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A MÚSICA BARROCA DA FRANÇA "CLÁSSICA"

No documento MASSIN 1997 Historia Da Musica Ocidental (páginas 195-200)

Das músicas populares à música do rei

A música francesa do século XVII é, em seu conjunto, pouco conhecida pelo públi- co, e muito pouco executada. Contudo, quando se estuda esse período da história francesa, não há como não admitir que essa foi uma das épocas em que a música desempenhou papel de primeira importância na vida social daquele país. Basta abrir os escritos daquele tempo, interrogar os documentos históricos ou sociológi- cos, olhar os quadros da admirável escola francesa de pintores da vida cotidiana— tudo nos mostra, em todos os planos, uma sociedade que vivia em meio à música. Louis Le Nain representa as paisagens mais pobres, sem nada esconder: no centro da miséria, uma criança toca um flajolé. O irmão de Louis, Antoine Le Nain, pinta cenas da vida de artesãos prósperos, uma reunião de família em dia de festa: um avô toca alaúde, uma moça canta. Um pintor anônimo faz-nos penetrar no lar de burgueses abastados? Uma espineta, urna viola, mais uma vez um alaúde, com um violinista e um jovem cantor. Estamos em casa nobre? Canta-se e toca-se — e de novo o alaúde, instrumento favorito do século. Lemos Mme. de Sévigné? Ela não pára de falar de música, e como conhecedora que era; é ela quem nos ensina que se cantavam árias de Lully nos salões e nas cozinhas, e também no Pont-Neuf. Abrimos um livro de história? Aprendemos que Luís XIII era compositor, que Ana d'Áustria tocava alaúde, que Luís XTV vivia com música, gostava de ópera a ponto de rever oito vezes seguidas a mesma obra e de cantarolar as árias durante o dia. Mas a melhor testemunha é Molière. A música está presente em todas as suas obras. Será preciso lembrar que o primeiro ato de Le Bourgeois gentilhomme tem como

únicos personagens, à volta de monsieur Jourdan, um professor de música, um professor de dança, cantores e músicos? Toda a comédia passa-se entre eles.

No século XVII, a música era um fato social. Estava presente em toda parte e era ouvida a cada instante durante todo aquele século, não apenas em cada sala e em cada jardim de Versailles, mas na mais humilde das casas, nas praças, nas ruelas — e, é claro, nas igrejas — "sonorizadas" de manhã à noite.

MÚSICA POPULAR E MÚSICA ARISTOCRÁTICA

Até o século XVII, a música francesa era relativamente homogênea: a música popu- lar e a música erudita, a música das ruas e a música dos castelos ainda não estavam totalmente separadas uma da outra, como iria progressivamente acontecer no de- correr daquele século e do seguinte. Havia poucos músicos profissionais; mas os "mestres tocadores de instrumentos" das aldeias estavam ligados à Confrarie de Saint-Julien des Ménestriers, cujo chefe era um músico do rei. Durante o sécu- lo XVII produziu-se uma "profissionalização" progressiva, que não se fez sem cho- ques, tal como fica atestado pelo conflito dos músicos do rei (com Couperin no comando) contra a velha estrutura corporativa (Les Fastes de la grande et ancienne

menestrandise, peça para cravo de F. Couperin, é a tradução humorística desse con-

flito). A música francesa, contudo, permaneceria visivelmente ligada a formas de expressão de origem popular: a air de cour ("ária de corte") permanece mais próxi- ma da chanson do que da aria italiana, e a música de dança nunca deixou de ali- mentar-se das fontes populares (minuetos de Poitou...) e de fazer com que formas oriundas destas últimas penetrassem até mesmo na ópera.

UM SÉCULO DIVIDIDO EM DOIS

Seja qual for a prudência com que é preciso encarar os "cortes" históricos, a música francesa do século XVII divide-se em dois períodos claramente distintos, contras- tados pela escrita, o gosto, o estilo e a expressão: o limite está entre 1660 e 1670 e corresponde ao início do reinado pessoal de Luís XTV. A reforma da música da Capela Real, o novo luxo das diversões da corte, a criação da ópera são bem dire- tamente imputáveis a Luís XTV, que se imiscuía pessoalmente nos assuntos musi- cais. Outros domínios, embora demonstrando cesura idêntica aproximadamente na mesma época (música instrumental), evoluíram determinados por outras cau- sas mais difíceis de precisar. Convém, desse modo, estudar gênero por gênero da música francesa do século XVII, assinalando-se, no seio de uma evolução contínua, essa cesura característica.

