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sensitividade cinestésica Em seguida, vamos cessando os movimentos, sentindo que desejamos descansar.

3.6.2 A latente poética do soma: o movimento somatopoético

A exploração dos movimentos corporais, quando realizada a partir da perspectiva somática, ou seja, quando protagonizada pela sensibilidade, nos conduz ao caminho da autenticidade expressiva. O escritor brasileiro Rubem Alves, em seu livro Variações sobre o prazer, se refere à sua paixão - a poesia - do seguinte modo: "[...] ela nos convida a andar pelos caminhos da nossa própria verdade, os caminhos em que mora o essencial" (ALVES, 2014, p. 9). O mover somático nos convida a esse mesmo caminho. Nele experienciamos a riqueza da dinâmica e delicada semeadura-colheita de nós mesmos enquanto vastos campos cinéticos: mover-se percorrendo subjetivas verdades perceptivas, sensitivas, emocionais e lúdicas que nos fazem únicos, ao mesmo tempo que se percorre as muitas orgânicas verdades celulares anteriores ao juízo, as quais nos fazem iguais entre nós, e se não, ao menos significativamente semelhantes.

O soma em movimento é um processo que eu tanto vivenciei como protagonista, quanto testemunhei. Por experiência própria, pude constatar que uma somatização intensa abre novos pedaços de chão, nos mostrando novos suportes, e isso não só para nosso enraizamento, mas também para nosso vôo. A experiência do soma em movimento, quando vivenciada como mergulho profundo, nos conduz a novas realidades corporais; novas possibilidades de existir. Nos traz liberdade e nos coloca em um estado criador. Há então que se falar no afloramento de uma poética corporal peculiar: a poética do soma: a poesia existente movimento somático quando ele se complexifica, reinventando-se continuamente. Quando essa poesia corporal espontânea aflora, vemos acontecer o

movimento

somatopoético. No entanto, essa maneira de conceber uma poética pode soar estranho

para alguns. Pessoas podem se perguntar: "Por que o movimento somático seria uma poética?"; e: "Quando isso seria isso; em quais circunstâncias?".

Respondendo de trás para frente, vou à resposta da segunda pergunta: o movimento somático é uma poética quando há no movedor diferentes mundos sendo colocados em comunicação, diferentes instâncias de seu ser. Realidades atômicas se revelando; respiração se reinventando; articulações ósseas se comunicando; músculos se enfatizando; espectros de desejos e medos aflorando; espectros de sonhos aflorando; submemórias em refluxo; ancestralidade a ecoar; presença celular a ecoar; encantamento a brincar. A história de cada pessoa dialoga com a história de todos - a história da espécie - e com a história da vida. Podemos nos mover como quem está a cantar para a criança de todas as idades que habita em nós. Podemos surfar o chão e amar os saltos que sobre ele damos. Podemos experienciar ecos de uma barbatana nos cotovelos, e de um calcâneo reptilíneo naturalmente elevado. Podemos testemunhar os dedos dos pés e os metatarsos

inaugurando uma ampla base na meia ponta dos pés, e sentir os ligamentos do joelho estreiando novos entrosamentos nas cavidades articulares. Podemos planar os braços descobrindo o apoio do ar. Podemos ter memórias do crânio a deslizar pela parede uterina, e sensações de haver células ao nosso redor. Podemos ser deslocados por ondas plasmáticas. Estamos nos fluxos da somatização.

Os olhos de quem observa esse soma multidimensional sentem que lá dentro há algo diferente acontecendo. Sem que o observador perceba, sua pele se torna mais porosa, tal qual a do soma que observa. Seu órgão gravitoceptor começa a sussurrar uma canção, e seus mecanorreceptores ficam mais acesos. Sua amígdala cerebral inicia um jogo de cartas. Seu diafragma se recorda de algo que não lembra bem. E uma miríade de estímulos o adentrará pelos olhos. Processos diversos são estimulados dentro dele. No movedor, as combinações de mundos vão gerando frutos, os quais emergem à superfície e são notados pelo observador. Esses frutos balbulciam uma língua desconhecida, mas que soa para o observador de modo misteriosamente familiar.

