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O PLANEJAMENTO DE ACTIVIDADES

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 109-114)

Muitos pacientes deprimidos relatam uma quantidade avassaladora de cognições autodepreciativas e pessimistas nas ocasiões em que se encontram física e socialmente inactivos. Criticam-se por serem "vegetais" e por se afastarem das outras pessoas. Paradoxalmente, podem justificar esse afastamento e evitação baseados no facto de que a actividade e a interacção social não têm sentido, ou de que eles são um fardo para os outros. Assim, afundam-se numa passividade e isolamento social crescentes. Além disso, não é incomum que o paciente deprimido interprete sua inactividade e isolamento como prova de sua inadequação e abandono, fechando-se assim o círculo vicioso.

A prescrição de projectos especiais baseia-se na observação clínica de que os pacientes deprimidos tem dificuldade em empreender ou completar tarefas que desempenhavam com relativa facilidade antes do episódio depressivo. Mostram-se propensos a evitar tarefas complexas, ou quando procuram realizá-las, tem probabilidade de experimentar grandes dificuldades em atingir seu objectivo. Tipicamente, o paciente deprimido evita o projecto ou pára de tentar logo que encontra algum obstáculo. Suas crenças e atitudes negativas parecem estar subjacentes a sua tendência a desistir. Os pacientes frequentemente declaram, "É inútil tentar", pois estão convencidos de que irão fracassar. Quando se empenham em actividades orientadas para objectivos, tendem a exagerar as dificuldades e a minimizar sua capacidade de superá-las.

O emprego de tabelas de actividade serve para contrabalançar a perda de motivação, a inactividade e a preocupação do paciente com pensamentos depressivos. A técnica específica de programar o tempo do paciente hora a hora tende a manter um certo ímpeto e a prevenir novos deslizes para a mobilidade. Além disso, o foco em tarefas específicas orientadas para objectivos fornece ao paciente e ao terapeuta dados concretos nos quais é possível fundamentar avaliações realistas da capacidade de funcionamento do paciente.

Da mesma forma que em relação a outras técnicas cognitivas, o terapeuta deve expor a lógica do procedimento ao paciente. Este muitas vezes tem consciência de que a inactividade está associada com uma intensificação de seus sentimentos dolorosos. Em geral, consegue aceitar a ideia de que a inactividade aumenta sua disforia e o remoer de suas ideias.

O terapeuta pode, pelo menos, solicitar ao paciente que participe de um "experimento" para determinar se a actividade reduz suas preocupações e possivelmente melhora seu ânimo. Terapeuta e paciente determinam actividades específicas e o paciente concorda em observar seus pensamentos e sentimentos enquanto estiver dedicado a cada tarefa. Em todos os casos difíceis, o terapeuta pode indagar seriamente: "O que você tem a perder se tentar?".

O terapeuta pode optar por fornecer ao paciente uma tabela na qual planeje antecipadamente suas actividades e/ou anule as actividades efectivamente realizadas

durante o dia. Uma hierarquia de "tarefas graduadas" deve ser incorporada ao planejamento diário.

O planejamento de actividades específicas em colaboração com o paciente pode ser um passo importante para demonstrar-lhe que ele é capaz de controlar seu tempo. Os pacientes gravemente deprimidos muitas vezes relatam um sentimento de "ir fazendo", no sentido de que não há muito propósito em suas actividades. Ao planejar o dia com o terapeuta, mostram-se muitas vezes capazes de estabelecer objectivos significativos. Mais tarde, o relatório do paciente sobre as actividades efectivas (em comparação às actividades planejadas para o dia) fornece a ele e ao terapeuta um feedback objectivo sobre suas realizações. O relatório também inclui uma referência a auto-avaliações em termos de mestria e prazer no atingimento positivo de metas (vide Figuras 1 e 2).

Pode exigir habilidade do terapeuta conseguir que o paciente fique suficientemente mobilizado com a ideia de desenvolver um programa de actividades, ou mesmo de preencher retrospectivamente sua tabela de actividades. Assim sendo, o terapeuta explica a lógica do processo (por exemplo, que as pessoas geralmente funcionam melhor quando tem um programação), investiga as objecções do paciente e propõe então elaborar uma tabela, como um experimento interessante. Deve-se enfatizar ao paciente que o objectivo imediato é tentar seguir a programação, e não buscar alívio sintomático: o funcionamento aprimorado frequentemente vem antes que o alívio subjectivo se torne aparente.

É importante que o terapeuta frise os seguintes princípios ao paciente antes de utilizar uma tabela para programar actividades diárias:

1. "Ninguém realiza tudo que planeja, portanto não se sinta mal se não concretizar todos os seus planos".

