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IDENTIFICAÇÃO E EXPRESSÃO DE EMOÇÕES

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 41-43)

Já assinalamos a importância de se atribuir um papel adequado às emoções no modelo cognitivo da personalidade e da psicoterapia (Capítulo 1). Frisamos anteriormente a importância de se designar a abordagem cognitiva como "humanista", em oposição a terapia "mecanicista". É fundamental, portanto, que o terapeuta inexperiente tenha consciência e consideração permanentes das vicissitudes das reacções emocionais do paciente – assim como de suas próprias. Além disso, a identificação precoce de reacções emocionais inadequadas ou excessivas no paciente é obviamente fundamental como um sinal de disfunção cognitiva.

Alguns pacientes (particularmente os homens) podem rejeitar inicialmente a ideia de se estarem sentindo tristes; entretanto, geralmente tornam-se conscientes e admitem seus sentimentos após o esclarecimento de outros sintomas depressivos, Constatamos, por exemplo, que alguns pacientes que endossam a afirmativa "Não estou triste ou infeliz", no primeiro conjunto de alternativas do Inventário Beck da Depressão, modificam sua resposta para "Estou muito triste" após completarem o restante do questionário,

Ocasionalmente, um paciente pode apresentar uma variedade de sintomas associados à depressão (por exemplo, perda de energia, perturbações do sono, perda de apetite, atitudes negativistas), mas, ao invés de sentimentos de tristeza, pode queixar-se da perda ou da diminuição de sentimentos positivos; por exemplo, perda de afeição pelo cônjuge, filhos ou amigos; falta de gosto por novas actividades; redução da gratificação obtida em actividades ordinariamente satisfatórias. Esse paciente pode vivenciar a apatia, sem estar consciente da tristeza.

Ao determinar as reacções emocionais do paciente, o terapeuta deve ter o cuidado de não cair na armadilha semântica de aceitar como uma emoção qualquer frase que se siga à expressão "sinto". É comum às pessoas fazerem preceder um amplo conjunto variado de opiniões, crenças, especulações e outras atribuições, de palavras do tipo "sinto". Quando uma pessoa falo afirmativas do tipo "Sinto-me sem valor" ou "Sinto que tenho que ter sucesso para ser feliz", está verbalizando uma ideia que pode estar associada a um sentimento. Ou pode estar expressando um conceito de modo provisório - como se dissesse "Eu me apercebo de que esta pode não ser uma ideia defensável. Portanto, direi 'eu sinto' ao invés de 'eu acredito'.

Um terapeuta da escola experimental pode agarrar-se às palavras introdutórias ("eu sinto") e iludir-se na crença de que chegará mais perto dos "verdadeiros" sentimentos do paciente, se reflectir de volta, "Então você sente...". É desejável que o terapeuta cognitivo faça um bom começo, a partir de traduções adequadas do "Eu sinto..." para "Você acredita…".

Após chegar a um consenso com o paciente sobre a distinção semântica entre sentimentos (tristeza, alegria, raiva, ansiedade) e pensamentos ou opiniões, o terapeuta deve procurar avaliar a capacidade do paciente de reconhecer e rotular seus

sentimentos. Em geral, os pacientes deprimidos não têm muita dificuldade em identificar seus sentimentos e em ligar o surgimento ou intensificação de sentimentos

desagradáveis a situações específicas. Ocasionalmente, entretanto, parecem separar seus sentimentos do restante de seu comportamento. Uma paciente, por exemplo, sentia um nó na garganta após ter uma experiência de desapontamento. Inferia então - e de facto vivenciava - um sentimento do tristeza, Outra paciente começava a chorar antes de reconhecer qualquer sentimento desagradável. Então dizia, "Estou chorando, portanto acho que estou triste", Com a investigação adicional, descobriu ter experimentado uma ponta de tristeza antes de começar a chorar - o que indica que não estava simplesmente inferindo a presença da tristeza a partir do facto de estar chorando.

Durante o levantamento cuidadoso da história do paciente, ele pode expandir sua esfera de consciência para abranger os sentimentos desagradáveis. Uma dona de casa de 35 anos, por exemplo, queixava-se de cansar-se facilmente, de astenia e de uma fraqueza física generalizada, que perdurava há um ano, mas parecia satisfeita e negava experimentar quaisquer sentimentos de tristeza ou infelicidade. Disse ao psiquiatra: "Simplesmente não compreendo porque me sinto tão cansada o tempo todo, Tenho um marido dedicado e dois filhos óptimos. Não tenho nenhum problema em meu casamento... na realidade, tenho tudo que uma pessoa poderia desejar". O terapeuta pediu-lhe então que falasse mais concretamente sobre suas relações com seu marido, A medida que ela começou a descrever interacções específicas com o marido, começou a soluçar - para sua própria surpresa e para surpresa do terapeuta. Mostrou- se perplexa na tentativa de conciliar seu sentimento de tristeza com sua vido rósea do casamento.

