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its self-imposed limits.

Capítulo 2 Corpo, movimento, mente e consciência

2.2 Mente celular e mente corporal?

2.2.1 Auto-organização e consciência sensorial celular

A nível celular, os movimentos relacionam-se completamente com necessidades de manutenção do equilíbrio interno. Esse equilíbrio consiste em uma profusão de acontecimentos inerentes a trocas com o meio. É a homeostase; é responder: responder a condições colocadas pelo exterior; responder a demandas internas. Processos metabólicos vão acontecendo para possibilitar ajustes homeostáticos. Trata-se de uma sinergia155 orgânica; de um grande entrosamento de inúmeras conjunturas. A 'inteligência homeostática' da célula está relacionada com o que os biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela (MATURANA; VARELA, 2003) chamaram autopoiesis em sua Teoria Autopoiética, na qual defendem que o surgimento da vida se deu devido à capacidade de auto gerenciamento protagonizada pelas células, enquanto sistemas abertos.

Nas funções homeostáticas da célula, a capacidade de reagir a estímulos ambientais é crucial, pois é algo fundamental tanto para seu funcionamento, quanto para seu convívio com outras células. Os estímulos podem vir do ambiente externo, como: variações na luminosidade, mudanças de temperatura, contatos com outras estruturas e elementos, vibrações, informações químicas e mudanças eletromagnéticas. E podem também ser provenientes do ambiente interno da célula, resultantes de acontecimentos de seu próprio metabolismo. De todo modo, estímulos significam estimulação ou excitabilidade da membrana. Essa excitabilidade é algo que está relacionado com a própria mobilidade da membrana156. Para Bonnie Cohen, a mobilidade das membranas celulares está diretamente

153

[...] perceiving is a way of acting.

154

Perception is not something that happens to us, or in us. It is something we do.

155

Definição do Novo dicionário da língua portuguesa: "Associação simultânea de vários fatores que contribuem para uma ação coordenada". FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1590.

156

A título de revisão: O potencial de movimentação inerente à membrana, conforme ressalta Sherwood (2011, p. 54), se deve ao fato de os lipídios que formam sua malha estarem

constantemente em movimento. Eles vibram, giram e movem-se, trocando de lugar uns com os outros milhões de vezes por segundo, o que faz com que a membrana celular seja bastante

relacionada com o potencial multidirecional de movimento das células, e lhes dá uma plasticidade de encolhimento/expansão (COHEN, 2015).

Então, a membrana celular tem uma qualidade que lhe é inerente: a de ser uma ativa zona de fronteira. Essa qualidade confere à célula uma natureza tátil que está diretamente relacionada com a função de responder a estímulos internos e externos movimentando-se e interagindo com o ambiente. Essa função celular é tão importante quanto outras funções conhecidamente elementares da célula, como a respiração, a digestão, a excreção e a circulação, pois faz parte do mecanismo autorregulador da célula, o qual possibilita sua sobrevivência. Para Bonnie Cohen, as membranas celulares são os primeiros receptores sensoriais, pois "registram o fluxo de fluido que passa através delas e o ritmo e pressão exercidos em suas paredes internas e externas através de dobramento e desdobramento espontâneo" (COHEN, 2014c, p. 7).

A troca constante de substâncias entre ambiente interno e ambiente externo é a própria condição para a vida se manter157. Protagonizando o gerenciamento dessas contínuas trocas na instância celular, a membrana da célula faz a intermediação de todo o movimento de entrada de substâncias na célula (no fluido intracelular) e saída de substâncias da célula (para o fluido extracelular)158. Ela contorna os limites da célula como se fosse sua pele, delineando-lhe uma forma e estabelecendo-se como limite, separando o interior celular do ambiente externo. Extremamente fina, é a camada mais superficial da célula, e possui uma permeabilidade bastante 'inteligente'. De acordo com a fisiologista

plástica, e seja, em si mesma, puro movimento. Essa natureza da membrana é o que lhe confere grande maleabilidade, garantindo-lhe fluidez

157

A título de revisão: O conteúdo do fluido intracelular deve permanecer diferenciado do conteúdo do fluido extracelular. A membrana deve exercer essa manutenção. Para viabilizar as trocas entre ambiente interno e externo sem colocar em risco o equilíbrio metabólico do ambiente interno, a membrana destrincha em componentes menores as moléculas que encostam em suas paredes externas, exercendo assim um controle bastante sofisticado do que poderá entrar. Esse poder se deve à sua composição: lipídios (gordura) formando a malha da membrana; proteínas (enzimas) dispostas como túneis que atravessam a malha, e que possuem 'portões' seletivos, 'inteligentes'; moléculas de colesterol em menor quantidade, esplalhadas na malha e impedindo-a de cristalizar- se; e carboidratos dispersos sob toda a superfície externa da malha, tal qual antenas que dão uma identidade específica à cada tipo celular (à cada especialidade celular). (SHERWOOD, 2011, p. 54).

