• Nenhum resultado encontrado

Como é característico da maioria das pessoas, o paciente deprimido busca explicações para seus problemas. Em sua concepção de causalidade, mostra-se propenso a encarar alguma deficiência desastrosa em si mesmo como a fonte de seu distúrbio psicológico. Essa tendência é frequentemente apoiada por outros significativos, que dizem que o paciente "poderia melhorar, se quisesse". Os pacientes gravemente deprimidos levam a ideia da autocausalidade a extremos aparentemente absurdos. Um paciente que estava hospitalizado em decorrência de sua depressão ouviu outro paciente espirrar no lado oposto do corredor e reagiu com o pensamento automático "Sou culpado. Devo estar infectando todas as pessoas no andar". Esse tipo de auto-enculpamento irrealista serve para levar o paciente a sentir-se pior. Os terapeutas devem tratar com cautela a autocrítica dos pacientes, uma vez que qualquer refutação directa pode resultar na ideia de que "Ele não compreende minha fraqueza". Um paciente, após ouvir que sua auto-crítica era inadaptativa, passou a culpar-se por "estar-se culpando".

A abordagem cognitiva da autocrítica envolve conscientizar o paciente da infiltração de autocríticas específicas e, em decorrência dessa maior conscientização,

avaliar objectivamente seus pensamentos auto-enculpadores. A natureza recorrente e estereotipada das autocríticas do paciente faculta ao terapeuta e a ele fazer progressos significativos, uma vez que os pensamentos tenham sido modificados. Reconhecer suas autocríticas específicas não é difícil, porque o paciente habitualmente se sente pior após uma delas. Assim, ao experimentar um aumento de sua disforia, precisa apenas reproduzir seus pensamentos precedentes para identificar a autocrítica.

A etapa seguinte consiste em ampliar a objectividade do paciente face a seu auto- enculpamento. Essa é uma etapa crucial, dado que o paciente comumente acredita que sua autocrítica é justificada. Um dos métodos é propor-lhe uma pergunta do tipo, "Suponha que eu cometesse erros como os seus. Você me desprezaria por isso? " Considerando que o paciente geralmente admite que não seria tão crítico em relação a outra pessoa, ele pode se dar conta da natureza exagerada de suas autocríticas. Os pacientes leve a moderadamente deprimidos podem reconhecer a natureza autoderrotista de suas autocríticas se o terapeuta disser, por exemplo:

Como você acha que eu me sentiria se alguém ficasse debruçado sobre meus ombros avaliando ou criticando tudo que eu fizesse?... Num certo sentido, isso é o que você está fazendo a si próprio, ainda que não o deseje deliberadamente… O resultado final, no entanto, é que você não apenas se sente mal, mas também não consegue agir adequadamente. Você descobrirá que pode sentir-se livre consigo mesmo e ser mais bem-sucedido se tentar ignorar as auto-avaliações.

O desempenho de papéis: O processo de aquisição de objectividade face à destrutividade das autocríticas pode, às vezes, ser acelerado através do desempenho de papéis. O terapeuta, por exemplo, dramatiza a forma pela qual o paciente se percebe: inadequado, inepto, fraco. O paciente é treinado para assumir o papel de um crítico severo, que irá atacar verbalmente o "paciente" por qualquer demonstração de reconhecimento de uma falha. O terapeuta hábil pode desempenhar o papel do "fraco", de modo a demonstrar as distorções e inferências arbitrárias do paciente. Se esse for adequadamente "aquecido" para o papel do crítico, poderá simultaneamente representar as denúncias e observar a extravagância de seus juízos negativos.

Um outro método para aumentar a conscientização do paciente acerca de suas autocríticas consiste em inverter os papéis: o paciente tenta ajudar o terapeuta, que assume um papel autodepreciador.

O exemplo de caso que se segue ilustra o emprego da inversão de papéis com uma paciente deprimida interna de 27 anos. Ela havia participado de três sessões anteriores, mas na quarta sessão rotulava-se continuamente como "muito imbecil" e "idiota". Essas autocríticas interferiam seriamente em suas tentativas de iniciar qualquer tarefa nova e, a rigor, estavam desestruturando a própria sessão terapêutica. PACIENTE: Agora que sei que posso controlar meus pensamentos, sinto-me realmente imbecil por estar deprimida.

TERAPEUTA: Você precisa conhecer a si mesma antes de poder efectuar mudança. Antes da terapia, não tinha esse conhecimento, logo, não parece razoável criticar-se por esse facto.

P: Devo ser imbecil demais para descobrir as coisas por mim mesma. T: Você se dá conta de quão frequentemente se crítica por ser "imbecil"?

P: Se a carapuça serve, a gente a usa. Nunca fui inteligente o bastante para aprender as coisas depressa. Lembro que sempre fui a "burra" da turma quando se tratava de matemática.

T: Eu poderia, provavelmente, compreender que você aprendesse a se fazer críticas quando enfrentava um problema de matemática, ainda que a crítica nesse ponto não fosse de grande utilidade. Mas você se crítica continuamente sempre que experimentamos alguma coisa nova. Estaria disposta a dar uma olhada no "efeito oculto" que essas críticas têm em você?

P: Acho que sim.

T: O.K., eu gostaria de usar um pouco o desempenho de papéis. Você é muito boa nadadora, portanto, porque não ensaiamos como seria se você fosse me ensinar a nadar? Ouvirei suas instruções e podemos, ambos, imaginar a cena.

