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SINTOMAS COMPORTAMENTAIS PASSIVIDADE, EVITAÇÃO E INÉRCIA

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 174-180)

A inactividade e a passividade do paciente constituem sintomas-alvos centrais. Algumas abordagens desses problemas são discutidas no capítulo sobre métodos comportamentais (7) e no capítulo sobre tarefas para casa (13). Um relato mais detalhado é apresentado em Cognitive Therapy and the emotional disorders (Becker, 1976, pp. 274-287).

A passividade e inactividade observadas na depressão têm sido historicamente encaradas como uma forma de inibição neurofisiológica: retardamento psicomotor. Uma programação de actividades serve, amiúde, para contrapor-se à passividade e ao retardamento aparentes

Programações e projectos de actividades. Um programa de actividades racionalmente elaborado traz diversas vantagens. Algumas delas são: (a) Modifica-se o conceito que o paciente faz de si mesmo (autoconceito). Ele se torna capaz de avaliar mais realisticamente suas experiências. Concomitantemente, com o aprimoramento de seu autoconceito, torna-se mais esperançoso quanto ao futuro. (b) O paciente se desliga de seus pensamentos depressivos dolorosos e de seus afectos desagradáveis, ao transferir sua atenção para a actividade, (c) As reacções dos "outros significativos" se tornam mais positivas, visto que eles geralmente reforçam de modo benéfico as actividades construtivas do paciente. (d) É possível que o paciente comece a sentir prazer em suas actividades, recebendo assim uma recompensa imediata por desenvolvê-las.

Evidentemente, quem quer que haja tratado de pacientes deprimidos sabe que eles frequentemente se esforçam por se tornarem mais activos. Tipicamente, seus familiares e amigos os convencem, incitam e exortam a serem mais activos – sem efeito duradouro. Esses esforços geralmente fracassam porque aqueles indivíduos não compreendem a psicologia da depressão. É essencial, em primeiro lugar, que se crie a motivação para a actividade, expondo um raciocínio claro que possa ser compreendido pelo paciente. De início, cabe ao terapeuta investigar as razões do paciente para sua inactividade.

Existem vários métodos para se determinar as razões da inactividade. Por exemplo, o terapeuta pode recomendar uma actividade ou projecto que esteja claramente dentro das possibilidades do paciente. Se esse expressar relutância ou incapacidade de seguir a sugestão, o terapeuta lhe solicita que detalhe os motivos de sua relutância. Suas "razões" serão tratadas como hipóteses a serem testadas através do planejamento de um projecto específico.

As razões habituais fornecidas pelos pacientes depressivos para sua passividade e resistência em empreender algum projecto são: (a) "É inútil tentar"; (b) "Não posso fazer isso"; (c) "Se eu tentar qualquer coisa, não irá funcionar e só me sentirei pior"; (d) "Estou cansado demais para fazer qualquer coisa"; (e) "É muito mais fácil ficar simplesmente quieto".

O paciente geralmente aceita como válidas as suas razões para a inactividade, não lhe ocorrendo que elas possam constituir uma falácia ou, pelo menos, ser disfuncionais. Mais tarde, quando o terapeuta delineia um projecto de actividade com o paciente, ambos testam a validade dessas "razões", Se o paciente atinge o objectivo especificado, é importante que o terapeuta verifique se a experiência de sucesso contradiz a atitude errónea (de ser, por exemplo, "fraco demais para fazer qualquer coisa").

Antes que o projecto seja iniciado, os significados e conotações dos sintomas devem ser explorados e discutidos. A conotação de estar imobilizado, por exemplo, é de o paciente ser "preguiçoso". Ele tende a manter essa visão de si mesmo, assim como fazem as pessoas à sua volta. Como resultado, ele se censura - do mesmo modo

que os outros significativos. Ao mobilizar o paciente para a actividade, o terapeuta pode auxiliá-lo a combater suas auto-avaliações desvalorizadoras.

