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its self-imposed limits.

Capítulo 2 Corpo, movimento, mente e consciência

2.1 Corpo, ambiente

2.1.3 Recebendo e processando o ambiente

Os estímulos ambientais chegam a nós por sensações, e são processados por nossa percepção. Desse modo, sensação e percepção são dois processos estreitamente relacionados, formando o processo sensorioperceptivo. De acordo com Harvey Schiffman:

A sensação refere-se ao processo inicial de detecção e codificação da energia ambiental. [...] é pertinente ao contato inicial entre o organismo e seu ambiente. Sinais de energia potencial provindos do ambiente emitem luz, pressão, calor, substâncias químicas e assim por diante, e os nossos órgãos dos sentidos – nossas janelas para o ambiente – recebem essa energia, transformando-a em um código neural bioelétrico que é enviado ao cérebro. O primeiro passo para se sentir o mundo é dado por unidades neurais especializadas ou células receptoras, que reagem a tipos específicos de energia. Assim, por exemplo, as células do olho reagem à energia luminosa e, da mesma forma, as células especializadas da língua reagem às moléculas dos compostos. (SCHIFFMAN, 2005, p. 2).

O ambiente passa informações para o corpo por meio dos órgãos dos sentidos. Esses órgãos são como portões de entrada dos dados ambientais no corpo: informação luminosa e imagética, informação material, informação sonora, informação química, informação de pressão. Os olhos captam o ambiente; a pele capta o ambiente; os ouvidos captam o ambiente; o nariz capta; a língua capta o ambiente; o corpo capta o ambiente. A Educação Somática dá ao sentido gravitacional um valor que não costuma ser dado a ele. Os receptores da gravidade estão espalhados por todo o corpo152. Devido a isso é que fora incluído na sequência a pouco mencionada o trecho: "o corpo capta o ambiente".

152

Esse tema será detalhado mais adiante, em 'Funcionamento da percepção de movimento', a partir da página 112.

Os dados sensoriais são direcionados para os portos sensoriais do cérebro. A partir da 'aterrizagem' desses dados nos portos sensoriais cerebrais, o cérebro começa a relacioná-los com dados que já guarda em si. Para isso, a memória é acessada, ocorre um trabalho de decodificação da informação sensorial: é o processo perceptual. De acordo com Bonnie Cohen, “Nós podemos processar as informações sensoriais simultaneamente e/ou sequencialmente” (COHEN, 2014a, p. 9). Segundo Schiffman:

A percepção [...] refere-se ao produto dos processos psicológicos nos quais significado, relações, contexto, julgamento, experiências passadas e memória desempenham um papel. [...] Dessa forma, a percepção envolve organização, interpretação e atribuição de sentido àquilo que os órgãos sensoriais processam inicialmente. Em resumo, a percepção é o resultado da organização e da integração de sensações que levam a uma consciência dos objetos e dos eventos ambientais. (SCHIFFMAN, 2005, p. 2).

Para Bonnie Cohen, “A percepção é o processo físico/emocional de interpretar as informações sensoriais” (COHEN, 2014a, p. 9). Por exemplo, quando percebemos que tem uma pedrinha dentro do nosso tênis, embaixo do nosso pé, significa que, em milésimos de segundos, sensações de pressão e de forma vindas da sola do pé desencadearam percepções que nos fizeram concluir que o desconforto que estamos sentindo na sola do pé está ocorrendo porque há uma pedrinha dentro do tênis. O momento inicial dessa cadeia é a sensação, ou melhor, as sensações. Elas se referem:

a certas experiências imediatas, fundamentais e diretas, ou seja, relacionam-se à consciência de qualidades ou atributos relacionados ao ambiente físico, tais como ‘duro’, ‘quente’, ‘ruidoso’ e ‘vermelho’, geralmente produzidos por estímulos simples, fisicamente isolados. (SCHIFFMAN, 2005, p. 2).

De acordo com Schiffman, apesar da sensação e da percepção serem processos específicos, quando se fala delas, há que considerá-las conjuntamente, como processos sensorioperceptivos, evitando-se que sejam feitas separações entre elas: “[...] a sensação e a percepção são processos unificados e inseparáveis, geralmente, apenas em condições de controle laboratorial é que se pode originar sensações isoladas, separadas de noções de sentido, contexto, experiência passada e assim por diante” (SCHIFFMAN, 2005, p. 2). Nossa consciência percebe coisas, ou seja, podemos observar percepções. Mas o mesmo não pode ser dito quanto às sensações. Nossa consciência não experimenta sensações desgarradas de percepções. Bonnie Cohen distingue sensação e percepção enfatizando o caráter subjetivo da percepção:

Sensação é o aspecto mais mecânico, envolvendo o estímulo dos receptores sensoriais e dos nervos sensoriais. Percepção é o nosso relacionamento pessoal com a informação. Todos nós temos órgãos sensoriais semelhantes, mas as nossas percepções são totalmente únicas. A percepção está relacionada com a maneira como nos relacionamos com aquilo que percebemos. Percepção trata-se de relacionamento - conosco, com os outros, com a Terra e com o Universo. Ela contém o entrelaçamento de componentes sensoriais e motores. (COHEN, 2015, p. 212).