FRANÇA E ITÁLIA

As relações entre França e Itália eram então permanentes, e a presença de uma rainha de origem florentina — Maria de Médicis — e, depois, de um todo-pode¬ roso cardeal romano — Mazarino — no governo do reino influenciaram conside-

ravelmente os destinos da música francesa. Foi Maria quem atraiu Caccini para Paris, e foi Mazarino quem instalou na corte os "músicos do Gabinete", todos ita- lianos, e que fez encenar em Paris La finta pazza [A louca fingida, 1645] e o Orfeo

[Orfeu] de Luigi Rossi (1647), Serse [Xerxes] e Ercole amante [Hércules apaixona- do] de Cavalli (1662), que iriam assinalar o surgimento da ópera; a vinda de Lully para Paris (1646) foi apenas a vinda de mais um italiano entre dezenas de outros. Lazzarini era violinista da "banda" de músicos do rei; Corbetta era um guitarrista. Músicos franceses trouxeram para Paris o que haviam aprendido além-dos-mon- tes: depois de uma permanência na Itália, o cantor Pierre de Nyert transformou o canto à francesa e, mais tarde, Marc-Antoine Charpentier voltaria de Roma im- pregnado da arte de Carissimi. Sem uma espécie de incessante fecundação por parte da Italia, a música francesa não teria tido o destino que teve.

A ária de corte

O século XVI assistira ao florescimento e ao desabrochar da "canção francesa", tão vigorosamente diversificada. Escrita em geral para quatro ou cinco vozes e valen- do-se ora de uma polifonia amiúde requintada, ora de um estilo homófono mais simples e direto, a chanson française parecia brotar de uma fonte viva, tão frescas eram as melodias e tão leve sua démarche. Por vezes desenvolvia-se a partir de aíreseos descritivos (Janequin: Chant des oiseaux, a Bataille de Marignan etc.). Os maiores poetas do tempo — particularmente Ronsard — viam na chanson o pro- longamento de sua arte.

Foi a influência dos poetas que determinou o caminho tomado pela canção francesa. Os humanistas do final do século XVI orientaram os músicos no sentido de urna arte mais requintada, não na escrita, que continuava a ser simples e afável, mas na inspiração e na escolha dos temas.

Desse modo, nos últimos anos do século XVI e na primeira metade do sécu- lo XVII, surgiu o que se chamou de air de cour, que conservava da canção a simpli- cidade do porte e da melodia, e que, muitas vezes, continuava a ser escrita para quatro ou cinco vozes.

A moda do alaúde também modificou profundamente a natureza do canto francês, no mesmo momento em que modificava o canto italiano. A escrita poli- fónica a quatro ou cinco vozes foi pouco a pouco dando lugar a uma única linha melódica acompanhada pelo alaúde, depois pelo cravo. Mas essa transformação se fez de modo diferente de um lado e de outro dos Alpes, e toda a evolução futura do canto francês e do canto italiano seria governada pela maneira como de início foi abordada a monodia acompanhada. A Itália descobriu quase imediatamente o estilo recitativo, isto é, uma recitação musical ligada ao texto poético, e toda a ópera já estava em germe nessa descoberta. A França, ao contrário, permaneceria fiel ao estilo da canção, em que a melodia independe da acentuação das palavras e a simplicidade prevalece.

362 Terceira parte: o século XVII

Em 1603, J.-B. Bésard publicou uma coletânea de transcrições para canto e alaúde; em 1604, Caccini, compositor e cantor florentino, veio passar uma tempo- rada na corte francesa: a França descobriu com Caccini simultaneamente a recita- ção cantada e a arte da ornamentação vocal, duas características que a air de cour adotou e desenvolveu à sua maneira. Os doubles ornamentados apareceram em 1629, com Moulinié. Aproximadamente em 1640, Pierre de Nyert, de volta da Itá- lia, realizou uma verdadeira síntese do canto francês com a "maneira" italiana: a ária de corte atingiu então a perfeição, com Cambefort, Le Camus, J.B. Boesset, Cambert e principalmente Michel Lambert (1610-1696).

