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TRABALHOS DE CASA

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 58-61)

A maneira como o terapeuta age acerca de cada passo na terapia (por exemplo, anotação de pensamentos automáticos, atribuição de tarefas para casa, testagem da validade de pensamentos e suposições) determina directamente se a cooperação e o rapport aumentam ou diminuem. Inversamente, o grau de colaboração e rapport influem sobre até que ponto o paciente participa de cada uma das etapas ou tarefas do programa terapêutico. O terapeuta pode fortalecer a cooperação terapêutica engajando o paciente na proposição da tarefa para casa. Cada tarefa é apresentada como um experimento - uma oportunidade de descobrir algo novo sobre os assuntos com que o paciente se depara no presente. O terapeuta pode aumentar a cooperação explicando o objectivo e as razões para cada trabalho de casa. Se os pacientes entenderem como tentar desempenhar a tarefa de casa e de que maneira essa tentativa pode ser útil, terão uma probabilidade muito maior de encontrar a motivação para desincumbir-se da tarefa.

A atribuição de trabalhos de casa influencia de modo crítico a cooperação terapêutica. Os pacientes frequentemente encaram O trabalho de casa como um teste de valor pessoal, habilidade pessoal ou motivação, ou podem acreditar que têm que fazer o trabalho com perfeição. O terapeuta procura sentir ou indagar directamente sobre tais latitudes, visto constituírem distorções serem antiterapêuticas. Encoraja activamente os pacientes a compartilharem seus pensamentos e sentimentos sobre a tarefa de casa, tanto antes como depois de ser tentada. Por exemplo, o paciente que executa com sucesso uma pequena tarefa pode encarar esse sucesso como um fracasso, "porque qualquer um poderia fazer isso". Esses tipos de distorções cognitivas devem ser activamente identificados e corrigidos. Da mesma forma que outras cognições, esses pensamentos são examinados e, sempre que necessário, corrigidos. O terapeuta poderia dizer directamente: "A tarefa é tentar fazer o trabalho de casa, e não fazê-lo tão bem quanto você o faria antes de ficar deprimido."

TÉCNICAS TERAPÊUTICAS "NÃO-COOPERATIVAS"

Existem muitas técnicas, como a "intenção paradoxal", que podem ter relevância clínica na depressão. Entretanto, geralmente evitamos tais métodos, se não se encaixarem em nosso enquadre conceitual e terapêutico. Além disso, acreditamos que a modificação das interpretações inadequadas e do comportamento disfuncional devem constituir uma empresa conjunta entre o paciente e o terapeuta. Mais ainda, admitimos que as mudanças duradouras no pensamento e comportamento do paciente

têm maior probabilidade de ser induzidas com sua compreensão, conscientização o esforço. O objectivo do empreendimento cooperativista toma ainda mais contra- indicado transmitir ao paciente a impressão de que o terapeuta é manipulador ou pratica um "controle do pensamento". Assim, evitamos técnicas que não deixem margem para a tomada de consciência e plena compreensão do paciente para o propósito dos métodos, assim como para sua participação voluntária nos procedimentos usados.

REACÇÕES DE "TRANSFERÊNCIA" E "CONTRATRANSFERÊNCIA "

Com muita frequência os terapeutas encaram os pacientes deprimidos como "deliberadamente" passivos, indecisos e manipulativos. O terapeuta fica frustrado, enquanto o paciente se sente criticado; seu estado pode deteriorar, ou ele pode abandonar o tratamento. Essas interacções são descritas na literatura analítica no contexto das reacções de transferência e contratransferência. O tipo de cooperação terapêutica que descrevemos tende a reduzir esse tipo de problemas e frustrações.

O terapeuta deve olhar de frente as reacções terapêuticas negativas. Ao tentar identificar e corrigir as distorções cognitivas do paciente que contribuem para sua passividade, falta de iniciativa e "oposicionismo", terapeuta e paciente colaboram na tentativa de resolver os próprios problemas que contribuem para suas frustrações mútuas. De facto, o pensamento disfuncional, que conduz à passividade, indecisão, falta de motivação etc., constitui um alvo específico do tratamento (ver Capítulo 7). Como nas outras distorções cognitivas, o terapeuta emprega a lógica e o método empírico para corrigir os erros desse tipo de pensamento.

