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A BUSCA DE SOLUÇOES ALTERNATIVAS

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 141-145)

O sistema fechado da lógica e raciocínio do paciente deprimido se abre à medida que ele se distancia de suas cognições e identifica os padrões rígidos e a temática de seus

pensamentos. Problemas anteriormente percebidos como insolúveis passam a ser reconceituados. Nesse ponto, a "busca do alternativas" pode mostrar-se útil. Essa técnica envolve simplesmente a investigação activa de outras interpretações ou soluções para os problemas do paciente. Essa abordagem constitui a pedra angular do solucionamento efectivo de problemas.

Através da cuidadosa definição de suas dificuldades, o paciente pode chegar espontaneamente à solução de problemas que considerava insolúveis. Ademais, com uma compreensão de problemas não distorcidos e fundamentados na realidade, algumas opções anteriormente descartadas podem agora parecer-lhe práticas e úteis. O terapeuta não se deve deixar desviar pela argumentação do paciente de que já "tentou tudo". Conquanto os pacientes deprimidos sinceramente acreditam haver explorado todas as opções possíveis, é mais provável que hajam automaticamente rejeitado várias alternativas e cessado a busca de outras, por haverem feito um pré-julgamento que dava o problema como insolúvel. Como observamos anteriormente, as bases para a conclusão desesperançada do paciente deprimido derivam de sua selecção sistematicamente tendenciosa de dados negativistas. O seguinte exemplo de caso ilustra a tendência dos pacientes deprimidos a considerarem insolúveis os problemas, com base em seu conjunto cognitivo negativista:

A paciente era uma mulher de 28 anos, moderadamente deprimida, cujo marido havia abandonado a ela o aos três filhos um mês antes. A paciente se referia continuamente a sua opinião de que não poderia sobreviver sem o marido. "Provou" esse ponto descrevendo as dificuldades que

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experimentara com a "independência" no passado. A paciente fora fóbica a respeito de ficar sozinha enquanto adolescente. "Sempre tivera problemas para lidar com as coisas" quando seu marido viajava a negócios. não recebera qualquer treinamento em assuntos financeiros e estava convencida de que: seus filhos iriam sofrer as consequências. Descreveu suas tentativas de lidar com a perda do marido como "um pesadelo".

Empregando o método das "alternativas", o terapeuta relacionou, primeiramente, os problemas existentes (por exemplo, o controle das finanças, a educação das crianças, a solidão). Em cada um dos casos, a paciente concluiu que não seria capaz de solucionar seus problemas, porque não fora capaz de fazê-lo no passado. Afirmava, "Nunca fui boa em matemática", "Sempre deixei a educação com o Jack", "Sempre tive medo de ficar sozinha, caso alguma coisa saísse errada".

Essas afirmativas poderiam ter sido genericamente correctas no passados, mas a questão crucial era se a paciente poderia empregar as habilidades específicas ou as técnicas para lidar com situações, recebendo orientação e treinamento adequados no presente. O terapeuta soube que da completara o curso médio e que, na verdade, ressentira-se até certo ponto da dominação do marido, que havia insistido em "cuidar de: tudo". As soluções alternativas geradas pela paciente revelaram uma habilidade

bem desenvolvida para o solucionamento de problemas. Por exemplo, na área das finanças, possuía conhecimentos sobre uma série de programas assistenciais, sabia o nome do gerente do banco do qual era correntista e havia considerado a ideia de candidatar-se a um emprego de secretária (seu diploma de curso médio fora obtido na área de negócios e comércio). O terapeuta, após sublinhar uma série de alternativas, retomou a crença original da paciente de que ela "não poderia sobreviver sem o marido". A essa altura, a paciente já conseguira melhora considerável em seu ânimo e concordou em optar por uma das soluções possíveis (assistência financeira a curto prazo) para seus problemas financeiros. Mostrou-se capaz de conseguir um empréstimo, servindo essa tentativa bem-sucedida para desacreditar sua opinião original sobre a incompetência. Como resultado, mostrou-se disposta a buscar activamente as soluções para suas outras áreas problematizadas.

É notável observar como a "busca de soluções" frequentemente leva a uma mudança no afecto dos pacientes deprimidos. O súbito reconhecimento de que sua situação de vida pode não ser "desesperada" responde por essa modificação. O objectivo do terapeuta, entretanto, não pode ser alcançado simplesmente pela consideração de abordagens alternativas para a resolução de problemas. Ele examina também a conclusão do paciente ("Nunca fui boa em nada") de um ponto de vista objectivo. Embora seja altamente improvável que tal conclusão seja válida, o paciente deprimido, ainda assim, acredita que ele o seja e pode apresentar provas "persuasivas" de falhas ou incompetência. Assim, o terapeuta deve estar preparado para dar ao paciente tempo bastante para integrar sua nova conclusão ("Tenho alguns conhecimentos, mas também preciso de orientação concreta nas áreas de finanças, educação infantil e modos de lidar com a solidão"). A busca de finanças alternativas de lidar com problemas constitui uma técnica importante no tratamento dos pacientes suicidas (ver Capítulo 10).

A busca de explicações alternativas fornece uma outra abordagem para os "problemas insolúveis". O paciente deprimido exibe uma tendenciosidade negativa sistemática em sua interpretação dos acontecimentos. Através da reflexão sobre interpretações alternativas, torna-se capaz de reconhecer e neutralizar essa tendenciosidade, substituindo-a por conclusões mais precisas. O resultado dessa alteração no pensamento é uma mudança positiva em seus afectos e comportamentos. O exemplo seguinte ilustra um pouco mais o efeito da correcção de um padrão cognitivo negativista.