P: O.K., a primeira coisa que você precisa fazer é aprender a relaxar na água.

T: Sou muito estúpido pala aprender isso. Nunca pude aprender nada direito desde a quarta série.

P: Bem, você vai ter que tentar e eu lhe darei instruções. T: Se eu entrar na água vou parecer estúpido.

P: Você tem que entrar na água se vai aprender a nadar.

T: Eu vou deixá-la embaraçada na frente dos outros, porque farei alguma coisa idiota. Tenho certeza. Acontece sempre.

P: Você está começando a me frustrar.

T: Por que você acredita que não posso aprender a nadar? Você me acha muito imbecil?

P: Não, é porque voei acha que é muito estúpido. Não tive sequer uma chance de vê-lo na água. (n)

Nesse ponto, a paciente tomou consciência de que a informação objectiva era necessária à aprendizagem e que, sempre que indicadas, as instruções poderiam ser úteis. Entretanto, todo o processo de aprendizagem poderia ser bloqueado por sua produção contínua de autocríticas, As instruções do terapeuta incluíam um auto-apelo: "Dê um passo de cada vez e compense qualquer falta de habilidade intrínseca com um empenho adicional". O terapeuta e a paciente tiveram que lidar com o medo que ela exibia de embaraçar a si mesma ou ao terapeuta por um comportamento desajeitado, que é esperável em qualquer novato, seja ele um nadador ou um solucionador de problemas.

Outra estratégia para atacar a autocrítica do paciente consiste em ensinar-lhe como fornecer respostas racionais "automáticas" a quaisquer pensamentos

automáticos autodepreciativos. O paciente aprende a fazer objecção à validade dessas ideias negativas e a substitui-las por uma avaliação mais razoável de si mesmo. A técnica de "coluna tríplice", mencionada no Capitulo 8, faculta ao paciente apontar seu pensamento negativo e especificar por que ele é erróneo ou inadaptativo. Essas tarefas para casa são de importância fundamental na implementação das estratégias formuladas durante a entrevista terapêutica.

O emprego da técnica de identificação e resposta à autocrítica é ilustrado no caso seguinte. Nele, o paciente foi instruído a fornecer respostas positivas numa situação de desempenho de papéis.

Uma mulher deprimida acreditava ser incompetente como esposa e como mãe. Essa crença básica se manifestava em sua avaliação de suas responsabilidades domésticas. Ao preparar o jantar para a família, comentava, "Espero que esta comida esteja suficientemente boa Se não valer a pena comê-la, arranjo outra coisa para vocês". A experiência de desvalorizar seguidamente os resultados de seu trabalho tinha o efeito de reforçar sua auto-imagem negativa, particularmente considerando que ela valorizava suas responsabilidades familiares mais que qualquer outra coisa. A família, entretanto, aprendera a esperar por suas autocríticas, mas reagia sempre com comentários positivos de apoio, nos quais a paciente não acreditava.

A paciente identificou dois aspectos das autocríticas dotados de uma qualidade de automatismo. Primeiramente, quando quer que empreendesse um trabalho, via-se inundada por imagens de seu marido decepcionando-se com ela. Como resultado, tomava-se cada vez mais ansiosa e concluía que ele deveria esperar "incompetência de uma incompetente". Sua própria autocrítica prosseguia a partir desse ponto. Em segundo lugar, ao ver seu mando (ou mesmo os dois filhos mais velhos), automaticamente verbalizava sua autocrítica "antes que eles possam falar". Além disso, criticava-se por não expressar seus sentimentos e por "ser defensiva" sempre.

A primeira parte do método escolhido para lidar com em: problema consistiu em examinar o significado de suas autocríticas. Esse significado foi buscado a partir de duas perspectivas. Fez-se uma tentativa de examinar objectivamente suas autocráticas, empregando a técnica da coluna tríplice, acompanhada de um longo período de discussão sobre as provas de sua "precariedade no trabalho doméstico". Ela recordou, por exemplo, que muitas vezes as visitas a haviam cumprimentado espontaneamente por seus bolos. A paciente admitiu que muitas de suas autocráticas se caracterizavam pelo exagero de pequenos erros (p. ex.: colocava muitos corantes insossos na cobertura de um bolo e concluía que "O bolo não merecia ser comido").

A segunda perspectiva consistiu em examinar respostas alternativas a suas autocríticas. O terapeuta solicitou à paciente que procurasse lembrar qual a mensagem específica que desejava comunicar a sua família. Ela observou que poderia ter estado tentando dizer, "Digam-se como vocês se sentem acerca de meus esforços" e/ou "Prestem alguma atenção às coisas que faço por aqui". O terapeuta decidiu praticar o

desempenho de papéis, instruindo a paciente a transmitir quaisquer mensagens, excepto as de auto-crítica Ela se imaginou no jantar e disse ao terapeuta ("marido"), "Eu queria assar um bolo do qual você gostasse e usei corante em demasia, mas o sabor deve estar bom"). Nesse ponto, ficou angustiada e disse, "Ele não se importa com o bolo. Provavelmente pensa no que está errado comigo e em porque não consigo sair dessa depressão". Conseguiu opor-se a essa noção dizendo, "Você vai gostar do bolo, mesmo que não esteja perfeito".

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 168-172)