As reacções transferenciais positivas também podem criar obstáculos ao curso da terapia. O paciente pode ver no terapeuta - um salvador e exagerar seus atributos positivos. Essa avaliaçãoo e expectativas tão elevadas têm que ser discutidas, para que sejam apontadas as distorções positivas.

O terapeuta precisa enfatizar o trabalho conjunto como um meio de solucionar os problemas do paciente, mais do que um fim em si mesmo. A forma terapêutica de lidar com os "problemas transferenciais", tais como a paixão do paciente pelo terapeuta, foi descrita no Capítulo 2.

Alguns aspectos da terapia activa e estruturada podem produzir reacções terapêuticas "negativas". Dependendo da situação, qualquer das técnicas descritas neste capítulo poderia ser interpretada por alguns pacientes como hostil, controladora ou coercitiva. Entretanto, alguns actos têm uma probabilidade especial de ser sentidos como desgastantes por pacientes deprimidos (e por muitos outros). Esses comportamentos incluem as pregações, exigências, ameaças, discussões, enculpamentos, atitudes moralistas e interrogatórios. Se o terapeuta, sem qualquer explicação, desvia ou muda o rumo da conversa dos assuntos que o paciente quer discutir, ou se usa de humor para fazer troça do paciente (e não de seus pensamentos), o paciente pode sentir-se manipulado e diminuído.

Várias outras dificuldades podem enfraquecer a natureza cooperativa da relação paciente-terapeuta; duas delas são particularmente comuns com pacientes depressivos. Primeiramente, o terapeuta pode começar a acreditar na visão persistentemente negativa que o paciente tem de si mesmo e de sua situação de vida. Saindo do papel de observador científico, o terapeuta pode "comprar" a construção negativa que o paciente faz da realidade. Ao invés de encarar as interpretações negativas do paciente como hipóteses que requerem testagem empírica, pode começar a supor que essas cognições negativas sejam afirmações precisas dos factos, a serem aceitas sem questionamento. Quando surge esse problema, o terapeuta pode começar a encarar o paciente como um "perdedor nato", ou como alguém inextricavelmente aprisionado numa situação real efectivamente sem saída, ao invés de se dar conta de que o paciente pode estar tão deprimido por sua perspectiva pessimista e por sua visto autocrática, que relata apenas observações negativas e generalizações erróneas. Para manter uma visão objectiva, embora empática, o terapeuta deve lembrar-se de que as visões negativas do paciente são apenas cognições e crenças, isto é, devem ser testadas para efeito de confirmação ou refutação.

Uma fonte de ruptura da cooperação terapêutica pode ocorrer nos estágios finais da terapia, se o paciente abandonar sua objectividade em relação a suas cognições negativistas. Por exemplo, o paciente pode experimentar novos desapontamentos ou frustrações devido a ocorrências traumáticas no meio circundante. Se isso acontecer, pode ver-se inundado por uma torrente de cognições negativas, que automaticamente considerará válidas, sem submetê-las a qualquer exame adicional. Consequentemente, tenderá a experimentar crescente depressão e abandono. Essa exacerbação sintomática pode levá-lo a decidir que a terapia cognitiva é ineficaz e/ou que ele é incurável. Pode também sentir-se desiludido de seu terapeuta. Qualquer dessas visões pode levar o paciente a parar de cooperar com o terapeuta, a recusar-se a cumprir tarefas, faltar a sessões ou sair da terapia. Essa reacção pode conduzir a uma folie à deux, se o terapeuta aceitar, sem questionamento, as interpretações do paciente quanto à relação terapêutica e a seu próprio progresso na terapia. Se o paciente começa a faltar às sessões, aconselha-se ao terapeuta entrar em contacto com ele e esclarecer as ideias que estão rompendo a colaboração terapêutica.

Na prática, constata-se que são comuns algumas recaídas sintomáticas durante o tratamento, Ao início do tratamento, o terapeuta deve informar ao paciente que são esperáveis algumas flutuações negativas. Tais exacerbações fornecem ao paciente uma oportunidade valiosa para empregar as técnicas e habilidades por ele aprendidas na terapia. Além disso, "mantém-no na prática" de lidar com os problemas que ocorrerão inevitavelmente após o término do tratamento.

Capítulo 4

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 58-61)