Visto que o desejo de fuga das actividades cotidianas é intenso no paciente deprimido e que suas crenças negativas estão entrincheiradas, é importante que o terapeuta explicite para ele a maneira como se está derrotando involuntariamente, tornando-se mais infeliz por aceitar docilmente suas atitudes autoderrotistas e por ceder a seus desejos regressivos. Cabe ao terapeuta apontar ao paciente, directa ou indirectamente, que, ao questionar suas ideias, ele tem maior probabilidade de sentir- se melhor,

É fundamental que o terapeuta formule suas perguntas e observações acerca das ideias e desejos autoderrotistas do paciente abstendo-se de julgamentos, de uma forma reflectida. Deve evitar o indício de estar repreendendo o paciente. Dado que m pacientes deprimidos geralmente reagem à "crítica" com autocensuras e auto- imobilização adicionais, convém ao terapeuta indagar sobre as reacções deles, a fim de determinar se estão usando os comentários do clínico "contra si mesmos". Além disso, o terapeuta deve ter conhecimento de que suas observações podem ser interpretadas simplesmente como uma exortação para invocar o "poder do pensamento positivo". Compete-lhe indicar claramente que ele e o paciente estão tentando apontar com precisão um problema e providenciar o remédio específico para ele.

O estágio seguinte no tratamento da passividade consiste em atrair o interesse ou a curiosidade do paciente, para que ele ao menos coopere no sentido de tentar desincumbir-se de um projecto simples. Esse objectivo preliminar pode ser alcançado através de uma nova formulação de um projecto específico, explicando-se a lógica daquele procedimento particular e transmitindo-se ao paciente a ideia de que existe uma alternativa menos dolorosa que sentir-se mal da maneira que se sente - através da colaboração com o terapeuta, engajando-se numa actividade específica. Quando o paciente corresponde ao incentivo à colaboração, uma multiplicidade de métodos cognitivos ou comportamentais verbais pode ser utilizada para capacitá-lo a concluir seu projecto.

Um objectivo desse programa é treinar o paciente a identificar seus pensamentos negativos antes de empreender o projecto específico ou enquanto o realiza. Na medida em que se dá conta de como esses pensamentos automáticos o estão prejudicando, pode começar a contestá-los espontaneamente. Num estágio posterior, aprenderá a corrigi-los e a ver sua situação de: modo mais razoável.

O programa terapêutico pode ser formulado em termos dos seguintes passos: (1) propor ao paciente um projecto específico; (2) investigar suas razões para opor-se à proposta; (3) solicitar ao paciente que pese a validade de suas "razões" (ou atitudes negativas); (4) apontar-lhe por que essas razões podem ser autoderrotistas ou sem validade; (5) estimular o interesse do paciente em tentar desempenhar a tarefa proposta; (6) formular o projecto de tal forma que o desempenho do paciente possa testar a validade de suas ideias. Assim, a consecução bem-sucedida da tarefa irá contradizer a hipótese do paciente sobre ser incapaz de realizá-la

É importante que o terapeuta tenha em mente que o paciente pode "falhar" num dado projecto. Portanto, a experiência deve ser planejada de tal forma que a informação possa ser útil a despeito dos resultados. Assim, o terapeuta pode investigar as generalizações exacerbadas que acompanham um "fracasso" e apontar a correspondente distorção cognitiva. Em seguida, ele e o paciente podem estabelecer um novo objectivo mais passível de ser alcançado.

O caso que se segue ilustra o emprego de uma programação de actividades, como foi usada pelo terapeuta no tratamento de um homem deprimido de 48 anos.

