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SENTIMENTOS DE CULPA

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 157-162)

Dado que o sentimento de "mau proceder" se baseia em padrões altamente idiossincráticos e arbitrários, cabe ao terapeuta resistir à tentação de tirar conclusões precipitadas acerca da origem dos sentimentos de culpa de um paciente. Uma paciente declarou, por exemplo, haver-se sentido culpada sobre sexo. O exame mais detalhado revelou que ela não se sentia culpada por suas numerosas aventuras extraconjugais, mas sim por masturbar-se. Quando os pacientes não admitem sentimentos de culpa por um "comportamento anti-social", o terapeuta não deve presumir que o paciente esteja simplesmente reprimindo sentimentos de culpa.

Alguns pacientes podem sentir-se culpados por seus sentimentos ou desejos, mais do que por acções especiais. Uma paciente não experimentava quaisquer sentimentos de

culpa por manter um relacionamento amoroso com um homem casado, mas sentia-se

extremamente culpada por desejar a morte da esposa doente de seu parceiro. O terapeuta assinalou que os pensamentos não são acções e que, visto que a paciente não era onipotente, seus desejos não poderiam influenciar a realidade. Explicou-lhe também que seu desejo, embora contrário ao sistema de valores dela, era compreensível em função de sua vontade de casar-se com o amante.

O sentimento de culpa do paciente relaciona-se, com frequência, a seu mecanismo de assumir uma parcela irreal da responsabilidade pelo comportamento de terceiros. Simplesmente perguntando ao paciente por que ele é culpado, o terapeuta muitas vezes o leva a examinar a natureza de seu senso exacerbado de responsabilidade. O terapeuta pode desejar fornecer alguma informação adicional que possa auxiliar a modificar a interpretação geradora de culpa que o paciente faz das situações. Essa abordagem foi empregada com sucesso no caso de uma paciente que se sentia culpada pelo suicídio da filha.

TERAPEUTA: Por que você é responsável pelo suicídio de sua filha? PACIENTE: Eu devia ter sabido que ela iria matar-se.

T: As pessoas têm estudado o suicídio por muitos anos e ninguém consegue prever exactamente onde ou quando um indivíduo irá se matar.

T: Acreditar que você deveria o desconhecido contraria as leis da natureza. Tudo que sabemos é que sua filha cometeu um erro ao decidir suicidar-se e que você está cometendo um erro ao responsabilizar-se por isso.

Temos observado que as mães (mais do que os pais) são propensas a assumir um grau irrealista ou elevado de responsabilidade pelas presumíveis deficiências, decepções ou "derrotas" de seus filhos. Os homens, ao contrário, tendem a responsabilizar-se por reveses em suas vocações. A "mãe culpada" frequentemente procura tratamento na idade madura. Nesse estágio, muitas vezes se sente culpada por seu desejo de emancipar-se de seus filhos, que já são adultos. De modo geral, tende a preservar o mesmo sentimento de obrigação e responsabilidade que experimentava quando eles eram crianças.

Algumas pacientes crêem que o sentimento de culpa impede as pessoas de se empenharem em comportamentos autoderrotistas ou anti-sociais. Deixam de perceber que existem consequências positivas naturais da acção em proveito próprio (que incluem o comportamento pró-social) e consequências negativas naturais quando se age de outra forma. Os sentimentos de culpa frequentemente acrescentam um peso desnecessário, que pode agravar o comportamento autoderrotista. O alcoólatra que bebe, sente-se culpado e bebe mais para enfrentar os sentimentos de culpa é um exemplo clássico. Se o paciente está empenhado em algum comportamento autoderrotista, como o fumo, a bebida ou a protelação, sua atenção deve ser

direccionada para o controle desse comportamento e de sua autocensura pelo fracasso em atingir esse objectivo.

VERGONHA

Muitos pacientes experimentam vergonha por algum aspecto "socialmente indesejável" de sua personalidade ou conduta. Diversamente dos sentimentos de culpa, geralmente relacionados a uma suposta infracção do código moral ou ético do paciente, a vergonha se origina de sua crença de estar sendo julgado como infantil, fraco, tolo ou inferior por terceiros. Assim, as acções que espera evocarem a ridicularização por outrem dão início à sequência: "Pareço um tolo"  "É horrível ser assim" vergonha.  Dado que os pacientes não admitem prontamente sentir-se envergonhados, o terapeuta precisa muitas vezes indagar sobre esse sentimento. Pode explicar que a vergonha, em certo sentido, é autogerada. Para ilustrar como o paciente induz sentimentos de vergonha em si mesmo, pode indagar: (a) Existem coisas das quais você sentia vergonha no passado e já não sente? (b) Existem coisas das quais você se envergonha e os outros, não? Os outros se envergonham de coisas das quais você não se envergonha?