Nesse ponto da história, compreendemos porque o movimento do soma multidimensional é poético: porque ele nos fala coisas que entendemos sem entender; ele se comunica nos desorientando, e nos encanta. Ele nos causa um estranhamento prazeroso, nos surpreende e nos provoca. E aqui está a resposta para a primeira pergunta ("Por que o movimento somático seria uma poética?"). Desse modo, quem observa um movedor somático que encontra-se mergulhado naquela sopa de combinações, se defronta com uma força expressiva intrinsecamente poética. Essa força sensibiliza quem a presencia, despertando o soma que ali existe. O próprio movedor sente a presença dessa força, e é por ela impactado.

Fazendo novamente menção a Rubem Alves, trago outro trecho do mesmo livro indicado anteriormente, onde ele diz: "As ideias têm ideias próprias - são dotadas de vida, resistem, lutam, determinam direções" (ALVES, 2014, p. 16). E mais uma vez aproveito a linha de seu pensamento: o complexo movimento somático tem ideias próprias. Suas ideias são os movimentos multidimensionais que dizem coisas a nós. Essas ideias, nós captamos do modo como conseguimos captar. Elas não são fáceis de explicar. Mas isso não é um problema, porque no mundo dos somas "[...] argumentos e razões não convencem" (ALVES, 2014, p. 17).

Quando experienciamos a poética do soma, damos voz à multidimensionalidade do corpo. Nos soltamos de influências limitadoras que nossos pensamentos e hábitos nos causam. Saímos da análise racional. Deixamos o topo. Adentramos camadas perceptivas, sensitivas, emocionais, lúdicas. Nos sintonizamos com as células e seu potencial de cura e

de criação. Afloramos pelos poros da pele para simplesmente ser. Estamos conscientes, mas em consciências de movimento, vivenciando a mente de modos peculiares. Estamos fazendo um mergulho: o movimento-mergulho somático. Para finalizar esse tópico e esse capítulo, transcrevo outro trecho de Rubem Alves:

"A consciência é uma superfície. A superfície de um lago. Ela reflete as nuvens, o céu, as árvores que crescem à sua margem, e mesmo os pássaros no seu voo rápido. Superfície - espelho. Na consciência, superfície do lago, vivem os saberes. Saberes são reflexos do que existe lá fora, no mundo: eles nos dão a ciência do mundo. [...] É aí que nascem as palavras de que se vale a ciência - os conceitos. Mas os reflexos têm o efeito de tornar invisíveis as criaturas das profundezas. [...] Mas aí o nadador mergulha nas profundezas das águas - e um outro mundo, completamente diferente, aparece: peixes coloridos, algas, plantas, restos de naufrágio. Mundos que a clareza e distinção dos reflexos, conceitos, não deixava ver. É um mundo que só se torna visível quando se rompe a superfície. As águas profundas são o corpo" (ALVES, 2014, p. 71-72).

Capítulo 4

Repertório de temas para reflexão e experimentação: delimitando um ambiente de estudo/exploração

Abra seus olhos da mente. Peggy Hackney209

Neste capítulo são apresentados nove temas de estudo em conscientização e expressividade corporal que foram identificados ao longo da pesquisa como estudos primordiais para o desenvolvimento do movimento somatopoético. São eles:

1. Respiração

2. Pulsação e circulação 3. Nutrição

4. Vibração

5. Integração das partes corporais 6. Gravidade e resposta antigravitacional 7. Tonificação, ação e estrutura

8. Espacialidade

9. Observação e contato

Esses temas abrigam aprendizados que considerei ser fundamentais, e não foram criados por mim, mas sim identificados por mim tanto em fontes que fazem parte da literatura da Educação Somática, quanto em práticas somáticas das quais participei.

209

No texto deste capítulo, cada tema é um subcapítulo formado por uma sintética discussão teórica referente a aspectos que envolvem o tema, bem como por uma explanação de exemplos de exercícios que apontam caminhos ou modos possíveis de se explorar o tema no trabalho de desenvolvimento da expressividade somática. Dentre os exemplos apresentados, há exercícios que foram colhidos por mim na literatura da área, exercícios dos quais participei em vivências práticas que frequentei enquanto movedora somática e exercícios criados por mim a partir das inspirações que a área me proporcionou. Como professora, eu exploro esses temas em sala de aula, e acabo gerando uma maneira mais pessoal de trabalhar com eles.