À medida que foi descrevendo alguns dos padrões comportamentais típicos de seu marido, começou a chorar incontrolavelmente. Depois que se recompôs, disse, "Sabe... acho que essas coisas me aborrecem mais do que eu tinha percebido". Afirmou que agora estava se sentindo muito triste. Conforme começou a dar-se conta de seus problemas com o marido, sua tristeza aumentou. A partir daí, sua tristeza funcionou como um excelente barómetro da gravidade de suas dificuldades conjugais. Uma vez que aprendeu a centrar a atenção em seus sentimentos, tornou-se capaz de associar suas vivências de tristeza a cognições específicas, tais como "Ele não tem consideração", "Ele sempre faz as coisas a seu modo", "Ele não se importa com o que eu quero". "Ele age como se eu fosse uma criança idiota".

No curso de um rápido aconselhamento, ela verificou que podia modificar a qualidade absolutista de suas avaliações sobre o marido, e experimentou um alívio da tristeza e de outros sintomas da depressão. Antes da terapia, tendera a rotular seu marido como "perfeitamente bom" ou "perfeitamente mau", descartando rapidamente (e esquecendo) os rótulos "maus". Depois de pôr em prática algumas sugestões no sentido de informar seu marido mais explicitamente acerca de seus desejos, descobriu que ele era surpreendentemente receptivo. Quase simultaneamente, voltou a ser tão feliz, enérgica e vivaz quanto tinha sido antes da instalação da depressão. Curiosamente, nos 15 anos que se seguiram àquelas consultas, ela tem-se mostrado livre de sintomas depressivos.

Os problemas centrais dessa paciente giravam em torno (a) de sua tendência a interpretar suas experiências em termos extremos, e (b) de sua rejeição a qualquer ideia ou sentimento dissonante com sua visão altamente romanceada de seu mundo. Assim, antes do casamento havia concebido seu marido como um ser perfeito e havia idealizado a relação entre eles. Na realidade, embora atraente e cativante, seu marido era egocêntrico e dominador. Para preservar seu sonho de uma relação harmoniosa, ela automaticamente subordinava seus próprios desejos aos dele. Periodicamente, entretanto, experimentava pensamentos extremamente negativos sobre ele, tais como "Ele é cruel e insensível", e sentia-se triste e aborrecida. Embora descartasse rapidamente os pensamentos, os sentimentos desagradáveis persistiam. Lutava então para suprimir tais sentimentos disfóricos, uma vez que estavam em desacordo com sua visão de si mesma como pessoa despreocupada. Sua perda de energia e sua tendência à fadiga provinham, em grande parte, de seu esforço para negar a existência de circunstâncias desagradáveis. Além disso, a grande discrepância entre suas expectativas idealizadas e suas satisfações reais a deixavam com um sentimento de desapontamento crónico, o qual, por seu turno, minava seus próprios sentimentos de vitalidade e restringia sua espontaneidade. Depois que a paciente pode reconhecer e confrontar sua tristeza e suas irritações, foi encorajada a encarar seu marido mais realisticamente - nem príncipe encantado nem feitor de escravos. O passo final foi a reestruturação de seu relacionamento com o marido. O terapeuta a ajudou a atingir esse resultado através de uma variedade de tipos de treinamento positivo, incluindo a representação de papéis. (Capítulo 7).

Este caso ilustra a importância de se fazer um inventário habilidoso para trazer à tona os sentimentos do paciente, antes de explorar os pensamentos disfuncionais e as crenças erróneas. Serve também para sublinhar a necessidade de esmiuçar os detalhes específicos da situação de vida actual do paciente e de não aceitar sem questionamento suas afirmativas de carácter global - sejam elas positivas ou negativas. Em contraste com essa mulher, entretanto, a maioria dos pacientes deprimidos tem uma tendência a fazer apenas generalizações negativas exageradas, que normalmente caem por terra quando o terapeuta explora os detalhes específicos.

Como observação final no contexto da importância de encorajar o paciente a exprimir seus sentimentos, verificamos, ocasionalmente, que o paciente se surpreende ao constatar que o terapeuta aceita e, a rigor mostra empatia por seus sentimentos de tristeza ou infelicidade. Um policial, por exemplo, ao receber uma resposta calorosa a suas manifestações de desespero, chorou por cerca de 5 minutos e disse: "Esta é a primeira vez que choro desde que era criança". Experimentou um alívio imediato e começou a sair rapidamente de uma depressão de longa data.

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 41-43)