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ENTREVISTA COM UM PACIENTE DEPRIMIDO SUICIDA

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 198-200)

Um bom teste do valor da terapia cognitiva é o alcance de sua aplicabilidade numa vasta gama de problemas clínicos e numa diversidade de pacientes. Para passar nesse teste, o sistema de psicoterapia deve fornecer um enquadre conceitual suficientemente flexível e um número adequado de técnicas pura atender às demandas variáveis de um dado paciente, em diversos momentos, assim como para atender às de diferentes pacientes.

Talvez o desafio mais crítico à adequação da terapia cognitiva seja sua eficácia ao lidar com o paciente agudamente suicida. Em tais casos, o terapeuta muitas vezes precisa fazer mudanças o assumir um papel muito activo, na tentativa de atravessar a barreira da desesperança e da resignação. Dado que sua intervenção pude ser decisiva para salvar a vida do paciente, precisa recorrer à sua habilidade e tentar atingir certo número de objectivos imediatos, seja simultaneamente, seja em rápida sucessão: estabelecer uma relação de trabalho com o paciente, obter uma visão global de sua situação de vida, apontar suas "razões" para desejar suicidar-se, determinar a capacidade de auto-objectividade do paciente e cavar algum ponto de entrada para penetrar no mundo fenomenológico do paciente, introduzindo assim elementos da realidade.

Essa empreitada, como vem ilustrado pela entrevista que se segue, cobra um tributo pesado e exige todas as qualidades de um "bom terapeuta" - calor humano autêntico, aceitação e compreensão empática - assim como o emprego de estratégias adequadas, retiradas do sistema da terapia cognitiva.

A paciente era uma psicóloga clínica de 40 anos que fora recentemente abandonada por seu namorado. Tinha uma história de depressões intermitentes desde a idade de 12 anos, submetera-se várias vezes a psicoterapia, drogas antidepressivas, terapia electroconvulsiva e hospitalização.

Tinha sido vista por este terapeuta (A.T. Beck) cinco vezes, num período de 7 ou 8 meses. Na ocasião desta entrevista, era evidente que estava deprimida e, como indicavam seus episódios anteriores, provavelmente suicida.

Na primeira parte da entrevista, o movimento principal consistiu em fazer as perguntas apropriadas para efectuar uma avaliação clínica e também tentar elucidar os problemas psicológicos fundamentais. Antes de mais nada, o terapeuta precisava fazer uma avaliação de quão deprimida e suicida estava a paciente. Devia também avaliar suas expectativas acerca de ser ajudada pela entrevista (T1; T8), a fim de determinar de quanto terreno dispunha. Durante esse espaço de tempo, para manter o diálogo, ele precisou também repetir as afirmações da paciente.

Ficou aparente, pela emergência dos desejos suicidas, que esse era o problema clínico saliente e que o desamparo (T7) dela seria o ponto mais apropriado para a intervenção.

Diversos aspectos poderiam ser assinalados acerca da primeira parte da entrevista. O terapeuta aceitou a seriedade do desejo de morte da paciente, mas tratou- o como um tópico a ser examinado mais detidamente, um problema a ser discutido. "Podemos discutir as vantagens e as desvantagens" (T11). Ela reagiu a essa afirmação de maneira algo divertida (um sinal favorável). O terapeuta procurou igualmente testar a habilidade da paciente para encarar-se e a seus problemas com objectividade. Tentou ainda testar a fixidez de suas ideias irracionais e o grau de aceitação dela de seu desejo de ajudá-la (T13-T20).

Na primeira parte da entrevista, o terapeuta não conseguiu ganhar muito terreno, em vista da crença fortemente estabelecida na paciente de que as coisas não tinham possibilidade de funcionar bem com ela. Havia decidido que o suicídio era a única solução e se ressentia das tentativas de "fazê-la mudar de ideia".

Na parte seguinte da entrevista, o terapeuta procura isolar o factor desencadeante de sua depressão actual e da ideação suicida, a saber, a ruptura com o namorado. Torna-se claro, à medida que o terapeuta busca explorar o significado do rompimento, que ele é, para a paciente: "Não tenho nada" (P23). O terapeuta selecciona então "Não tenho nada" como alvo, procurando eliciar na paciente informações contraditórias a essa conclusão. Esquadrinha períodos anteriores em que ela não mostrasse acreditar que "Não tenho nada" e em que tampouco estivesse tendo algum relacionamento com um homem. Prossegue então (T26) investigando outras metas e objectos que sejam importantes para ela; busca fontes concretas de satisfação (T24-T33). A tentativa do terapeuta de estabelecer que a paciente efectivamente "tem alguma coisa" é barrada pela tendência dela a desconsiderar quaisquer traços positivos em sua vida (P32)

Finalmente, a paciente de fato une forças como terapeuta, tornando-se aparente, na última parte da entrevista, que está disposta a distanciar-se de seus problemas e considerar maneira de solucioná-los. O terapeuta procede então a um exame das pressuposições básicas subjacentes ao desamparo da paciente, a saber, "Não consigo ser feliz sem um homem". Ao apontar experiências passadas não confirmadoras, ele busca demonstrar o erro dessa pressuposição. Tenta ainda explicar

o valor de substituí-la pela suposição "Posso fazer-me feliz" - Assinala que é mais realista para ela encarar-se como o agente uivo à procura de fontes de satisfação, que como receptáculo inerte, dependente dos caprichos de outrem para sobreviver.

A entrevista gravada, que foi cortada de 60 para 35 minutos por motivos de ordem prática, é aqui apresentada literalmente. (As únicas modificações efectuadas visaram proteger a identidade da paciente.) A entrevista está dividida em cinco partes. PARTE 1: FORMULANDO PERGUNTAS PARA EXTRAIR INFORMAÇÕES VITAIS

1. Quão deprimida está a paciente? Quão suicida?

2. Atitude acerca de comparecer à consulta (expectativas sobre a terapia). 3. Emergência de desejos suicidas: problema crítico imediato.

4. Tentativa de encontrar um ponto para a intervenção terapêutica - abandono: atitude negativa quanto ao futuro (P7).

5. Aceitação da seriedade do desejo de morte da paciente, tratando-o, contudo, como tópico para exame mais detalhado - "Discutir vantagens e desvantagens" (T11).

6. Teste da capacidade de olhar para si mesma - objectividade; testar fixidez de suas ideias irracionais; testar se é responsiva ao terapeuta (T13-T20),

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 198-200)