Cada tema é pensado para ser um estudo reflexivo, além de prático, porque são muito ricos os desdobramentos que o pensar, o filosofar a respeito desses temas nos traz. A pequena discussão que é apresentada em cada tema antes da explanação de exemplos não tem o objetivo de dar conta de todos os desdobramentos de ideias que o tema proporciona, mas sim de informar a respeito dos conhecimentos que considerei serem elementares a respeito do tema, e inspirar ou instigar um estudo mais aprofundado. Tal estudo pode ser feito por meio de livros, sites, atlas de anatomia, artigos, fotografias, vídeos etc. Ele nos torna mais capazes de apreender os conhecimentos corporais relacionados aos temas. Muitos detalhes que importam para a prática de exploração do

movimento

somatopoético só podem ser assimilados por estudo teórico, como por exemplo, detalhes

referentes a processos fisiológicos do corpo e conhecimentos anatômicos mais aprofundados. Isso porque a exploração da expressividade somática, conforme apresentado no capítulo 3, demanda de nós que tenhamos uma imaginação consistente, que possa dialogar com processos reais que acontecem no corpo. Para praticarmos essa imaginação, precisamos ter os conhecimentos que ela requer de nós.

Neste parágrafo e nos seguintes farei observações referentes ao recorte de fontes aplicado nos temas. Em relação ao tema 'Respiração', no recorte que dei para esse tema, contei principalmente com informações advindas dos Fundamentals de Bartenieff, do BMC, da anatomia funcional de Irene Dowd (lembrando que sua genealogia a liga a Mabel Todd) e da Eutonia (apesar de Gerda Alexander não priorizar a respiração em sua prática, ela discute pontos importantes referentes à respiração). Também me inspirei em aspectos trabalhados teoricamente por Laurence Louppe.

Em relação aos temas 'Pulsação e circulação', 'Nutrição' e 'Vibração', contei basicamente com informações e conhecimentos vindos do BMC, e somei informações vindas da fisiologia.

Para o tema 'Integração das partes corporais', eu priorizei o enfoque da integração pelos padrões básicos do movimento, tendo me baseado nos Fundamentals de Bartenieff, no BMC e na abordagem pedagógica de Steve Paxton chamada Material for the spine.

O tema 'Gravidade e resposta antigravitacional' focou abordagens referentes aos Fundamentals de Bartenieff, assim como à Eutonia e ao BMC. Reflexões de Laurence Louppe também fora aproveitadas. Rudolf Laban e Waslav Nijinsky foram trazidos para a discussão.

Sobre o tema 'Tonificação, ação e estrutura', a moldura que dei para o subtema 'Tônus, atividade e passividade' inclui informações vindas da Eutonia, bem como pensamentos de Rudolf Laban, Hubert Godard e Bonnie Cohen. Para o subtema 'Forma óssea, apoio ósseo e movimento articulado' utilizei basicamente informações vindas da Eutonia, do BMC e da anatomia aplicada de Irene Dowd.

O tema 'Espacialidade' foi desenvolvido contando-se basicamente com ideias do BMC e dos Fundamentals. Explorei entendimentos a respeito da ocupação do espaço, da intencionalidade no direcionamento espacial e da espacialidade na inicialização do movimento.

Para o desenvolvimento do tema 'Observação e contato', o Movimento Autêntico, a Eutonia, o BMC, o Contato-Improvisação e os Fundamentals foram as referências que nutriram o texto. No que diz respeito à parte referente à observação, além do Movimento Autêntico, a teorização de Thomas Hanna também alimentou a discussão. Na parte que concerne ao contato, considerou-se também o contato não físico.

Informo novamente, tal qual fora informado na introdução da tese, que o campo laboratorial no qual eu explorei os temas aqui problematizados foi a minha prática docente em disciplinas de Dança que compõe o Curso de Bacharelado em Teatro do Centro Universitário IESB, localizado em Brasília. Nos temas está todo o conjunto dos conteúdos que, ao longo do processo laboratorial do doutorado - de agosto de 2013 a agosto de 2016 - foram investigados teoricamente e empiricamente.

O agrupamento desses temas, conforme mencionado na introdução da tese, compõe um ambiente no qual se pode explorar a expressividade do movimento somático. Com isso, proponho uma delimitação de conteúdo para processos de construção do conhecimento vivencial e reflexivo em conscientização e expressividade corporal que visem o desenvolvimento do movimento somatopoético. Essa delimitação pretende ser útil não só a alunos e professores de áreas artísticas que trabalhem com o movimento corporal

expressivo, mas também a artistas do movimento e pessoas interessadas em conhecer-se e expressar-se corporalmente.

