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EXPLICANDO A LÓGICA AO PACIENTE

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 128-132)

Em primeiro lugar, o terapeuta revê a tentativa do paciente de definir e solucionar seus problemas psicológicos. Para alterar a ideação disfuncional ou distorcida associada às áreas problemáticas, o terapeuta explica resumidamente o modelo cognitivo da depressão. Essas explicações incluem a íntima relação entre a maneira como uma pessoa pensa a seu respeito, seu ambiente e seu futuro (a tríade cognitiva) e seus sentimentos, motivações e comportamentos, O terapeuta delineia o efeito negativo que pode ter a relação autodepreciadora nos sentimentos e comportamentos do paciente. Entretanto, dizer-lhe que ele "pensa irracionalmente" pode ser prejudicial. Os pacientes deprimidos acreditam fervorosamente estarem vendo as coisas "como realmente são". Pelo contrário, o terapeuta fornece ao paciente comprovações de que seu modo de pensar contribui para sua depressão e de que suas observações e conclusões podem ser "inexactas" (ao invés de "irracionais"). O terapeuta pode assinalar, por exemplo, que, quando são possíveis muitas interpretações de um facto, o paciente persistentemente selecciona a mais negativa. Os métodos específicos para fornecer provas dessas tendências serão descritos mais adiante neste capítulo,

A ideia principal que o terapeuta tem a comunicar é que eles (paciente e terapeuta) irão trabalhar como colaboradores científicos, que "investigarão" o conteúdo dos pensamentos do paciente. Em seu trabalho conjunto, a definição das informações cruciais a serem obtidas e investigadas pelos colaboradores é fundamental. A informação central necessária à terapia cognitiva é a compreensão (ou má compreensão) do paciente, assim como sua interpretação dos fatos de sua vida.

A investigação do pensamento do paciente se baseia em duas premissas. Primeiramente, os pacientes deprimidos pensam de maneira idiossincrática (ou seja, têm uma tendenciosidade negativa sistemática em sua forma de encarar a si mesmos, seu mundo e seu futuro). Em segundo lugar, a maneira pela qual o paciente interpreta os acontecimentos mantém sua depressão.

Como se afirmou anteriormente. a estratégia típica adoptada pelo terapeuta cognitivo é a eliciação das ideias do paciente acerca da natureza de seus problemas, ao invés do fornecimento de interpretações ou explicações. O terapeuta procura compreender o que o paciente considera serem os fatos mais essenciais que o mantém deprimido.

O conhecimento das expectativas do paciente em relação ao tratamento (por exemplo, o que irá acontecer, quais seriam os objectivos razoáveis, qual será o resultado) é essencial ao tratamento. Para ilustrar esse ponto, um de nós (B.F.S.) teve uma paciente que indicou ter estado em tratamento anteriormente e disse que sua depressão era causada por anormalidades bioquímicas. Antes de seu encaminhamento, ela havia feito tentativas com três produtos antidepressivos diferentes, sem efeito clínico significativo. No caso em questão, a paciente se mostrava convencida de que sua depressão era intratável por qualquer método. Consequentemente, pediu informações específicas sobre terapia "da fala" (entrevistas), em quê divergia da quimioterapia, qual sua base teórica e quais as suas implicações e a probabilidade de melhora.

De modo semelhante, um paciente que esteja convencido de estar deprimido, simplesmente em vista de suas experiências infantis, e que acredite ser necessário relembrar, "reviver" e analisar fatos significativos da infância precisa ser orientado quanto à lógica da terapia cognitiva. De outra forma, poderá concluir que a terapia cognitiva, com seu foco no aqui e agora, e simplesmente uma abordagem "de primeiros socorros". Num caso como esse, pode ser útil ao terapeuta discutir o facto de que é possível modificar um padrão de pensamento ou comportamento sem identificar a causa e a evolução do aprendizado anterior.

Uma analogia poderia ter algum valor para ilustrar esse ponto: por exemplo, se uma pessoa tiver aprendido a utilizar uma fala curta, impregnada de gírias e gramaticalmente incorrecta, não seria necessário rever suas experiências passadas com a gramática. Em vez disso, ela necessitaria de treinamento específico, incluindo a correcção de seus erros e uma especificação de formulações aceitáveis. Por vezes, no

entanto, pode ser útil revisar experiências anteriores de aprendizado para demonstrar ao paciente que ele está interpretando os fatos da vida inapropriadamente.

