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its self-imposed limits.

Capítulo 2 Corpo, movimento, mente e consciência

2.3 O corpo em movimento

2.3.1 Funcionamento sensoriomotor

O complexo sistema sensoriomotor consiste na ação conjunta do sistema musculoesquelético (ossos, cartilagens, ligamentos, tendões e músculos) com o sistema nervoso somático (SNS) (cérebro, medula e nervos), sendo que o SNS é responsável por desencadear a ação dos músculos esqueléticos. É o sistema sensoriomotor que possibilita a comunicação dinâmica entre o corpo e o ambiente. Por meio desse sistema, o movimento corporal ocorre. O termo 'sensoriomotor' acolhe, em iguais proporções, o aspecto sensorial e o aspecto motor, o que indica que o movimento é resultante do trabalho conjunto de diferentes funções vitais. Nossos sistemas sensoriais, como fora colocado no tópico 'Recebendo e processando o ambiente', realizam a recepção dos dados ambientais e a transmissão desses dados para o sistema nervoso. As respostas motoras reflexas do corpo aos estímulos ambientais são respostas formuladas pelo sistema nervoso. A resposta a uma luz muito forte é o fechamento dos olhos, que é uma resposta motora. Se não fôssemos informados a respeito das circunstâncias ambientais, não teríamos respostas corporais para os estímulos sensoriais.

No caso dos seres humanos, as "personagens" envolvidas no processo sensoriomotor do corpo são: as células receptoras de estímulos sensoriais que fazem parte dos sentidos (incluindo os receptores nervosos livres, pois o movimento está sendo levado em conta como sexto sentido); os nervos; a medula; o cérebro (abarcando o processo perceptivo e a vontade, e levando-se em conta que nos movimentos reflexos, a vontade não participa da demanda por ação motora); os músculos (com seus tendões); os ossos; e os

ligamentos162. A coluna vertebral, nosso eixo longitudinal ósseo, guarda a medula espinal dentro de sua vala interna. A medula, que corresponde à porção alongada do sistema nervoso central, é como um rabo que sai do cérebro e preenche toda a vala interna da coluna. Ela é composta de feixes nervosos onde os neurônios comunicam resposta motora com resposta sensorial. No trecho transcrito abaixo, Hanna explica como estão organizados os nervos sensórios e os nervos motores ao longo da medula:

A coluna [a palavra 'coluna' está sendo usada aqui para se referir à medula] é composta de nervos motores descendentes e de nervos sensoriais ascendentes que saem, respectivamente, pela lateral frontal e pela lateral posterior das vértebras. Esse esquema lateral frontal e lateral posterior continua por todo o percurso da espinha, até o início do cérebro, onde, justamente pela parte frontal do sulco central do córtex cerebral, passam as vias motoras, e justamente pela parte posterior, alinham-se as vias sensoriais. Esse é um esquema que está no centro do nosso ser. (HANNA, 1995, p. 344-345, tradução nossa163).

A expressão 'nervos motores descendentes' indica que o trajeto da informação passada pelos nervos motores - os nervos que deflagram o comando do movimento - se dá do cérebro (de cima) para o restante do corpo, descendo a medula. O termo 'nervos sensoriais ascendentes', por sua vez, aponta que o trajeto da informação passada pelos nervos sensoriais - os nervos que levam informações dos portos sensoriais do corpo ao cérebro - se dá de diversas áreas do corpo para o cérebro (para cima), subindo a medula. Nas palavras de Bonnie Cohen:

O SNS tem componentes motores (ação) e sensoriais (feedback) que constituem um equilíbrio contínuo. Os nervos motores levam a nossa expressão do SNC [sistema nervoso central] para todas as células; os nervos sensoriais trazem informação e consciência de todas as células para o SNC (COHEN, 2015, p. 50).