Para que a vivência dos temas seja rica para seus experimentadores, é importante que os temas sejam utilizados ou manuseados por quem conduz o processo de aprendizado/exploração de modo dinâmico, ou seja: um tema dá suporte para outro; eles se entrosam e se cruzam. Quando um tema está sendo priorizado, outros temas proporcionam materiais complementares. Em relação a isso, gosto de pensar na seguinte imagem: os temas estão todos sobre a mesa de trabalho, os potes estão todos abertos, de modo que os ingredientes para o pão estão todos em fácil acesso. Conforme começamos o pão e trabalhamos ele, vamos pegando um pouquinho de cada ingrediente e formando a massa do pão por meio de uma mistura que resultará em um sabor estimulante. A mistura dos temas gerará a possibilidade de ocorrência de uma vivência somática multifacetada, a qual proporcionará aos movedores mover-se em fluxos somáticos, dando vida ao

movimento

somatopoético.

4.1 Respiração

A função respiratória tem sido um importante conteúdo em diferentes abordagens somáticas e artísticas do movimento. Para Irmgard Bartenieff, o motivo dessa importância se deve ao fato de a respiração exercer influência sobre todos os aspectos do movimento, sendo a respiração um suporte sobre o qual se dá o movimento em todas as instâncias da vida, desde a instância celular, até a instância corporal (HACKNEY, 2002, p. 52; 41). Em suas palavras: "O movimento corre sobre o fluxo da respiração" (BARTENIEFF, 1980, p. 232, tradução nossa210). Podemos dizer que respiração é movimento; é movimento que gera, desencadeia, possibilita movimento. Enquanto "processo biológico central dentre as funções nucleares do organismo vivo" (BARTENIEFF apud HACKNEY, 2002, p. 51, tradução nossa211), a respiração consiste em "um ato rítmico, repetido incessantemente por todos nossos dias de vigília e noites de sono" (BARTENIEFF apud HACKNEY, 2002, p. 51, tradução nossa212).

Além de ser base para nosso movimento, conduzindo-nos pelo tempo, a respiração também é conduzida por nós. Nisso reside uma característica especial e singular sua: a de ser involuntária e voluntária concomitantemente. Essa característica coloca a respiração em um lugar bem peculiar, pois ela é tanto passível de ser observada, sem que interfiramos intencionalmente nela, quanto de ser conduzida de diferentes modos por nossa consciência

210

Movement rides on the flow of the breath.

211

[...] central biological process among the core functions of the live organism [...]

212

volitiva. A condução do processo respiratório, seja em exercícios bem definidos e regrados, seja em abordagens experimentais; por meio de propostas sutis, ou por meio de vivências intensas e vigorosas, reverbera nos estados perceptivos/sensitivos e emocionais. A observação da respiração, por sua vez, embora de modo diferente, também acaba por causar mudanças nesses estados. Disso podemos notar que observar a respiração finda por ser uma maneira de interferir sobre ela, mesmo que bem suavemente, e ainda que não se tenha essa intenção. Quando nos propomos a apenas observar a respiração, percebemos isso: observá-la sem que sobre ela recaiam interferências não é algo tão fácil quanto parece ser à primeira vista.

Devido a isso, dentre os educadores somáticos, além de haver os que propõem procedimentos diretamente relacionados à ação respiratória, há os que trabalham indiretamente com a respiração, tendo o foco da auto-observação perceptiva/sensitiva voltado para outro acontecimento que não a ação respiratória, mas colhendo por fim resultados de melhorias também na própria respiração. Gerda Alexander e Mathias Alexander são dois importantes exemplos desse tipo de abordagem. Laurence Louppe nota, utilizando Hubert Godard como referência, que Mathias mirava um trabalho indireto com a função respiratória, e se posicionava criticamente em relação às abordagens nas quais incide-se diretamente sobre a ação respiratória. Ele apostava no desenvolvimento da propriocepção para o alcance da harmonização plena do indivíduo, e trabalhava para o afloramento de uma consciência que pudesse captar mais intensamente os processos proprioceptivos (Louppe, 2012, p. 94).