2. "Ao planejar, estabeleça que tipo de actividade você vai realizar, e não quanto irá conseguir. O que você irá conseguir dependerá frequentemente de factores externos além de sua possibilidade de planejamento, tais como interrupções, falhas mecânicas ou a previsão do tempo, assim como de factores subjectivos como a fadiga, a concentração e a motivação, Por exemplo, você diz que gostaria que a casa estivesse mais limpa. Planeje falar trabalhos caseiros durante uma hora determinada todos os dias, digamos, das 10 às 11 da manhã. O número efectivo de horas de que irá precisar para terminar de limpar a casa poderá ser previsto depois que você tiver seguido a programação por vários dias".

3. "Mesmo que você falhe, certifique-se de lembrar que tentar seguir os planos é o passo mais importante. Esse passo fornece informações úteis para o estabelecimento do objectivo seguinte".

4. "Reserve um espaço de tempo todas as noites para planejar o dia seguinte; escreva seus planos para cada hora do dia seguinte na tabela".

Esses princípios são importantes, uma vez que se destinam a neutralizar ideias negativas sobre a tentativa de realizar a tarefa de planejamento.

A tabela de actividades serve para estruturar o dia o fornece informações para avaliar as actividades diárias do paciente. Ao formular essa tarefa, o terapeuta estabelece claramente que o objectivo inicial do programa é observar e não avaliar quão bem ou quanto o paciente faz por dia.

A tabela a seguir foi extraída da programação relatada por um paciente masculino deprimido, de 40 anos de idade. O paciente foi solicitado a classificar, numa escala de 0 a 5, o grau de mestria (M) e prazer (P) associa. do a cada actividade. Segunda-feira

6-7h. / Acordei, fiquei na cama / M: 0 / P: 0 7-8h / Vesti-me, tomei banho / M: 0 / P: 0 8- 8:30h / Li o jornal, tomei café / M: 0 / P: 0

8:30.10h / Voltei para a cama, não consegui dormir / M: 0 / P: 0 10-12h / Assisti à televisão / M: 0 / P: 1

12.13h / Paguei contas / M: 0 / P: 0

15h / Recebi visitas de amigos / M: 0 / P: 3 15-16h / Assisti à televisão / M: 0 / M: 0 16-17h / Tentei lavar o carro / M: 0 / P: 0 17-18h / Jantei com a família / M: 0 / P: 1

18-19h / Ajudei minha mulher a lavar os pratos / M: 0 / P: 0

O relatório de actividades diárias forneceu a base para testar a ideia repetitiva trazida pelo paciente de que "Eu não faço nada". Sem esse tipo de comprovação específica, o terapeuta não pode refutar realística e construtivamente a crença do paciente de que ele fez coisas e, ao mesmo tempo, não foi capaz de fazer nada.

A programação de actividades diário também induz o paciente a tomar conhecimento das actividades que trouxeram ao menos um ligeiro alívio dos sentimentos de depressão. No caso citado, o terapeuta indagou, "Você se sentiu melhor ou pior quando estava na cama sem dormir, em compararão com a ocasião em que seus amigos o visitaram?" Para sua surpresa, o paciente se deu conta de que as interacções sociais tinham aliviado sua disforia. Assim, com uma programação de actividades e as perguntas associadas do terapeuta, aprendeu que sua depressão de fato flutua dependendo de seu comportamento e de circunstâncias externas. Ideias como "Nada foi nenhuma diferença" ou "Sinto-me igualmente péssimo o dia inteiro" podem ser alteradas para uma percepção mais razoável, como, "Às vezes consigo fazer alguma coisa que me traga alívio". Mesmo os pacientes mais deprimidos e lentificados parecem sentir-se melhor quando ocupados com alguma actividade - não sendo por outra razão, pelo menos pela distracção que traz. Ademais, ao avaliar o grau de: satisfação associado a cada actividade, o paciente se torna "sensível" a sentimentos de satisfação, tornando-se portanto mais capaz de vivenciar e recordar sensações agradáveis. Essas experiências desdizem sua crença de ser incapaz de experimentar

qualquer gratificação, (Para uma elaboração adicional, consultar a sessão sobre Técnicas de Mestra e Prazer.)

Quando o paciente se mostra incapaz de decidir o que programar, o terapeuta lhe sugere vários projectos possíveis que pudesse gostar de realizar (por exemplo, trabalhos domésticos, compras, pagamento de contas etc.). Uma vez que uma tarefa tenha sido seleccionada, um intervalo de tempo é escolhido e os planos programados são anotados no formulário de Programação de Actividades nos horários adequados (por exemplo, limpar a casa de 10 às 11 da manhã às segundas e quartas; uma hora para compras às terças, de 10 às 11 da manhã). Os detalhes objectivos para o cumprimento dos planos são discutidos passo a passo e podem ser facilitados pela técnica de Ensaio Cognitivo, discutida mais adiante neste capítulo. O paciente deve ser encorajado a observar e relatar quaisquer pensamentos negativos que lhe ocorram enquanto procura cumprir a programação. Essas ideias serão trabalhadas da mesma forma que quaisquer outras cognições disfuncionais.

