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O terapeuta leva o paciente a testar suas ideias na realidade, não para induzi-lo a um optimismo espúrio, conduzindo-o a pensar que "as coisas são realmente melhores do que parecem", mas para encorajá-lo a uma descrição e análise mais exalas do que as coisas de facto são. Conquanto a pessoa deprimida caracteristicamente perceba seu mundo numa perspectiva negativista, o terapeuta não deve deixar-se cair na armadilha do presumir que todas as declarações pessimistas ou niilistas do paciente sejam necessariamente sem validade. Cabe-lhe examinar uma amostra dos pensamentos do paciente em colaboração com ele. A base ou comprovação de cada pensamento deve ser submetida ao escrutínio da testagem no real, com o emprego do tipo de padrões razoáveis utilizados pelas pessoas não deprimidas ao fazerem juízos.

Por exemplo, uma jovem estudante deprimida manifestou sua crença de que não ingressaria numa das universidades para as quais se havia inscrito. Quando o terapeuta explorou as razões que levaram àquela conclusão, descobriu que havia pouca base para a mesma. O questionário transcorreu como se segue:TERAPEUTA: Por que você acha que não vai conseguir ingressar na universidade de sua preferência?

PACIENTE: Porque minhas notas realmente não foram tão "quentes". T: Bem, qual foi sua media de notas?

P: Bom, muito boa até o último semestre no colégio. T: Qual foi sua média de notas em geral? P: A’s e B’s.

T: Bem, quantos de cada um?

P: Bem, acho que quase todas as minhas foram A, mas tirei notas horríveis no último semestre.

T: Quais foram suas notas? P: Tirei dois A’s e dois B’s.

T: Já que sua média de notas parece resultar quase exclusivamente em A’s, por que você acha que não vai conseguir entrar na universidade?

P: Por causa da dureza da concorrência.

T: Você verificou quais são as notas médias para admissão na

universidade? P: Bem, alguém me disse que uma média B+ seria suficiente. T: Sua média não é melhor do que essa?

P: Acho que sim.

No caso citado, a paciente não estava deliberadamente tentando contrariar o terapeuta, mas havia de facto chegado à conclusão negativa (errónea) que dizia respeito a suas possibilidades de ser admitida. Sua lógica pode ser percebida como um exemplo do pensamento "tudo-ou-nada", segundo o qual qualquer nota inferior a A era percebida como um fracasso. A paciente apoiava essa conclusão errónea com outra conclusão inexacta, a respeito de sua posição na turma, em relação a outros estudantes. Verificou que, embora presumisse ser uma estudante mediana, encontrava- se mais perto do primeiro lugar na classificação de sua turma. Somente depois que o terapeuta pôde eliciar os factos, tornou-se a paciente capaz de perceber como havia distorcido a realidade.

Nesse exemplo, o terapeuta poderia ter utilizado duas abordagens diferentes, que poderiam ter tido alguma influência positiva sobre a paciente, mas que provavelmente não lhe teriam de facto ensinado a examinar e validar suas ideias. Por exemplo, poderia ler-lhe assegurado que, com base em sua evidente inteligência, ela certamente conseguiria ingressar na universidade. Em segundo lugar, poderia ter empregado uma abordagem advogada pelos terapeutas Racional-Emotivos (Ellis, 1962) e desafiado sua crença de que o ingresso na universidade era um índice de seu valor como pessoa. Empregando uma técnica diferente da Terapia Racional-Emotiva, o terapeuta poderia haver explorado com ela qual seria a catástrofe caso ela não ingressasse na

universidade.

Entretanto, se escolhesse essas abordagens naquele estágio da terapia, estaria, em essência, deixando de perceber um ponto essencial, porque (a) não teria estabelecido uma base sólida de dados diante dos quais seria possível testar as conclusões da paciente e (b) não teria fornecido a ela a oportunidade de valer-se de provas para testar suas conclusões. Consequentemente, embora ela pudesse sentir-se temporariamente melhor como resultado da abordagem racional-emotiva, seu esquema cognitivo negativo poderia continuar a operar. Assim, poderia interpretar mal outras situações iniciais erróneas acerca da admissão à universidade. Uma vez aprendendo a testar suas cognições em confronto com as provas disponíveis, fundamentadas na realidade, ela teve a oportunidade de avaliar suas suposições. Os pacientes deprimidos necessitam de uma testagem antes que se tente modificar suas crenças (caso elas demonstrem ser incorrectas).

Evidentemente, todos nós sabemos que nem todo estudante que se candidata a uma universidade tem médias elevadas, e que um estudante deprimido que prevê a rejeição pode, efectivamente, estar certo. Nesse caso, uma vez que o terapeuta haja determinado a exactidão da lembrança da pessoa em relação a seus graus escolares, assim como a plausibilidade de suas previsões, pode passar à exploração do significado de ser rejeitada pela universidade e do conjunto numeroso de atitudes que circunda esse significado. Por exemplo, suponha-se que o terapeuta houvesse podido determinar que uma carreira universitária seria, de falo, incerta ou mesmo improvável; poderia então avaliar as atitudes da paciente face à admissão universitária. Por exemplo, a estudante poderia dizer: "Se eu não entrar na universidade, isso realmente significa que sou desprovida de inteligência", ou "… jamais serei feliz", ou "minha faml1ia e meus amigos ficarão terrivelmente desapontados". Essas atitudes podem, elas próprias, ser mais exploradas em termos de serem realistas ou não. Se for verdade que a família e os amigos efectivamente se desapontarão, terapeuta e paciente podem investigar por que o paciente tem que ser guiado pelo que outras pessoas pensam ou sentem. O terapeuta pode assinalar que as outras pessoas não podem fazer, com que ele fique desapontado, mas sim que, ao incorporar a atitude delas, o paciente é que se "faz" ficar desapontado. Em outras palavras, seus próprios pensamentos, e não os de outrem, produzem as emoções desagradáveis. A essência da testagem na realidade consiste em tornar a pessoa capaz de corrigir suas distorções. Uma análise dos significados e das atitudes expõe a injustificabilidade e a natureza autoderrotista das atitudes. Entretanto, ternos constatados que, na medida em que o indivíduo continua a distorcer a realidade, tornam-se ineficazes as tentativas do terapeuta para trazer o sistema de atribuição de significados e de atitudes de um indivíduo para uma perspectiva mais razoável.