Gerda acreditava que seria mais eficiente trabalhar o tônus muscular para que fossem harmonizadas funções vegetativas do organismo, e dentre elas, a respiração. Ela diz: "o trabalho voltado diretamente para a respiração conduz a consciência a prestar atenção na respiração, e isso já altera os padrões espontâneos da respiração" (ALEXANDER, 1991, p. 15). Ela buscava a normalização da respiração inconsciente, e entendamos isso como um processo que pretende tornar a respiração involuntariamente mais harmônica, ou seja, que coloque esforço em equilíbrio com necessidade, e necessidade em equilíbrio com circunstância, trazendo ganho de economia energética e liberdade. Gerda quer que a respiração se torne automaticamenteadequada às diferentes necessidades momentâneas, "sejam quais forem suas características" (ALEXANDER, 1991, p. 16). Ela pretende melhorar a performance espontânea da respiração, seu desempenho, sempre considerando a harmonia como parâmetro. Essa qualidade no funcionamento respiratório, para ela, é um dos resultados que surgem quando se trabalha o tônus do corpo como um todo. Vale ressaltar que, para Gerda, esse direcionamento tomado por ela em relação à respiração é uma possibilidade, não sendo o único caminho existente. Ela

afirmava que outros métodos alcançam os mesmos resultados, percorrendo caminhos diferentes (ALEXANDER, 1991, p. 16). Na concepção de Gerda:

A normalização da respiração não se realiza com exercícios respiratórios diretos, mas sim indiretamente, relaxando as tensões que impedem a plenitude da respiração inconsciente adequada. Esta é inibida por tensões que podem estar situadas no períneo, virilhas, musculatura abdominal, diafragma, intercostais, ombros, nuca, mãos, pés, aparelho digestivo e órgãos genitais. Se conseguimos eliminar essas tensões, a respiração se normaliza por si. Se, pelo contrário, fazemos exercícios respiratórios voluntários, essas inibições são aparentemente desfeitas num movimento respiratório mais amplo, mas reaparecem com a respiração inconsciente no momento em que suspendemos os exercícios. (ALEXANDER, 1991, p. 15- 16).

A meta final de Gerda não era apenas harmonizar a respiração e as outras funções orgânicas vitais das pessoas, mas também, incidir na vida psicológicoa delas, proporcionando-lhes bem-estar. Em relação a isso, pode-se considerar que o educador do movimento somático expressivo também lida, em uma medida ou outra, com a harmonização integral do indivíduo. No entanto, a finalidade do trabalho dele é proporcionar o desenvolvimento da expressividade corporal. Observar a escolha de Gerda e de Mathias, referente ao caminho tomado por eles para chegar-se à respiração, nos estimula a refletir a respeito de nossas intenções referentes à respiração em nosso trabalho de exploração somática do movimento, ou de condução/mediação.

Penso que, apesar de ser bastante produtivo trabalhar a dinâmica e sensibilidade corporal a partir de proposições que provoquem de diferentes modos a ação respiratória, há momentos em que a respiração não deve ser trazida para o foco da auto-observação perceptiva/sensitiva. Gerda, referindo-se ao professor de Eutonia, diz: "se o professor deseja que a respiração seja trabalhada indiretamente, não deve chamar a atenção para ela. No momento em que se pronuncia a palavra 'respiração' num grupo, altera-se a respiração de todos" (ALEXANDER, 1991, p. 16). 'Alteração' aqui significa perda do ritmo espontâneo de adequação às mutáveis necessidades do instante.

Gerda aponta ainda outro revés: em relação ao professor, a respiração, quando enfatizada - e por isso alterada - perde "seu valor enquanto manifestação atual do estado psicossomático" do aluno (ALEXANDER, 1991, p. 16). Essa questão mostra que, por vezes, ao invés de utilizar a respiração como fator provocador de explorações somáticas de movimento, o professor ou facilitador da vivência corporal expressiva pode estar interessado em observar como o aluno ou participante da vivência está inconscientemente fazendo uso de sua respiração. Isso não significa que um professor, ao notar, por exemplo, que um aluno

precisa expirar mais para não perder sua resistência, ou inspirar mais para alcançar maior potência, ou ainda, deixar mais fluida a respiração, não possa se dirigir verbalmente a ele, para fazê-lo tomar consciência de sua ação respiratória. Em muitos casos, o professor deve sim sugerir explicitamente ao aluno que modifique ou adapte sua respiração. Os professores devem sempre se perguntar: "Para esse objetivo, focar ou não focar a ação respiratória?".

Reincidindo no pensamento de Gerda, vale observar que ela ainda aponta outro importante aspecto da respiração. Um aspecto para o qual nem sempre é dado seu devido valor: o fato de que respirar bem é ter o corpo participando plenamente da respiração -