Um método para avaliar as percepções do paciente acerca da terapia, ao mesmo tempo em que lhe é fornecido um modelo conceitual da terapia cognitiva, consiste em pedir-lhe que leia uma introdução a essa abordagem, tal como Coping with depression ou Cognitive therapy and the emotional disorders. O terapeuta pode orientar seu paciente no sentido de assinalar as áreas que considera relevantes em seu caso. Em particular, cabe ao terapeuta permanecer vigilante para determinar se o paciente compreende os conceitos de pensamento distorcido na depressão e a relação entre o pensamento e os demais sintomas da depressão,

Um exemplo de exploração do significado dos factos é fornecido pelo seguinte diálogo com um estudante de pós-graduação de 26 anos, com uma história de depressão reincidente há quatro meses:

PACIENTE: Concordo com as descrições a meu respeito, mas acho que não concordo em que minha maneira de pensar me torne deprimido.

TERAPEUTA: Como você entende isso?

P: Fico deprimido quando as coisas saem erradas. Como quando não passo num exame.

T: De que maneira não passar um exame pode torná-lo deprimido? P: Bem, se eu não passar, jamais estarei na pós-graduação de Direito.

T: Portanto, fracassar no exame significa muito para você. Mas se não passar num exame pudesse levar as pessoas à depressão clínica, você não esperaria que todos que não passassem no exame sofressem uma depressão?... Será que rodas as pessoas que não passaram ficaram suficientemente deprimidas para precisar de tratamento?

P: Não, mas isso depende de quão importante fosse o exame para aquela pessoa. T: Certo, e quem decide sobre essa

importância? P: Eu.

T: Então, o que temos que examinar é sua maneira de encarar o exame (ou a maneira como você pensa sobre o exame) e de que forma isso influi sobre suas possibilidades de ingressar na Faculdade de Direito. Concorda?

P: Certo.

T: Concorda em que sua maneira de interpretar os resultados irá influir sobre você? Poderia sentir-se deprimido, poderia ter problemas para dormir, poderia perder o apetite e poderia você até considerar se não deveria abandonar o curso.

P: Eu vinha pensando que não iria conseguir. É, concordo. T: Agora, o que significou não passar.

P: (lacrimejante) Que eu não poderia entrar na Faculdade de Direito. T: E o que significa isso para você:

P: Significa que simplesmente não sou inteligente o bastante. T: Alguma outra coisa?

P: Que jamais serei feliz.

T: E de que maneira esses pensamentos fazem com que você se sinta? P: Muito infeliz.

T: Portanto, é o significado de não passar num exame que o torna muito infeliz. Na verdade, acreditar que você jamais será feliz é um factor poderoso na produção da infelicidade. Assim, você se coloca numa armadilha – por definição, não conseguir ingressar na Faculdade de Direito equivale a "Jamais serei feliz".

O estágio mais crítico da terapia cognitiva envolve o treinamento do paciente para observar e anotar suas cognições. Obviamente, sem um acordo sobre os dados relevantes a serem estudados, a comunicação terapêutica significativa ficará limitada. O treinamento na observação o anotação de cognições torna o paciente consciente da ocorrência de imagens e autoverbalizações ("corrente de pensamento"), O terapeuta treina o paciente a identificar cognições distorcidas e disfuncionais. O paciente pode precisar aprender a discriminar entre seus próprios pensamentos e os factos reais. Precisará também compreender a relação entre suas cognições, seus afectos, seus comportamentos e os factos ambientais.

Treinar o paciente a observar e anotar suas cognições pode ser conseguido da melhor forma através de várias etapas: (1) Definir "pensamento automático" (cognição); (2) demonstrar a relação entre cognição e afecto (ou comportamento), utilizando exemplos específicos; (3) demonstrar a presença de cognições na experiência recente do paciente; (4) prescrever ao paciente, como tarefa para casa, a colecta de cognições, e (5) rever as anotações do paciente e fornecer um feedback concreto.

O terapeuta pode definir uma cognição como "um pensamento ou imagem visual do qual você pode não tomar consciência, a menos que focalize nele sua atenção". Caracteristicamente, uma cognição é uma avaliação de factos a partir de qualquer perspectiva temporal (passada, presente ou futuro). As cognições típicas observadas na depressão e em outros distúrbios clínicos são frequentemente descritas como "pensamentos automáticos", parte de um padrão habitual de pensamento. Excepto em algumas situações bem definidas (como a tentativa do artista ou do poeta no sentido de ampliar o domínio da realidade), as cognições são geralmente percebidas do indivíduo como representações factuais da realidade e, portanto, tendem a merecer crédito. Uma vez que suas cognições são habituais, automáticas e dignas de crédito, o indivíduo raramente estima sua validade. Assim, não é incomum que o paciente depressivo se mostre oprimido por perguntas retóricas (por exemplo, "Por que sou tão fraco?", "Por que sou uma pessoa tão incompetente?") ou por imagens visuais desagradáveis (Por exemplo, "vejo-me parecido com um porco feio"). Ele presume ser fraco, inepto ou feio e se pergunta por que foi castigado dessa maneira.

A INFLUÊNCIA DAS COGNIÇÕES NO AFECTO E NO

No documento TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSÃO Beck (páginas 128-132)