O emprego flexível do princípio da programação de actividades pode ser ilustrado com o exemplo que se segue.

Um paciente deprimido de 42 anos, desempregado, queixou-se de inércia, que definiu como "uma incapacidade para fazer qualquer coisa". Durante a sessão, mencionou uma dificuldade particular em decidir qual tarefa começar, uma vez que, segundo sua descrição, estava sobrecarregado com trabalhos a serem feitos na casa. O terapeuta decidiu usar uma tabela de actividades e partiu com o paciente para planejar um dia "razoável", valendo-se do conceito de tarefas graduadas, além de delinear uma programação hora a hora. Enfatizou o valor de o paciente programar seu dia, para que tivesse um conjunto concreto de orientações. As orientações foram formuladas de modo a que ele não encarasse a tabela como algo que "devia" ser seguido. Da mesma forma que com todas as tarefas comportamentais, o terapeuta investigou as reacções do paciente à programação proposta.

Nesse exemplo, ele se sentiu aliviado por saber que não era esperado que seguisse rigidamente a programação e concordou em tentar realizar cada um dos itens.

Os itens da agenda incluíam levantar-se, tomar banho etc., preparar o café da manhã, examinar o jornal procurando oportunidades de emprego, começar a cortar a grama (ficando a ênfase em iniciar a tarefa, não em completá-la), preparar um currículo para um emprego e ver televisão. O paciente relatou que a tabela tinha sido extremamente útil, por auxiliar a dividir seu dia em unidades distintas. Continuou a usá-la ao longo da terapia e estabeleceu um sistema de planejar seu dia na noite anterior, uma vez que as manhãs eram para ele as horas mais difíceis para tomar decisões.

O exemplo seguinte demonstra como o terapeuta detectou um sentimento generalizado de desamparo diante de uma tarefa específica – fazer compras, A partir daí, cada problema levantado sobre a tarefa foi especificado, avaliado e respondido. Finalmente, o terapeuta e a paciente elaboraram uma programação para realizar um

aspecto do objectivo, admitindo que nem "tudo" poderia ser conseguido numa tentativa.

Uma mulher de 48 anos, gravemente deprimida, mie de cinco filhos, disse: "Não consigo fazer as compras. Não consigo planejar de uma refeição a outra". Suas razões para não ser capaz de fazer compras incluíam: (1) "Meus cinco filhos têm dietas estranhíssimas e não consigo ter todas na memória", (2) "Nunca sei quando meu marido vem para casa, portanto não sei o que comprar", (3) "Esqueço o que queria comprar quando chego à loja".

TERAPEUTA: Se você fizer compras pata os cardápios do dia seguinte, isso lhe pareceria útil?

PACIENTE: Sim, mas houve época em que ou fazia compras por mês.

T: Fazer compras para um dia não é tão "eficiente" como você costumava ser – compreendo isso. Mas ao comparar-se com seu desempenho óptimo, você negligência o valor que fazer ao menos as compras de um dia, actualmente.

P: Isso é verdade. Entendo.

T: Vamos planejar uma hora por dia para as compras. Qual é a melhor hora? P: Das onze às doze.

T: OK. Vamos marcar "compras" no espaço de 11-12 para os três problemas que você conhece sobre fazer compras: (1) o esquecimento, (2) muitos cardápios individuais e (3) um número imprevisível de pessoas para jantar. Em primeiro lugar, como você resolveria o problema do esquecimento?

P: Tento fazer uma lista de compras.

T: Logo, uma coisa que você precisará fazer é uma lista, durante o período das 11 às 12, todos os dias.

P: Certo.

T: Próximo. Existe algum tipo de comida que todas as várias dietas, tenham em comum?

P: Sim, hamburgers, requeijão e saladas. Mas estou cansada de preparar e comer essas comidas.

T: Mudar as dietas é uma coisa. Fazer compras é outra. Vamos ater-nos às compras, por enquanto. Passaremos a outros assuntos quando estivermos prontos. (Observação: o terapeuta não fez referência à provável pressuposição da paciente de que ela deveria agradar a todos para ser uma boa mãe. Quando sua depressão se reduziu, essa ideia foi discutida.)

P: OK, eu poderia planejar hamburgers e saladas todos os dias.

T: A seguir, uma vez que você está comprando as mesmas coisas para cada refeição, não importa quantas pessoas estarão jantado todas as noites. Você pode guardar todas as sobras de comida para o dia seguinte.

P: (som) É verdade.

T: Você tem ideias suficientes para programar compras todos os dias por uma hora? Certifique-se de anotar exactamente o que faz durante essa hora, quando ela chegou, e

anote quaisquer pensamentos negativos que lhe ocorram enquanto estiver tentando fazer as compras.

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 109-114)