• Nenhum resultado encontrado

its self-imposed limits.

1.4.3 As camadas do desenvolvimento das habilidades corporais

Moshe Feldenkrais, em seu livro Consciência pelo movimento (FELDENKRAIS, 1977) nos traz um texto no qual discute três estágios do desenvolvimento das habilidades corporais: o estágio da herança comum, o da descoberta individual e o do aprendizado formal. Entretanto, apesar de falar em estágios, Feldenkrais lança mão da ideia de 'camadas', o que me parece mais coerente, já que esses estágios não se encontram apenas de modo sucessivo na linearidade cronológica, podendo coexistir e se interpor. Percebo que quando Feldenkrais se refere aos estágios, ele está fazendo um paralelo com os estágios da vida, as etapas do desenvolvimento humano. Então, ele está dispondo os acontecimentos de modo cronológico, como desencadeamentos. Creio que ele busca se referir ao como as camadas dão origem uma à outra, havendo uma inicial, uma intermediária e uma resultante final. No entanto, os tipos de experiências vivenciadas nos estágios podem continuar a ocorrer ao longo de toda a vida. Feldenkrais aponta que cada cultura, cada sociedade tem suas tendências no que diz respeito ao fomento aos três estágios/camadas (FELDENKRAIS, 1977, p. 46). De modo que algumas pessoas, a depender do contexto no qual vivem, podem passar apenas por dois estágios/camadas ou deixar de vivenciar plenamente os estágios/camadas.

Observando pela perspectiva do desencadeamento no tempo, o primeiro tipo de experiência diz respeito ao primeiro estágio. Está em questão a infância, e de modo especial, sua fase inicial. Nesse estágio, o desenvolvimento das habilidades corporais de uma pessoa se dá espontaneamente, em um contexto de convívio social e familiar. A criança aprende por tentativa e erro, observando os outros, imitando-os e procurando resolver seus próprios impasses. A transmissão do aprendizado vem do próprio fluxo existente no ambiente onde se vive. Em meio aos outros aprendemos a nos arrastar, a engatinhar, andar, pegar, brigar etc. E em relação a esses aprendizados, Feldenkrais enfatiza sua complexidade: "embora essas coisas venham a nós naturalmente, elas não são simples" (FELDENKRAIS, 1977, p. 43). Quando pensamos nesse tipo de experiência como camada, e não como estágio, observamos que esse tipo de aprendizado pode continuar ocorrendo por toda a vida, embora se torne mais raro, devido ao fato de as pessoas deixarem de viver a soltura corporal espontânea. Steve Paxton, em entrevista parte do DVD Material for the spine, fala que o homem desaprende a se mover conforme vai tornando-se adulto (PAXTON, 2008). De fato, o que observamos, na maior parte dos casos, é uma perda

145

da inteligência espontânea de movimento. Com a vida cada dia mais tecnologizada, o ser humano está deixando de usar suas possibilidades motoras.

De acordo com Feldenkrais, o primeiro estágio irá possibilitar ou não o desenvolvimento do segundo estágio, o das descobertas pessoais (Feldenkrais, 1977, p. 44). O segundo estágio advém a algumas pessoas quando seu desenvolvimento atinge um nível peculiarmente criativo, no qual a pessoa encontra um modo novo especial de executar práticas corporais espontaneamente vivenciadas no primeiro estágio. Para Feldenkrais, a tendência é que outras pessoas passem a adotar esse modo peculiar, quando nele notarem vantagens. Pessoalmente, gosto de expandir a ideia do segundo estágio, considerando que ele diz respeito ao aprimoramento individual autônomo de práticas corporais, sem que seja necessário haver alguma invenção, mas sim um avanço significativo na prática corporal, por meio de uma consistente apropriação das habilidades envolvidas. Considerando este estágio enquanto camada, observa-se que esse tipo de experiência pode surgir em diferentes fases da vida.

O terceiro estágio de Feldenkrais diz respeito ao aprendizado sistematizado e à profissão, já que alguns métodos serão utilizados para formar profissionais. Nas palavras de Feldenkrais: "Neste estágio [...] o processo está sendo realizado de acordo com um método específico" (FENDENKRAIS, 1977, p. 44). Interessantes e importantes questões são levantadas por Feldenkrais no que diz respeito a problematizações referentes a esse estágio ou camada. Para ele, muitas vezes, "sistemas conscientemente construídos" se levantam a partir de métodos intuitivos individuais, e nesse processo comumente se perde o espaço para a curiosidade e para a sabedoria instintiva (FELDENKRAIS, 1977, p. 45). Pessoas de diferentes idades são forçadas por outros ou por si mesmas a aprendizados sistematizados que envolvem determinadas habilidades corporais sem que tenham tido a oportunidade de conhecer essas habilidades no seu próprio tempo e a seu próprio modo.

Feldenkrais coloca: "O estágio sistemático de ação não é de todo vantajoso. Sua principal desvantagem é que muitas pessoas nem mesmo tentam fazer coisas especializadas" (FELDENKRAIS, 1977, p. 47). Por outro lado, em determinadas circunstâncias, é preciso que algumas habilidades sejam adquiridas diretamente pelo terceiro estágio.Observamos também que a transmissão sistematizada do conhecimento é algo necessário quando uma sociedade pretende dar ampla divulgação e acesso a determinados conhecimentos. As técnicas, métodos e sistemas de aprendizado têm essa função. No entanto, paradoxalmente, ao mesmo tempo que elas facilitam a transmissão dos conhecimentos, elas também a dificultam.

Podemos considerar que a Educação Somática, por liberar a vida do movimento, ativa uma disposição ao movimento, o que pode nos proporcionar momentos típicos de primeiro estágio. Por outro lado, pelo aprendizado somático, nos tornamos mais capazes de desenvolver nosso segundo estágio, pois nos momentos do aprendizado nos investigamos, descobrindo nossos limites e ampliando-os. Esse autoconhecimento, por sua vez, nos faz ter uma relação mais produtiva com o terceiro estágio, já que teremos condições de vivenciar a apropriação dos conteúdos que estejam em questão.

Finalizando este tópico e este capítulo, vale a pena enfatizar que a Educação Somática, com suas conceitualizações, questões empíricas e procedimentos peculiares abriu e abre portas para o ser humano se conhecer e se reinventar. Conforme fora colocado no tópico 'A Educação Somática e as Artes da Cena: frutos e raízes' (página 61), a Educação Somática e as Artes da Cena se ajudam mutuamente desde os primórdios do campo da Educação Somática. Esta tese deseja ser uma contribuição para essa relação bonita e potente.