A arte do canto "ó la française" atingiu, por volta de meados do século XVII, um extraordinário refinamento: "Falta", dizia o compositor italiano Luigi Rossi, "mú- sica italiana na boca dos franceses." Bénigne de Bacilly deixou, em Remarques

curieuses sur l'art de bien chanter [Curiosas observações sobre a arte de bem can-

tar], o código dessa arte sutil, preciosa e plena de virtuosismo.

A suíte: alaúde e cravo

Uma evolução paralela à do canto iria afetar a música instrumental. Enquanto na Itália esboçava-se uma arte autônoma, que iria resultar na elaboração da sonata e do concerto, a música francesa permaneceu fiel às suas origens. Na França, assim como a música vocal deu continuidade à canção, a música instrumental deu con- tinuidade à dança.

Os primeiros editores franceses de música instrumental do século XVI deixa- ram como legado, no essencial, danças: pavanas, basses dances, galhardas, tordi- lhões e branles, cuja execução era geralmente confiada a grupos de instrumentos diversos: flautas, oboés, cornamusas, violas.

Mais uma vez, o alaúde precipitaria a evolução: nunca se dirá o suficiente sobre a importância capital que a moda desse instrumento teve para a história da mú- sica. Foi ele que fez nascer a noção de melodia acompanhada. Foi parcialmente dele que veio o sentimento harmônico que pouco a pouco substituiu a prática da polifonia. Foi ele que levou os músicos a estruturarem a sucessão dos movimentos de dança em uma "suíte". Já no século XVI, certas danças apareciam aos pares, e assim uma nobre pavana era geralmente seguida por uma galharda. Mas o alaúde, com suas onze ou quatorze cordas, era demorado e difícil de afinar. Por isso, criou- se o hábito, logo adotado por quase todos os alaudistas de, depois de haverem improvisado livremente à guisa de prelúdio, só tocarem em seguida peças de uma mesma tonalidade.

Essa necessidade de unidade tonai, em conjunto com a necessidade de uma diversidade na sucessão dos movimentos e dos ritmos, resultou na criação de um gênero bastante flexível, a suíte: um prelúdio muito livre, seguido de um certo número de danças lentas e nobres (allemandes, sarabandas), e de outras vivas e animadas (courantes e gigas), alternadamente.

A música barroca da França "clássica" 363

No século XVII, praticava-se o alaúde em todos ambientes e meios sociais, mas um certo número de compositores virtuoses deixaram obras escritas sob a forma de tablatura: J.-B. Bésard, Gaultier, o Velho, e sobretudo o sobrinho deste, Denis Gaultier (1603-1672), cuja coletânea intitulada Rhétorique des dieux [Retórica dos deuses] transmite o essencial dessa arte discreta, requintada, medidativa, por vezes melancólica.

Foi em parte do alaúde que veio a arte dos cravistas. No início do século, o cravo passou por uma importante mutação técnica, particularmente sob o impul- so dos fabricantes Rückers, de Antuérpia. Por volta de 1630, o cravo já atingira todas as suas possibilidades, com os dois teclados e todos os registros. Foi nessa época que o primeiro dos grandes cravistas franceses conferiu a esse instrumento os seus títulos de nobreza: Jacques Champion, que era cravista do rei e cujo pai, Thomas Mithou, havia desposado a filha de um alaudista inglês (e essa filiação é um símbolo...). O filho de Jacques Champion, que se chamou Jacques Champion de Chambonnières (ca. 1601-1672: e também é um símbolo a promoção social representada na partícula de...) sucedeu ao pai de 1638 a 1662. Foi o fundador da escola francesa de teclado, para a qual havia legado novas formas (o prelúdio não compassado, a suíte de danças, a estrutura binária das peças) e o hábito de dar a cada uma delas um título evocador. Todas essas características foram transmitidas por Chambonnières a seus discípulos, entre os quais estava o nome mais ilustre do cravo francês: François Couperin.