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É importante observar que o prefixo 'sensorio' do termo 'sensoriomotor' não se refere apenas à porção sensorial de recepção dos estímulos ambientais (sensação), mas a todo o processo de decodificação das informações sensoriais (percepção), podendo se referir também à consciência volitiva quando participamos conscientemente da ação motora. Quando consideramos isso, torna- se mais apropriado usar as expressões 'estado perceptivo' e 'estado sensitivo' (que enfatiza os sentimentos de base gerados pelo movimento), ou ainda, 'estado perceptivo/sensitivo' e não 'estado sensorial'. Bonnie Cohen faz uma colocação que deixa isso claro na página 212 da edição brasileira de seu livro (COHEN, 2015).

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The column is composed of descending motor nerves and ascending sensory nerves which exit, respectively, to the fore and aft of the vertebrae. This fore and aft schema continues all the way up the spine to the top of the brain where, just to the fore of the central sulcus of the cerebral cortex, lie the motor tracts and just to the aft the sensory tracts are aligned. It is a schema that is at the center of our being.

Desse modo, há um tráfego constante nas duas vias, que corresponde a uma troca de informações entre o cérebro e o restante do corpo. Esse modo de comunicação faz do sistema sensoriomotor um "sistema de feedback de circuito fechado" (HANNA, 1995, p. 345, tradução nossa164). Essa característica de circuito fechado significa que ao mesmo tempo que chegam dados ao cérebro, também chegam informações ao corpo, pois o circuito é constantemente ativo nas duas vias, e extremamente veloz. No trecho transcrito a seguir, Olsen apresenta um exemplo de desencadeamento sensoriomotor referente a uma ação reflexa (da qual a consciência volitiva não participa):

Padrões reflexos, como tirar a mão de um fogão quente, ocorrem por meio de um arco reflexo - os nervos sensoriais enviam um sinal para a medula espinhal (perigo: isto é quente), os interneurônios, através da medula espinhal, conectam a mensagem aos nervos motores, e um impulso é enviado aos músculos da mão e do braço para responder (mova sua mão!). Em um arco reflexo, a resposta é carregada até o nível da medula espinhal, enquanto o cérebro está sendo informado sobre o que ocorreu: você move antes de você estar consciente do que aconteceu. (OLSEN, 1998, p. 121, tradução nossa165).

Embora essa descrição seja referente a um movimento reflexo, que não guarda em si muita complexidade, não envolvendo o cérebro na tomada de decisões, ela já nos surpreende muito, porque observamos como é eficiente e veloz o funcionamento sensoriomotor. Continuando a explicação de Olsen, temos que: "Em padrões motores mais complexos, como andar de bicicleta ou datilografar, os movimentos aprendidos são iniciados e coordenados por vários componentes do cérebro" (OLSEN, 1998, p. 121, tradução nossa166).

Bonnie Cohen resume o processo cíclico sensoriomotor descrevendo-o em seis fases (COHEN, 2015, p. 212): 1) "[...] a recepção da informação (aspecto sensorial)" é a primeira fase. 2) Depois dela, "há o processo perceptual, que compara a nova informação com todas as experiências anteriores e interpreta o estímulo" - segunda fase. 3) Depois disso, "há uma fase de planejamento motor, na qual organizamos uma resposta motora" - terceira fase. 4) Uma vez concluído o planejamento, "há a resposta de movimento real" -

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closed-loop feedback system

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Reflex patterns, like lifting your hand of a hot stove, occur through a reflex arc - the sensory nerves send a signal to the spinal cord (danger: this is hot), the interneurons connect the message through the spinal cord to the motor nerves, and a impulse is sent to the muscles of the hand and arm to respond (move your hand!). In a reflex arc the response is carried out at the level of the spinal cord, while the brain is being informed of what was occorred: you move before you are aware what has happened.