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Uma mulher que se queixava de dores de cabeça agudas e de outros distúrbios somáticos mostrou um escore muito elevado de depressão. Indagada sobre as cognições que pareciam torná-la infeliz, declarou, "Minha família não me preza"; "Ninguém toma conhecimento de mim, eles simplesmente presumem que eu esteja ali"; "Não valho nada".

Como exemplo, mencionou que seus filhos adolescentes não mais queriam fazer coisas em sua companhia. Embora essa afirmação específica pudesse muito bem ser verdadeira, o terapeuta decidiu determinar sua autenticidade. Examinou a "prova" da afirmação no seguinte diálogo:

PACIENTE: Meu filho não gosta mais de ir ao teatro ou ao cinema comigo. TERAPEUTA: Como sabe que ele não quer ir com você?

P: Os adolescentes realmente não gostam de fazer nada com seus pais. T: Você efectivamente já pediu a ele que saíssem juntos?

P: Não, aliás, ele me perguntou algumas vezes se queria que ele me levasse… mas não achei que realmente quisesse ir.

T: Que tal testar isso pedindo que ele lhe dê uma resposta directa? P: Acho que sim.

T: O importante não é se ele irá ou não com você, mas sim determinar se você está decidindo por ele o que ele pensa, ao invés de deixá-lo dizer-lhe o que é.

P: Acho que você tem razão, mas ele realmente parece não ter consideração. Por exemplo, está sempre atrasado para o jantar.

T: Com que frequência isso tem ocorrido?

P: Ah, uma ou duas vezes… Acho que realmente não é tanto assim.

T: Será que os atrasos dele para o jantar se devem a não ter consideração?

P: Bem, pensando bem, ele chegou a dizer que havia trabalhado até mais tarde naquelas duas noites. Por outro lado, tem mostrado consideração de uma série de outras maneiras.

Na realidade, como a paciente constatou mais tarde, seu filho queria ir ao cinema com ela.

Portanto, o terapeuta não aceita as conclusões e inferências do paciente como lhe são apresentadas, mas examina-as para determinar sua validade. Se as conclusões daquela paciente tivessem sido efectivamente válidas, o terapeuta poderia explorar de que maneira ela atribuía significados à "rejeição" por seu filho. Poderia também animá-la a buscar outras actividades e relacionamentos com outras pessoas.

Uma característica dos pacientes deprimidos é a tendência a encarar suas opiniões como factos. Conquanto essa característica seja típica dos seres humanos de um modo geral, tem importância especial na depressão, dado o paciente se comporta de modo compatível com suas ideias.

Uma vez que o paciente haja adquirido as técnicas pertinentes de observação e anotação, reconhecerá que algumas cognições são particulamente frequentes nas ocasiões em que experimenta sentimentos dolorosos. A estrutura específica e o conteúdo de cada cognição estão relacionados ao sentimento doloroso subsequente (Beck, 1976). Por exemplo, a ansiedade está associada a cognições nas quais o paciente se percebe diante de um perigo iminente (seja por ameaça física ou descrédito social). As cognições associadas à depressão reflectem, amiúde, as crenças do paciente em sua falta de competência e de atractivos, em fracasso em "cumprir suas responsabilidades" ou seu isolamento social.

Geralmente, sob a orientação do terapeuta, o paciente consegue categorizar suas cognições segundo as temáticas principais (por exemplo, auto-enculpamento, inferioridade, sentimentos de perda). O terapeuta pode auxiliá-lo a reconhecer as diferentes interpretações e significados passíveis de serem atribuídos a uma experiência particular de vida. Cabe-lhe assinalar a tendenciosidade negativista sistemática na escolha de interpretações do paciente e apontar-lhe como faz

inferências negativas indiscriminadas, mesmo diante de provas contraditórias. Naturalmente, o terapeuta não deve esperar que o paciente modifique sua visão simplesmente por tornar-se consciente de sua selecção tendenciosa de interpretações. Ao contrário, a exactidão de cada interpretação requer um exame cuidadoso, a fim de que o paciente possa aprimorar tanto sua capacidade de observação, quanto sua habilidade de fazer inferências realísticas e lógicas.

O terapeuta pode valer-se de uma série de técnicas cognitivas para avaliar e validar conclusões específicas. É essencial que se alterem as respostas negativas estereotipadas do paciente deprimido, visto que (1) elas resultam na vivência intensamente negativa de arestos e (2) desviam o paciente do enfoque de seus verdadeiros problemas, baseados na realidade. Duas técnicas destinadas a aprimorar a objectividade do paciente envolvem a "reatribuição" e a "conceituação alternativa". Uma das vantagens centrais dessas técnicas é que o paciente aprende a "distanciar-se" de seus pensamentos, isto é, começa a encarar seus pensamentos como fatos psicológicos.

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 136-140)