O órgão

Na França daquela época, o órgão é nitidamente individualizado em relação ao resto da Europa, a começar pela própria fabricação dos instrumentos. É preciso não esquecer nunca, quando se fala de órgãos, que cada um deles tem sua origina- lidade, sua composição particular, sua dosagem de sonoridades. Um violino, uma viola, uma flauta, sejam quais forem as diferenças de detalhes, sempre serão um violino, uma viola, uma flauta. Mas cada órgão tem uma personalidade, conforme o tipo de registros utilizados, o equilíbrio e a técnica própria do fabricante. É claro que existem tendências gerais, que já se encontravam relativamente definidas nos séculos XVII e XVIII. O órgão italiano era claro, bastante fino, um pouco terno. O órgão alemão do Norte era rico, potente, variado. O órgão francês opunha-se tanto a um como ao outro. Antes de mais nada, era rico em cores. Para ele era preciso haver registros sofistas bem caracterizados, palhetas, intervalos bem mar- cados e matizados, sem serem agudos. Era preciso um rico e brilhante registro pleno. Só aí a arte dos compositores franceses e os instrumentos que tocavam se corresponderiam e se reforçariam. Essa tendência, manifesta desde o início do século XVII, não deixaria de se desenvolver em uma evolução contínua até a Revo- lução, com os grandes fabricantes franceses — os Clicquot, os Thierry, os Isnard

— caminhando em direção a uma progressiva clareza, a um maior colorido e a um mais fantástico brilho.

O primeiro grande organista francês foi um cônego de Rouen, Jean Titelouze (1563-1633), cuja obra, um pouco severa mas de sonoridade suntuosa, deu o tom a um século e meio de música. Seus "registros plenos", sobre temas de cantochão, que soavam sobre os "registros de palheta" em tenor ou em baixo, eram modelos que seriam usados por todos os seus sucessores. Roberday, na metade do século, tinha maior flexibilidade. Nivers (1632-1714), Nicolas Lebègue (1631-1702), Rai- son, d'Anglebert iriam diversificar a arte dos organistas, tornando-a mais leve, e adotariam uma quadratura próxima da suíte, em que faziam alternar grandes pá- ginas confiadas ao "registro pleno" e movimentos mais livres, freqüentemente confiados a um solista: récita de cromorno ou de cometo, baixo de trómpete etc. O ritmo da dança acompanhava a influência do recitativo da ópera.

Enquanto a liturgia quase não dava aos compositores a possibilidade de escre- ver missas em música (excepcionalmente na França, com exceção dos Charpen- tier), os organistas compunham versículos muito curtos, destinados a alternarem- se com o cantochão do coro. Com essas suítes e essas missas para órgão, a escola francesa atingiu, entre 1660 (Livre, de Roberday) e 1714 (Deuxième livre, de André Raison), o seu auge. No interior dessa escola florescente, os Couperin criaram para si um lugar privilegiado que comentaremos mais adiante.

Ao lado dos Couperin, um admirável músico nos faz lamentar a brevidade de sua vida simples e de segundo plano: foi Nicolas de Grigny (1672-1703), aluno de Lebègue e organista da catedral de Reims. Deixou-nos um único Livre para órgão, que continha uma missa em cinco hinos. Como François Couperin, era um her- deiro da dupla tradição francesa: a dos polifonistas, como Titelouze, e a que fora ilustrada com as Suites e Messes de Nivers e dos Lebègue. Grigny mesclava intima- mente as duas estéticas e retirava dessa afiança resultados inesperados e requinta- dos, em que às vezes dominava o lirismo.

Johann Sebastian Bach tinha pelo Livre de Grigny tão alta estima que copiou- o integralmente à mão. O livro marcava, sem a menor dúvida, o auge da Escola Francesa de órgão, com maior rigor e tanta poesia quanto a coletânea, tão próxi- ma, de François Couperin.