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In more complex motor patterning, such as riding a bicycle or typing, the learned movements are initiated and coordinated by various components of the brain.

essa é a quarta fase. 5) À resposta de movimento, se segue o feedback sensório "que oferece informação a respeito do que aconteceu durante a resposta" - quinta fase. 6) E depois desse feedback, vem "nossa interpretação e os nossos sentimentos sobre aquilo que ocorreu"; é a interpretação perceptual - sexta fase. Uma vez apresentado todo o ciclo, é interessante observar que esse ciclo é, na verdade, um espiral; que ele sempre avançará. Outro ponto importante reside no fato de que tanto a segunda fase do ciclo sensorioperceptivo, quanto a sexta, são fases de interpretação perceptual. E que a nossa consciência está presente apenas na sexta fase.

Essa maneira de entender o processo sensoriomotor é a maneira pela qual esse processo costuma ser estudado nos livros. A experiência de trabalho e de vida de Bonnie a fez considerar que o ciclo, em verdade, é um pouco mais complexo (COHEN, 2015, p. 216- 217). Vivenciando o movimento, e ajudando os outros a vivenciá-lo, Bonnie identificou duas etapas que se situam entre a sexta fase (a interpretação perceptual da nossa consciência) e a primeira (recepção da informação). Para Bonnie, após a nossa interpretação e sentimentos referentes ao que aconteceu, ao invés do ciclo avançar para o novo input sensório, o ciclo avança para a fase das expectativas preconcebidas, e dela, para a fase do foco motor pré-sensório.

As expectativas preconcebidas dizem respeito ao que perceptivamente esperamos que vá acontecer "antes que alguma coisa tenha acontecido" (COHEN, 2014b, p. 12). É um momento baseado em nossas percepções prévias de experiências passadas. Após percebermos algo (nossa interpretação), a percepção cria expectativas futuras, projetando aquilo que motoricamente planeja que venha a acontecer no futuro. Em seguida, vem a fase do foco motor pré-sensório, a qual Bonnie considera "essencial para a expansão do nosso potencial de escolha" (COHEN, 2015, p. 216). Essa fase diz respeito à habilidade que temos de "direcionar ou focalizar os nossos órgãos do sentidos" (COHEN, 2015, p. 216); nossa habilidade motora de escolher quais aspectos iremos observar e absorver de um estímulo. Bonnie enfatiza que esse direcionar é um ato motor. Para ela, então, a percepção tem um componente motor.

Bonnie dá exemplos de momentos em que o ciclo perceptivo encontra-se na fase do foco motor pré-sensório:

[o foco motor pré-sensório] [...] é demonstrado por um cão apontando as orelhas em direção ao som, pela maneira como os pelos da nossa pele se movimentam para captar sensação e pela maneira como focalizamos os olhos para ver [...] Outro exemplo seria se você estivesse dirigindo um carro com alguém. Se você é o motorista, tem necessidade de ver, então o seu foco motor pré-sensório está mais envolvido do que se você for o

passageiro. Você está olhando a mesma informação, mas o motorista tem mais motivação, concentração e senso de responsabilidade do que o passageiro. (COHEN, 2015, p. 216).

Como Bonnie expõe no exemplo acima, há uma motivação para o motorista focar pré-sensoriamente. Para Bonnie, a escolha que reside na fase do foco motor pré-sensório é feita pela motivação, pelo desejo, pela atenção e pela consciência dicriminativa (COHEN, 2014b, p. 12). Segundo Bonnie, podemos observar a ausência ou repressão do foco motor pré-sensório "no tédio, na resistência e nas dificuldades de aprendizado" (COHEN, 2015, p. 216). Nessa maneira de conceber o ciclo sensoriomotor, o aspecto motor é encarado de modo bem diferente do qual ele é visto na abordagem tradicional. Para mim, fica nítido que essas duas fases observadas por Bonnie dizem respeito à função atentiva do aspecto motor, a qual é distinta da função reflexa e da função volitiva. Eu já havia "quebrado minha cabeça" várias vezes tentando entender onde estaria o momento atentivo do processo de percepção dentro do ciclo sensoriomotor. Com o acréscimo sugerido por Bonnie, o ciclo fez mais sentido para mim.