Pode-se dizer ao paciente que, se ele adoptar uma filosofia "antevergonha", muito de sua dor e mal-estar poderá ser evitado. Quando, por exemplo, o paciente

comete um erro que acredita ser vergonhoso, pode transformar essa experiência num exercício antivergonha admitindo-a abertamente, ao invés de ocultá-la. Se seguir essa "política aberta" por tempo suficiente, sua propensão a experimentar uma vergonha contraproducente diminuirá. Ademais, tomar-se-á menos inibido e mais espontâneo e flexível em sua gama de reacções.

Uma forma pela qual o terapeuta pode auxiliar o paciente a superar sentimentos de vergonha por estar deprimido é ilustrada no recorte de sessão apresentado a seguir:

PACIENTE: Se as pessoas no trabalho descobrissem que estou deprimido, pensariam mal de mim.

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TERAPEUTA: Mais de 10% da população fica deprimida em alguma época. Em quê isso é vergonhoso?

P: Os outros acham que as pessoas que ficam deprimidas são inferiores…

T: Você está confundido um estado psicológico com um problema social. Existe uma tendência a culpar a vítima. Mesmo que eles pensassem mal de você – fosse por ignorância ou por uma forma adolescente de avaliar as pessoas -, você não tem que aceitar a avaliação deles. Só se sentirá envergonhado se aplicar o sistema de valores deles a você mesmo, ou seja, se realmente acreditar que isso é vergonhoso.

Outros procedimentos padronizados, tais como fazer com que os pacientes relacionem as vantagens e desvantagens de expressar sua vergonha, podem ser empregados para lidar com essa resposta emocional.

RAIVA

Sentimentos excessivos de raiva não constituem um problema típico do paciente deprimido. Alguns, de facto, experimentam mais raiva à medida que começam a sentir-se melhor. Esse período de raiva excessiva é geralmente de curta duração e habitualmente indica uma melhora no paciente. Entretanto, há pacientes cuja raiva é um sintoma prematuro, persistente e aborrecido, Nesses casos, muitos dos procedimentos - tais como a distracção e o aumento da tolerância - usados para lidar com outras emoções negativas, podem ser empregados na raiva. Os pacientes podem utilizar métodos de relaxamento como técnicas activas de enfrentamento quando começam a sentir raiva. Goldfried e Davison (1976) fornecem uma descrição excelente dos procedimentos de relaxamento.

Ensina-se ao paciente direccionar-se para uma tarefa quando sua raiva começa a evoluir. Como foi assinalado por Novaco (1975), a pessoa com raiva fica geralmente inundada por sentimentos descabidos, girando em torno da intolerância pelos outros e da necessidade de retaliação. O paciente é encorajado a utilizar consigo mesmo uma conversa que possa "esfriá-lo", ao invés de uma que o "esquente". Ensina-se muitas vezes aos pacientes aumentar sua capacidade de experimentar empatia pelo outro. Ao

vivenciar a empatia, o paciente pode mudar para um conjunto cognitivo de aceitação, incompatível com a raiva.

Uma estudante universitária, por exemplo, enfurecera-se com a reprovação de seu estilo de vida pouco convencional por parte do pai. Ao desempenhar o papel do pai (num exercício com o terapeuta), deu-se conta de que ele a percebia cometendo "um erro terrível", passível de arruinar-lhe a vida. Percebeu então que o comportamento do pai espelhava sua preocupação e interesse por ela, e sentiu empatia por ele.

ANSIEDADE

Os pacientes frequentemente relatam a ansiedade como um problema que acompanha sua depressão, ou que aparece à medida que a depressão diminui. Alguns se mostram excessivamente perturbados pelos sintomas da ansiedade, por não identificarem correctamente essa e moção. O terapeuta pode levar-lhes alívio simplesmente identificando esses sintomas como ansiedade e assegurando-lhes que, embora desconfortáveis, esses sentimentos não são perigosos. Esse procedimento contribui para tornar menos catastrófica a experiência da ansiedade e para impedir que o paciente se sinta ansioso a respeito da ansiedade.

O primeiro passo no tratamento da ansiedade consiste em encorajar o paciente a monitorar esse sintoma. Além de registrar situações variáveis, tais como a hora, lugar e acontecimentos desencadeantes, solicita-se ao paciente que meça o grau de sua ansiedade durante um período de tempo. Esse procedimento é executado instruindo-se o paciente a desenhar, num gráfico, o volume de ansiedade em "unidades subjectivas de desconforto", colocadas de um lado numa escala de 0 a 100, indicando-se no outro eixo o "tempo", geralmente em intervalos de meia hora. Esse gráfico proporcionará ao terapeuta informações cruciais e mostrará ao paciente que a ansiedade está geralmente relacionada a situações externas e é limitada no tempo. Em muitas ocasiões, em meio a uma crise de ansiedade, o paciente acredita que ela jamais desaparecerá.