Os Couperin

A família Couperin era uma daquelas tribos de músicos produzidas pela sociedade de antigamente. Como tal, transmitia sua arte de geração em geração, como se ela fosse um artesanato. Sem ser tão profícua quanto a família Bach, que produziu uns quarenta músicos, a família Couperin atravessou musicalmente um século e meio. O primeiro Couperin organista foi Charles, que tocava os órgãos de Chaumes-en-

366 Terceira parte: o século XVII

Brie no início do século XVII, como amador esclarecido. A continuação da historia tem qualquer coisa de conto de fadas: três jovens apresentaram-se um dia na pro- priedade de Chambonnières, perto de Chaumes, durante uma refeição em que o dono da casa festejava o dia de São Tiago, e dedicaram-lhe um toque de alvorada. Foram convidados para entrar e tomar lugar à mesa. Chambonnières, surpreso com a qualidade da música que acabara de ouvir, perguntou quem era o autor: era Louis Couperin, o mais velho, que tinha cerca de 25 anos. O músico do rei cum- primentou-o, dizendo "que um homem como ele não era feito para ficar em uma província: era absolutamente imperioso que ele fosse para Paris". Ele foi, recebeu lições de Chambonnières. Três anos depois, foi nomeado organista da Igreja de Saint-Gervais, em Paris, posto que seria ocupado por membros da família Coupe- rin sem interrupção até o século XIX. O rei quis nomear Louis Couperin ordinaire

de la musique du roi pour le clavecin ("titular da música do rei para cravo"), em

substituição ao próprio Chambonnières. Louis Couperin recusou, por considera- ção a seu benfeitor, e recebeu o título de "alto de viola", especialmente criado para ele pelo rei. Louis Couperin morreu antes dos quarenta anos, deixando umas 150 peças de cravo e algumas obras para órgão e para viola.

A obra de Louis Couperin {ca. 1626-1661) é admirável. Os prelúdios não rit- mados em que, segundo a tradição francesa, o compositor deixa ao intérprete o cuidado de encontrar livremente o impulso rítmico, as danças lentas, sarabandas e chaconas, todas as suas composições são de uma grandeza e de tal intensidade que algumas constituem verdadeiras obras-primas da literatura para cravo.

Louis Couperin levou até o extremo o semi-romantismo latente na música francesa dessa segunda/terça parte do século XVII. A harmonia ousada e o uso do cromatismo tinham, em sua obra, uma função dramática. Louis Couperin era um poeta, e um poeta grave e sombrio; de maneira a mais leve, essa poesia pode ser reencontrada na obra de seu sobrinho François.

Os dois irmãos de Louis, François e Charles, haviam-no seguido a Paris. A reputação deles também foi grande, mas nada deixaram, a não ser, no caso do segundo, um herdeiro de que falaremos adiante e que iria tornar-se o grande Fran- çois Couperin.

O balé de corte

Os dois pólos de atração da música francesa eram, no século XVII, a canção (daí a ária de corte) e a dança. A fusão dessas duas tendências criou um gênero que é próprio da França e que assumiu uma importância considerável: o ballet de cour. O balé de corte apareceu no reinado de Henrique III, em 1581, com o Ballet co-

mique de la reyne [Balé cômico da rainha], de Balthasar de Beaujoyeux, cujo

nome verdadeiro era Baltassaro de Belgiojoso: mais um italiano que inaugurava uma nova vertente da música francesa... Desenvolveu-se o ballet de cour, com

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transformações diversas, até cerca de 1670, data em que engendrou a ópera "à la

française'.

O ballet de cour é herdeiro do baile e conservou até o fim essa particularidade de não ser dançado por profissionais, mas por amadores da mais elevada posição social: o rei, a rainha, as princesas, o delfim, os maiores nomes da nobreza. Era um espetáculo privado que a corte concedia a si mesma. Mas é preciso lembrar que a dança era então, como a formação para as armas e a música, e bem mais que a literatura, um item essencial da educação nobre: era menos um mVertimento do que uma atividade séria, e seriamente desempenhada. A dança hoje em dia é uma diversão; então, era parte essencial do decorum barroco, em uma época em que "aparecer" era uma arte.

Essa cultura coreográfica generalizada permite já por ela mesma compreender por que a música francesa estava a tal ponto dominada pela dança, por que os cravistas, violinistas e alaudistas tocavam as músicas de dança, e por que a ópera francesa — quando veio a aparecer — reservou à dança um lugar tão considerável. O ballet de cour era uma diversão de corte, em torno de temas romanescos (a libertação de Renaud, Alcidiane...), mitológicos (Andrómeda, as festas de Baco, o nascimento da Vênus, Psiquê...) ou simplesmente alegóricos (os prazeres, o amor

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