Uma estudante universitária deprimida de 22 anos estava convencida de que seu professor de Inglês a considerava uma aluna a ser recusada. Para comprovar sua convicção, trouxe uma cópia de ensaio recente no qual recebera o grau C e duas páginas de comentários críticos do professor. A estudante estava desolada com o resultado. Havia escrito o ensaio num período de grande angústia, precipitado por sua crença de que "não iria ter sucesso na escola". Agora, recebera a "prova de que não iria conseguir" e estava preparada para abandonar o curso.

O terapeuta investigou dois pontos relevantes acerca das conclusões da paciente. Em primeiro lugar, ela estivera deprimida ao escrever o ensaio, podendo-se antecipar que seu desempenho não reflectiria com exactidão suas habilidades. A rigor, quando reflectiu sobre seus pensamentos na ocasião da entrega do ensaio, chegou a surpreender-se por haver sequer conseguido concluí-lo. Sua nota real e seu desempenho precisavam, portanto, ser apreciados no contexto dessa informação. Antes de optar por esse método de acção, entretanto, o terapeuta percebeu que as notas e comentários teriam que ser interpretados com acuidade, consistindo sua primeira prioridade em auxiliar a paciente a investigar sua opinião quanto a ser um "caso a recusar".

O terapeuta indagou sobre explicações alternativas para a nota e as críticas do professor, sendo essas alternativas discutidas e avaliadas pela paciente. A avaliação consistiu simplesmente na proporção de 100%, que representaria o grau de "credibilidade" de cada explicação. A listagem, em ordem decrescente de "credibilidade", foi a seguinte:

1. "Sou um caso perdido, sem qualquer aptidão em Inglês" - 90%.

2. "O professor tem um preconceito pessoal contra estudantes universitários do sexo feminino" - 5%.

3. "A nota não foi muito diferente da obtida por outros estudantes" - 3%.

4. "O professor teceu seus comentários para ajudar nos ensaios futuros, e, portanto, acha que tenho alguma capacidade" - 2%.

Felizmente, o terapeuta convenceu a paciente a obter um pouco mais de informação antes de abandonar o curso. Encorajou-a a telefonar para o professor dali mesmo, do consultório ("Não há momento melhor que este"). Pelo telefonema, ela constatou (1) que a nota média da turma fora C e (2) que o professor achava que, embora o estilo do ensaio "deixasse a desejar", o conteúdo era "promissor". Sugeriu que tivessem uma conversa posterior para que ele explicasse suas críticas. Como resultado dessa nova informação, a paciente tornou-se mais animada e disposta. Ao invés de encarar-se como uma "aluna a ser recusada", rapidamente concordou em que precisava de treinamento concreto em seu estilo literário. Decidiu tomar algumas aulas particulares e concluir o semestre, ao invés de afastar-se do curso conforme havia resolvido.

Esse exemplo demonstra os efeitos das interpretações negativistas da paciente sobre seus afectos e comportamentos. Ela experimentara uma disforia intensa não apenas em decorrência de sua nota medíocre, mas também porque isso significava que ela era um fracasso. Além disso, entretanto, mostrara-se preparada a agir com base em sua conclusão negativa. O abandono do curso, à luz das evidências, teria sido um erro fundamental. Na verdade, tê-la-ia convencido da validade de seu juízo negativista

sobre sua capacidade. Tendo investigado as demais interpretações possíveis, ela se tornou capaz de tomar uma decisão mais racional.

Foi útil para a paciente e para o terapeuta arrolarem e avaliarem as crenças dela, pois permitiu-lhes desenvolver hipóteses empiricamente testáveis. A paciente reavaliou suas interpretações ao final da sessão e pode perceber quanto havia superestimado sua hipótese de "recusada-sem-capacidade", em função do volume limitado de provas disponíveis. Curiosamente, uma vez que pôde ter uma perspectiva mais clara dos comentários do professor, a paciente centrou sua atenção não na convicção de ser um fracasso (que já não se afigurava plausível), mas numa estimativa racional das deficiências de sua criatividade literária. Contrariamente ao terapeuta que exercita o "poder do pensamento positivo", o terapeuta cognitivista não procurou negar ou ignorar esses déficits reais.

Evidentemente, nem sempre é possível fazer com que o paciente recolha dados relevantes no consultório, como no presente caso. Sempre que viável, contudo, o esforço é compensador, dado que o progresso em outras áreas ficará impedido se o paciente estiver oprimido por ideias de rejeição. Se os dados não puderem ser obtidos directamente no consultório, o paciente deverá receber uma "tarefa para casa em carácter de emergência", qual seja, obter as informações (por exemplo, entrando em contacto com o professor) e tornar a falar com o terapeuta o mais cedo possível. Dessa forma, há menos oportunidade de que os pensamentos e conclusões negativos se difundam para outros aspectos da vida do paciente. A propósito, constatamos geralmente que, quanto maior a discrepância entre a conclusão errónea original e os dados pertinentes colhidos pelo paciente, tanto mais aquela conclusão fica enfraquecida. Por vezes, pode ser útil contar com a ajuda de um "outro significativo" ou de um terapeuta auxiliar, para colaborar com o paciente na obtenção de dados adequados fora da sessão terapêutica.

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 141-145)