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TÉCNICAS DE MESTRIA E PRAZER

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 114-117)

Alguns pacientes deprimidos empenham-se em actividades, mas extraem delas pouco prazer. Esse malogro em obter gratificação frequentemente resulta de (a) uma tentativa de empenhar-se em actividades que não eram agradáveis mesmo antes do episódio depressivo, ou (b) do predomínio de cognições negativistas que eliminam qualquer sentimento potencial de prazer, ou (c) da desatenção selectiva face às sensações de prazer.

No primeiro caso, os pacientes se voltam para actividades genericamente tediosas, tais como o trabalho doméstico, daí resultando não encontrarem gratificação quando a tarefa é concluída com sucesso. O paciente pode impedir-se de participar em actividades agradáveis ou não recordar, de pronto, actividades que tinham sido agradáveis no passado. O primeiro objectivo do terapeuta é levantar as razões do paciente para não se dedicar a actividades prazerosas. Uma razão do tipo "Não mereço divertir-me por que não realizei nada" é comum ente ouvida dos deprimidos. Para neutralizar essa maneira de pensar, o terapeuta poderia descrever um dos propósitos de aumentar as actividades agradáveis, qual seja, melhorar o ânimo do paciente, ainda que temporariamente.

As actividades com probabilidade de serem agradáveis podem ser avaliadas através da "Reinforcement Survey Schedule" (Cautela e Kastenbaum, 1967) ou da "Pleasant Events Schedule" (MacPhillamy e Lewinsohn, 1971). O terapeuta pode prescrever como tarefa o empreendimento de uma actividade agradável específica por um número determinado de minutos todos os dias, solicitando ao paciente que anote as mudanças de ânimo ou uma diminuição dos pensamentos depressivos associados àquela actividade. Quando o paciente se volta para várias tarefas, é útil pedir-lhe que anote o grau de Mestria (M) e Prazer (P) associados à actividade recomendada (ver secção sobre O Planejamento de Actividades). O termo Mestria se refere a um sentimento de realização durante o desempenho de uma tarefa específica. Prazer diz respeito aos sentimentos agradáveis associados à actividade. A Mestria e o Prazer podem receber graus numa escala de S pontos em que o represente nenhuma mestria (ou prazer) e o 5 represente mestria (prazer) máxima. Ao utilizar uma escala de graus. o paciente é induzido a admitir sucessivos parciais e pequenos graus de prazer. Essa técnica tende

a contradizer seu raciocínio tudo-ou-nada.

É geralmente valioso explicar ao paciente os conceitos de Mestria e Prazer. A "Mestria" pode não estar directamente relacionada à finalização ou à magnitude do trabalho. Os pacientes tendem a comparar quão bem completam a tarefa com seu nível de realizações pré-depressão. Podem dizer. "Que há de tão importante em telefonar para um amigo?", ou "E daí, se eu fizer algum trabalho caseiro? Eu deveria ser capaz

de fazer isso. É o que se espera de mim". O terapeuta esclarece ao paciente que os julgamentos sobre seu desempenho actual (grau de mestria) estão logicamente baseados na dificuldade da tarefa em seu estado actual, e não em seu estado ideal: em vista de sua depressão, ele está "carregando nos ombros um fardo de 200kg" ou "arrastando uma âncora pesada"; nesse contexto, atingir mesmo um objectivo mínimo pode ser considerado um grande feito.

O Prazer se refere a sentimentos de deleite, alegria ou divertimento derivados de uma actividade. Em alguns casos, mesmo uma satisfação ligeira que o paciente atribua a seus próprios actos pode contribuir para revigorar seu moral e produzir um sentimento de optimismo.

Assim, a Mestria e o Prazer podem ser totalmente independentes. O paciente deve ser encorajado a encarar qualquer Mestria como um passo adiante, ainda que possa não experimentar nenhum Prazer. O fracasso em atribuir escores de Mestria ou Prazer após ter-se dedicado com sucesso a uma actividade recomendada provavelmente se relaciona com uma interpretação negativa do acontecimento. Por exemplo, um paciente disse que ler o jornal tinha sido agradável no passado e, no entanto, não obtinha com isso qualquer satisfação quando estava deprimido. Uma indagação sobre a perda do prazer trouxe respostas como "Pensei em como perdi meu emprego", ou "O mundo parece estar ruindo em pedaços, a julgar pelas reportagens do jornal". De maneira semelhante, ele não experimenta qualquer sensação de mestria ao lavar o carro. Disse: "Não consegui fazer a banda branca dos pneus ficar limpa", ou "Não tive forças suficientes para limpar o estofamento". Ao focalizar o que não havia realizado, o paciente perdeu de vista o que havia realizado. Cabe ao terapeuta assinalar como esse raciocínio tudo-ou-nada impede o paciente de ter uma perspectiva clara de sua capacidade e realizações actuais.