É possível ensinar aos pacientes uma multiplicidade de procedimentos de autogestão para controlar sua ansiedade. O melhor antídoto é, em geral, algum tipo de actividade física. Acções físicas repetitivas, tais como bater bola, pular corda ou correr, mostram-se amiúde úteis. Alguns pacientes conseguem alívio através de actividades físicas, como limpar a casa ou trabalhar no quintal.

A distracção é um modo eficaz de baixar os níveis de ansiedade. Dois membros de nossa equipe, apanhados num engarrafamento de tráfego, conseguiram reduzir sua ansiedade face à possibilidade de perder um trem elaborando uma fórmula complexa para prever quantos carros à sua frente atravessariam o sinal antes que ele ficasse vermelho. Pode-se pedir aos pacientes que comprem um quebra-cabeças de bolso ou que concentrem a atenção nos anúncios do trem do metro para distrair-se quando se tornam ansiosos. Os pacientes que ficam totalmente absortos em sua ansiedade podem

ter que recorrer a formas de distracção de maior impacto. Alguns têm-se utilizado de sinetas, que são tocadas como uma forma de distracção da ansiedade.

Muitos dos métodos utilizados para modificar os pensamentos depressivos são eficazes no tratamento da ansiedade. No procedimento padrão, o paciente avalia o grau de ansiedade acerca de uma situação antevistal, tal como visitar um freguês potencial. A seguir, após serem discutidas maneiras mais realistas de encarar a situação, o paciente reavalia sua ansiedade antecipatória. Posteriormente, avalia a ansiedade que experimentou na situação real. É comum os pacientes deixarem de se aperceber de que uma pessoa pode agir adequadamente mesmo quando está ansiosa. Alguns estudos têm demonstrado que mesmo os níveis elevados de ansiedade não bloqueiam necessariamente um indivíduo, impedindo-o de desempenhar-se bem em situações geradoras de ansiedade.

Os pacientes frequentemente desprezam os "factores de salvamento" nas situações ameaçadoras. O paciente que teme enguiços no automóvel em estradas solitárias geralmente não leva em conta os telefones de emergência e os caminhões- reboque. De modo semelhante, a pessoa que sofre de ansiedade social desconsidera a empatia que os outros podem experimentar pelo indivíduo ansioso. Além disso, o paciente ansioso geralmente deixa de reconhecer que há uma gama de consequências neutras, ou mesmo positivas, na maioria das situações; o facto de que um vendedor não efectua uma venda não significa que o freguês irá decepar sua cabeça.

Em geral, o terapeuta tem que indagar acerca da imaginação visual do paciente ansioso, visto que este raramente presta informações voluntárias sobre suas fantasias. Comummente observamos que os pacientes ansiosos exibem imagens vívidas de "catástrofes" (Beck, 1976). O paciente pode empregar uma diversidade de métodos para controlar essas imagens, modificando seu conteúdo visual. Uma paciente, temerosa de seu chefe, tinha dele a imagem visual de um monstro. Conseguiu substituir essa imagem visual por outra, em que o via como um cordeiro.

Da mesma forma que em relação a outros estados afectivos negativos, o terapeuta precisa descobrir especificamente o que assusta o paciente numa dada situação. Categorizações do tipo "fobia de aviões" ou "fobia da escola" são demasiado genéricas e difusas para servir aos objectivos terapêuticos. Em muitos casos, auxiliar o paciente a construir cenários específicos de situações assustadoras contribui para revelar o temor fundamental. Um comerciante, por exemplo, tinha medo de ir a Nova Iorque numa viagem de compras. O exame mais detalhado revelou que ele temia ter que dizer "não" aos vendedores, uma vez que esse problema foi apontado, o terapeuta pôde empregar uma técnica de desempenho de papéis para dessensibilizar o paciente de seu medo.

Alguns pacientes têm que aprender a aumentar sua tolerância a um certo grau de ansiedade. Se evitarem as situações geradoras de ansiedade, estarão perdendo uma oportunidade de testar seus pensamentos pouco realistas. A eles se diz que, ao mergulharem na experiência ou simplesmente "ficarem com ela", essas experiências frequentemente se tornarão dessensibilizadas. Muitas vezes, os pacientes evitam o que

percebem como situações perigosas e, dessa forma, não chegam a uma conclusão nesse domínio.

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 157-162)