Apesar de a velocidade do processo sensorioperceptivo ser incrivelmente rápida, os processos perceptivos podem ser de longa maturação. De acordo com Bonnie Cohen, "nós nos defendemos contra um estímulo que entra quando é mais do que podemos processar naquele momento" (COHEN, 2014a, p. 9). Isso significa que alguns processos perceptivos têm uma desenvoltura mais complexa, e que a percepção também faz parte da resolução de problemas. Para Cohen, o estímulo 'problemático' não é necessariamente ruim, podendo ser algo bom, pois "Enquanto ele nos impeça de criar uma resolução imediata, ele nos abre à possibilidade de uma consciência mais ampla no futuro” (COHEN, 2014a, p. 9).

A captura de informações do ambiente não é o único tipo de captura relacionada ao processo sensorioperceptivo, pois também temos percepções que são geradas por informações internas, ocorridos no próprio corpo. Como coloca Bonnie Cohen: “É através de nossos sentidos que nós recebemos informações de nosso ambiente interno (nós mesmos) e ambiente externo (outros)" (COHEN, 2014a, p. 9). Mundo interno e mundo externo formam um continuum. Nas palavras de Bonnie: "Nós dialogamos com nosso ambiente através do foco interno e externo” (COHEN, 2014a, p. 9). Para Bonnie, o processo perceptivo é muito importante em todo aprendizado, e está relacionado com o estabelecimento de vínculos, dialogando com sentimentos e emoções.

Nós temos a escolha de estar receptivos, aceitar e absorver as informações (vínculo) ou rejeitar e bloqueá-las (defesa). Aprendizagem é o processo pelo qual variamos nossa resposta aos mesmos estímulos ou estímulos similares, dependendo do que é mais apropriado numa dada situação. (COHEN, 2014a, p. 9).

Como percepção é decodificação e interpretação, sempre há a possibilidade de termos percepções equivocadas das coisas, ou seja, a coisa em si é diferente da coisa que percebemos. É como coloca Bonnie Cohen:

[...] ainda que nosso conhecimento do mundo dependa dos sentidos, é importante reconhecer que o mundo criado por eles nem sempre corresponde exatamente à realidade física. Com efeito, [...] certas fontes de

informação sensorial muitas vezes nos induzem a erros e distorções sistemáticas, que desvirtuam a representação do mundo.” (COHEN, 2014a, p. 1)

O fato de identificarmos que existem enganos perceptivos pode nos causar um questionamento a respeito da própria percepção. Bonnie Cohense pergunta “[...] quão próxima será a correspondência verdadeira entre o mundo físico e o mundo subjetivo e interior criado por nossos sentidos?” (COHEN, 2014a, p. 1). E para finalizar essa pequena entrada nesse tema complexo, é importante mencionar que o engano perceptivo também pode ser causado por algum problema ou distúrbio fisiológico.

Nossos órgãos sensoriais não trabalham isoladamente. Nas palavras de Bonnie Cohen: “Cada modalidade sensorial influencia e é influenciada por todas as outras" (COHEN, 2014a, p. 9). Pelo cérebro são traçados os percursos sinápticos neuronais referentes a todos os processos de recepção dos estímulos sensoriais. Se algum sentido não se desenvolveu bem, outros sentidos podem utilizar as rotas que seriam usadas pelo sentido "acanhado" (COHEN, 2014a, p. 9). Durante o início do desenvolvimento ontogenético, na fase uterina e no início da vida fora do útero, os sentidos vão dando apoio uns aos outros para se desenvolverem. De acordo com Bonnie, "O tato e o movimento se desenvolvem primeiro e estabelecem a base para o olfato, audição e visão” (COHEN, 2014a, p. 9).

A estimulação dos sentidos é muito importante, pois expande nossas possibilidades de sentir e compreender. "Aumentando a eficiência e a integração de nossos sistemas sensoriais, aumentamos nossa gama de escolhas na interação com nós mesmos e com os outros e, desse modo, ampliamos nosso potencial de aprendizagem" (COHEN, 2014a, p. 9). Isso significa que devemos estimular o desenvolvimento de nossos sentidos; diversificar os estímulos. Podemos dizer que nosso fluxo na vida ganha mais vitalidade quando nossos sentidos estão aguçados e harmonizados entre si. No entanto, “Cada sentido precisa de sua própria autonomia para que possa se integrar com os outros sentidos com mobilidade/estabilidade dinâmica” (COHEN, 2014a, p. 9).

Considerar o processo da sinestesia (com 's') é algo que nos ajuda a compreender que as sensações trabalham juntas. A sinestesia consiste em relações de estimulação trocada entre esferas sensoriais diferentes. Por exemplo, determinado som, por estimulação sonora, pode tornar meu sentido tátil mais sensível. Em uma circunstância peculiar, na qual minha visão periférica tenha sido estimulada encontrando-se mais aguçada, pode ocorrer de meu sentido gravitacional ficar momentaneamente mais apurado. Em níveis mais fortes, a

sinestesia é incomum. Quem a experimenta desse modo pode, por exemplo, sentir cheiros ao ver imagens (inodoras), ou ver imagens ao escutar músicas.

O filósofo Alva Nöe diz: "perceber é uma maneira de agir" (NOE, 2006, p. 1, tradução nossa153). Esse entendimento está muito em sintonia com o modo como a Educação Somática encara a percepção. Nöe completa: "Perceber não é algo que acontece conosco, ou em nós. É algo que nós fazemos" (NOE, 2006, p. 1, tradução nossa154).