Assim sendo, a programação de actividades e sua classificação em termos de mestria e prazer fornecem dados com os quais é possível identificar e corrigir as

distorções cognitivas. Ademais, as actividades que já não se constituem em fontes de prazer podem ser isoladas e, após experiências adicionais, substituídas. O exemplo clínico que se segue demonstra como uma tabela de actividades é empregada para identificar e corrigir pensamentos negativos. As prescrições frequentemente elidam padrões absolutistas ou perfeccionistas. Dessa forma, prescrições adicionais são delineadas para investigar e "trabalhar" esses problemas de pensamento.

Enquanto se achava gravemente deprimido, um executivo de 38 anos devolveu sua Programação de Actividades com os seguintes graus de: Mestria e Prazer, atribuídos numa escala de 0 a 5:

Sábado

8-9h / Levantei, vesti-me, tomei o café da manhã / M: 1 / P: 1 9-12h / Forrei a cozinha com papel de parede / M: 0 / P: 0 12-13h / Almocei / M: 0 / P: 0

13-15h / Assisti à TV / M: 0 / P: 0

O relatório indica que, embora o café da manhã tenha trazido alguma satisfação e que o simples levantar-se tenha sido classificado como uma realização, o restante do dia não trouxe qualquer sentimento de prazer ou mestria. Contudo, o paciente efectivamente forrara a cozinha com papel de parede enquanto se achava muito deprimido. Como teria desmerecido essa aparente realização?

TERAPEUTA: Por que você não classificou forrar a cozinha com papel de parede como uma realização?

PACIENTE: Porque as flores não ficaram alinhadas. T: Você efectivamente terminou o trabalho?

P: Sim.

T: Sua cozinha?

P: Não, Ajudei um vizinho a forrar a cozinha dele.

T: Ele fez a maior parte do trabalho? (Observe-se que o terapeuta indaga acerca de outras razões que justifiquem um sentimento de fracasso, que poderiam não ser fornecidas espontaneamente.)

P: Não. Eu realmente fiz quase tudo. Ele nunca havia forrado parede antes. T: Alguma outra coisa saiu errada? Você espalhou cola por todo lado?

P: Não, não, o único problema foi as flores não ficarem alinhadas. T: Então, já que não ficou perfeito, você não teve nenhum mérito.

[Observe-se que a crença irracional - "Se não fizer tudo à perfeição, sou inútil, inadequado e um fracasso" - está implícita nesse raciocínio. Entretanto, a correcção dessa suposição será deixada pala uma etapa posterior da terapia, quando o paciente estimer menos deprimido. Por ora, a correção da distorção cognitiva é o objetivo do terapeuta.

T: Exactamente quão desalinhadas ficaram as flores?

P: (mostra com os dedos uma distância de aproximadamente 1/3 de centímetros): Mais ou menos assim.

T: Em cada tira de papel?

P: Não… em um ou dois pedaços.

T: De um total de quantos? P: Cerca de 20 a 25.

T: Alguém mais notou?

P: Não. Na verdade, meu vizinho achou que estava óptimo. T: Sua mulher viu a cozinha?

P: Viu, ela elogiou o trabalho.

T: Era possível ver o defeito se você ficasse um pouco mais longe e olhasse para a parede inteira?

P: Bem… realmente, não.

T: Portanto, você atentou sensitivamente para uma falha real, mas extremamente pequena, em seu esforço de forrar uma parede. Parece lógico que um defeito tão pequeno elimine inteiramente o mérito que por direito lhe cabe?

P: Bem, não ficou tão bom quanto deveria ter ficado.

T: Se seu vizinho tivesse feito um trabalho da mesma qualidade em sua cozinha, o que você diria?

P: … um trabalho muito bom!

O terapeuta reviu, inicialmente, as actividades referidas e procurou identificar aparente discrepâncias entre o que foi realizado entre o que foi realizado (as actividades) e o que foi (sentimentos de mestria e prazer). A seguir, através de um inquérito cuidadoso, buscou as razões da discrepância. Em seguida, extraiu dados para a cognição "As flores não ficaram alinhadas". Os dados foram objectivamente examinados (1) confrontando a avaliação do paciente com outras informações (o paciente fez a maior parte do trabalho, os outros não notaram as falhas etc.) e (2) pedindo ao paciente que examinasse os dados de um ponto de vista objectivo ("O que você diria se outra pessoa forrasse sua cozinha daquela maneira?"). Assim, o paciente começou a perceber sua atenção selectiva para falhas mínimas e a reavaliar os dados reais da situação.

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 114-117)