O paciente estava hospitalizado no pavilhão psiquiátrico de um hospital geral e sua depressão se mostrava particularmente difícil de tratar. O homem havia tentado o suicídio através de envenenamento com monóxido de carbono antes de sua admissão. Sua depressão fora tratada com antidepressivos tricíclicos e psicoterapia de apoio durante oito meses, antes da admissão hospitalar. Tivera melhora reduzida (com excepção da melhora de ânimo à noite) como resultado de cinco tratamentos electroconvulsivos, tendo sido descontinuado o tratamento. O terapeuta sabia, por observações das enfermeiras, que o paciente algumas vezes fura capaz de realizar tarefas relativamente complexas (por exemplo, lavar roupa), mas permanecia imóvel o restante do tempo na sala de repouso dos pacientes. Dessa forma, decidiu preparar com ele uma programação de actividades.

TERAPEUTA: Parece-me que você passa a maior parte do dia na sala de repouso. É verdade?

PACIENTE: É, ficar quieto me dá a paz de espírito de que preciso. T: Quando você se senta lá, como fica seu ânimo?

P: Sinto-me péssimo o tempo todo. Só gostaria de poder cair em alguns buraco e morrer.

T: Você se sente melhor depois de sentar-se por duas ou três horas? P: Não, a mesma coisa.

T: Quer dizer que você tem ficado sentado na esperança de encontrar paz de espírito, mas parece que sua depressão não melhora.

P: Fico tão entediado!

T: Você consideraria a hipótese de ser mais activo? Há várias razões pelas quais acho que um aumento em seu nível de actividade poderia ajudar.

P: Não há nada a fazer por aqui.

T: Você consideraria tentar algumas actividades, se eu conseguisse produzir uma relação?

P: Se você acha que vai ajudar, mas penso que está perdendo seu tempo. Não tenho quaisquer interesses.

T: Vamos verificar se estou perdendo meu tempo. Gostaria de saber se você se sente melhor ou pior depois de alguma actividade… para verificar de que modo isso influi em seu tédio. Quanto a seus interesses, deveríamos considerar algumas das coisas que lhe proporcionavam prazer no passado e ver quais seriam suas reacções agora mesmo não estando interessado.

Paciente e terapeuta reviram a seguir uma lista de actividades potenciais, disponível no pavilhão. O paciente sustentou que não estava interessado em nenhuma delas (sua razão para a inactividade). Mais uma vez, o terapeuta estabeleceu a diferença entre (a) o objectivo de fazer algo interessante e (b) o estar disposto a fazer algo que rompesse o padrão de inactividade.

TERAPEUTA: A que horas você decide ir-se sentar na sala de repouso? PACIENTE: Logo depois do café da manhã.

T: O.K., essa é a primeira hora em que nos podemos encontrar. Escolha uma actividade que você estaria disposto a realizar logo depois do café da manhã.

P: Bem, ginástica, não… eu ficaria enjoado se fizesse exercícios logo depois do café. T: Bem, que tal uma actividade que mantivesse sua mente trabalhando? Podemos deixar a ginástica para mais tarde, durante a manhã, se você concordar.

P: acho que eu poderia ouvir rádio. (O terapeuta observa a ligeira mudança na atitude do paciente, mas percebe que essa actividade poderia ser completada na sala de repouso.)

T: Isso seria bom, se você pudesse distrair-se de suas preocupações com o programa. Há alguma actividade que você pudesse realizar mantendo-se afastado das imediações da sala de repouso?

P: Acho que poderia ir até a Terapia Ocupacional, mas me entediaria com muita facilidade.

T: Ir à T.O. parece uma boa ideia. Você poderia trabalhar num projecto específico? Em que você conseguiria pensar?

P: Talvez pudesse fazer um cinto para meu filho.

T: Isso é bom. Depois podemos investigar melhor o que o faz sentir-se entediado. Você que pensamentos lhe ocorrem quando se entendia?

P: Não sei.

