias e sentimentos. As ideias e sentimentos negativos do paciente, que poderiam induzi-lo a abandonar o tratamento, virão à tona mais facilmente se ele experimentar um intenso sentimento de rapport.

De que maneira pode o terapeuta estabelecer ou desenvolver um sentimento de rapport? Muitos dos comportamentos relevantes "vem naturalmente" para alguns terapeutas. É útil cultivar e usar algumas t6cnicas específicas. Uma boa base para estruturar o rapport compreende simples cortesia: não deixar o paciente esperando, lembrar fatos importantes sobre ele e recebê-lo com um cumprimento sinceramente caloroso (mas não efusivo). Manter contacto pela linha do olhar, acompanhar o conteúdo da fala do paciente, tentar inferir e reflectir seus sentimentos e formular com jeito as perguntas e observações ajudam a construir O rapport.

Outros factores que influenciam o rapport incluem a aparência, maneirismos e expressão facial do terapeuta. A atitude de neutralidade amistosa e profissionalismo parece ser a mais aconselhável. O terapeuta deve dosar cuidadosamente a hora de falar e a hora de ouvir. Se fizer interrupções muito frequentes, ou sem tacto, ou de maneira abrupta, o paciente pode sentir-se cortado, e o rapport sofre com isso. Se se permitir

silêncios prolongados ou simplesmente deixar que o paciente discorra a esmo sem objectivo aparente, o paciente pode tornar-se excessivamente ansioso, diminuindo o rapport. O uso, pelo terapeuta, de uma entonação suave, agradável e discreta também ajuda. A selecção de palavras e rotulações é importante (por exemplo, "ideias improdutivas" é preferível a pensamento "neurótico", "doentio" ou "irracionaal").

O próprio padrão ou atitude cognitiva do terapeuta face ao paciente e ao tratamento é importante. Alguns terapeutas ficam frustrados e zangados com os pacientes depressivos ao perceberem-nos como passivos ou "resistentes". Nesses casos, a atitude do terapeuta gera directamente sentimentos negativos e prejudica o rapport.

Inicialmente, o rapport pode ser facilitado pela investigação das expectativas do paciente face à terapia e pela prestação de informações a ele sobre o que esperar durante o processo de tratamento. Por exemplo, aconselhamos o terapeuta a discutir a duração do tratamento, a frequência e duração das sessões, os objetivos de cada passo do tratamento e a possibilidade de "dias ruins" depois de uma melhora.

O terapeuta também pode aumentar o rapport reflectindo para o paciente os sentimentos deste, sob a forma de um resumo sensível, uma analogia ou uma metáfora. Por exemplo, uma paciente que se tinha saído muito bem voltou após uma recaída e expressou pensamentos suicidas.

O terapeuta relembrou-lhe uma frase que ela havia formulado numa sessão anterior: "Posso me sentir como um rato, mas tenho um coração de leão."

Naquele momento, essa frase trouxe de volta os sentimentos e a atitude de que ela precisava para prosseguir em sua luta, ao mesmo tempo em que subtilmente lhe deu crédito por persistir.

A COOPERAÇÃO TERAPÊUTICA

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 52-55)