158

A título de revisão: A malha da membrana tem uma camada externa voltada para fora da célula, uma camada interna voltada para dentro da célula e, entre elas, uma camada intermediária. Esta camada intermediária da malha é impermeável. Desse modo, tudo que está diluído na água do fluido intercelular não consegue adentrar desordenadamente a membrana, e a água do fluido intracelular também não escapole inadvertidamente para fora da membrana. O que passa pela membrana precisa, necessariamente, ou ser diluível por lipídios, ou atender às 'condições impostas' pelas enzimas que atravessam a malha da membrana como túneis. Valendo detalhar que existem proteínas que funcionam como canais controladores de passagem de água. Além da possibilidade de penetração da membrana, que é uma possibilidade propícia apenas para materiais de dimensões muito pequenas, também é possível que estruturas maiores adentrem a célula. Nesses casos, não ocorre a penetração, e sim outro processo: a membrana 'abraça' esses materiais, encapsulando-os, e os conduz para dentro do conteúdo interno celular.

Lauralee Sherwood (SHERWOOD, 2011, p. 53), a função de delimitação e comunicação exercida pela membrana celular, enfatizada como função primordial da membrana, pode ser subdividida em funções mais específicas, dentre as quais vale destacar aqui: 'Integrar a célula a outras células, e permitir que a célula reaja a informações e mudanças do ambiente, participando da comunicação entre as células.' Bonnie Cohen desdobra essas características da membrana referindo-se às células:

Para que uma comunidade de células sobreviva, ela precisa ter um mecanismo de feedback de interconexão de cada célula para todas as outras células. Portanto, cada célula tem um sentido de si e se comunica com todas as outras células. [...] Células que têm feedback sensorial pobre têm mais dificuldade em coordenar seu ritmo com outras células. Células que são conscientes de si são mais capazes de se comunicar com suas células vizinhas. Quanto mais as células dentro de nós tomam consciência de si mesmas, há uma maior ressonância entre células, equilíbrio interior e autoconhecimento (COHEN, 2015, p. 7-8).

A comunicabilidade celular diz respeito à excitabilidade da membrana. Quanto mais a membrana for excitável, mais a célula é uma rápida comunicadora. Os neurologistas Oliver Sacks e Antônio Damásio (SACKS et all, 2015), em texto escrito juntamente com outros profissionais renomados, relacionam a propriedade de excitabilidade da membrana celular de alguns tipos de células com as origens da mente. Uma alta excitabilidade que consiste em uma capacidade celular incomum de realizar trocas em altíssima velocidade, em uma escala de milissegundos. É o processo de reconhecer estímulos e responder a esses estímulos de modo excepcionalmente rápido. Os tipos específicos de célula portadoras dessa habilidade são: as células receptoras de estímulo sensorial, os neurônios e as células musculares. Para os autores, um entendimento aprofundado de que a dinâmica do intercâmbio realizado na membrana se dá de modo variável nos diferentes tipos de células pode ser a chave para que venhamos a compreender a "autoconsciência primitiva" (SACKS et all, 2015, tradução nossa159), também mencionada pelos autores como "fagulha da senciência" (SACKS et all, 2015, tradução nossa160). As ideias apresentadas no texto, como afirmam os próprios autores, estão enraizadas fortemente em uma teoria já bastante assentada - a Teoria da Evolução -, mas têm sido ainda pouco exploradas pela comunidade científica. Nas palavras dos autores:

Esta abordagem direciona a procura pelas propriedades subjacentes à consciência ao nível do protozoário (um organismo unicelular), a fim de

159 [...] primate self-consciousness. 160 [...] spark of sentience.

identificar, a nível celular, os mecanismos fundamentais que, quando amplificados em um complexo sistema nervoso, dão origem às propriedades normalmente referidas como 'mente'. A questão não respondida é: Quais são as características das células vivas que condizem, em última instância, com os diversos fenômenos psicológicos de alto nível; fenômenos estes aparentemente existentes apenas em determinados organismos animais? (SACKS et all, 2015, tradução nossa161).

Em suas conclusões, os autores enfatizam, de modo similar ao que fez Bonnie Cohen, que a atividade das numerosas células excitáveis deve ser bem sincronizada para que o organismo funcione de uma maneira coerente, ou seja, para que o comportamento a nível orgânico seja favorável à harmonização e preservação do organismo. Em termos evolutivos, isso seria uma condição primordial para o surgimento do mais alto nível de consciência. Para finalizar esse tópico, vale mencionar que as células animais não são as únicas a responder a estímulos ambientais, já que células de plantas também possuem essa capacidade. No entanto, a alta excitabilidade dos neurônios do sistema nervoso dos animais extrapola tal capacidade, e diz respeito a um modo incomum de recrutar outras células excitáveis, conduzindo um comportamento no organismo que visa o reestabelecimento da equanimidade biológica (SACKS et all, 2015).