T: Bem, porque não estabelecemos o objectivo de descobrir? Primeiro, vamos colocar a terapia ocupacional na programação de actividades. Depois, seu segundo objectivo será "pescar" seus pensamentos quando fica entediado. Se você se sentir assim, procure apreender esses pensamentos e anote-os. Mais tarde, pode participar das outras actividades, digamos, do grupo de ginástica, e depois ouvir rádio. (O terapeuta anota as actividades numa lista). Se você se sentir entediado, pode tentar captar esses pensamentos… Quais são reacções a esse plano?

P: Estou disposto a tentar, mas acho que você está perdendo seu tempo comigo.

Para surpresa dos membros da equipe, o paciente foi para o programa de terapia ocupacional (que era chefiado por um terapeuta de orientação behaviorista), onde permaneceu por 40 minutos. Conseguiu observar alguns pensamentos "maçantes": "Tenho que sair daqui. Tenho muito que fazer e casa" e "se meu patrão me visse aqui fazendo um cinto, na certa me despediria". Esses pensamentos foram discutidos na

sessão terapêutica seguinte. O paciente contou haver-se sentido melhor durante os primeiros 30 minutos da programação de actividades, mas a seguir sentiu-se "pior", após um período em que ficou remoendo as consequências de sua hospitalização.

Vale a pena observar que o paciente percebeu cognições muito informativas associadas ao sentimento de tédio. O terapeuta não teria descoberto esses pensamentos depressivos se a programação de actividade não tivesse sido implementada e se o paciente não houvesse recebido a tarefa de reconhecer seus pensamentos depressogénicos. A queda no ânimo do paciente após 30 minutos não foi uma experiência verdadeiramente negativa, porque trouxe a oportunidade de reunir suas cognições negativas características. Nas duas sessões seguintes, a terapia focalizou a preocupação do paciente de que seu empregador iria criticá-lo por sua depressão. O paciente manteve a tarefa de programar actividades como trabalho de casa. Dentro de três dias, seu "tédio" decresceu e, mais tarde, chegou mesmo a considerar interessantes algumas das actividades.

Um programa mais amplo que compreendia uma tabela de actividades pode ser utilizado para auxiliar o paciente que esteja relativamente inactivo, porém não imobilizado. A programação hora a hora oferece uma alternativa definida e específica à inactividade e, quando é incluído o projecto adicional de "captar" os pensamentos negativos, o paciente pode usar a estrutura fornecida pela programação de actividades para obter informações adicionais úteis. Um dos problemas potenciais ligados à atribuição da programação de actividades

é que o paciente pode reagir negativamente, se a tabela for rígida e exigente.

1. Interpretara seu fracasso em cumprir os horários da tabela ou completar todas as actividades como um "sinal grave".

2. Poderá interpretar a necessidade de uma programação de actividades como prova de seu grau de regressão.

Desenvolvemos uma técnica específica (a prescrição de tarefas graduadas) como se nessas experiências clínicas e dados de pesquisa. A técnica é semelhante à programação de actividades, no sentido de que é usada para ampliar as actividades, melhorar o optimismo e elevar o ânimo, demonstrando ao paciente que suas previsões acerca de suas habilidades são irrealisticamente negativas.

Prescrição de Tarefas Graduadas. A opção pela prescrição de tarefas graduadas, em vez da programação padronizada de actividades, baseia-se no estado do paciente. Em geral, com pacientes mais gravemente deprimidos, as tarefas graduadas são empregadas para que a terapia possa monitorar cada passo dado pelo paciente. Elas facultam ao terapeuta subdividir uma tarefa em seus componentes, adaptados sob medida ao nível comportamental do paciente. A programação padronizada de actividades, por outro lado, é empregada com maior frequência com o paciente que o terapeuta acredita capaz de actividades regulares. Naturalmente, essa distinção permanece algo artificial sem o conhecimento de algum paciente em particular. As

duas técnicas podem ser empregadas simultaneamente, quando o paciente funciona num nível aceitável de actividade, mas vem tentando dominar uma tarefa mais difícil (podendo, portanto, beneficiar-se de uma abordagem de tarefas graduadas).

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 174-180)