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PARA ALÉM DOS GÊNEROS PROPRIAMENTE DITOS

No documento MASSIN 1997 Historia Da Musica Ocidental (páginas 62-64)

E OS GÊNEROS MUSICAIS

PARA ALÉM DOS GÊNEROS PROPRIAMENTE DITOS

Abertura. Em sua acepção mais geral, o termo (em francês ouverture, em inglês overture, em alemão Ouverture) designa uma peça orquestral tocada ainda com a

cortina cerrada, antes de uma representação operística ou mesmo de qualquer espetáculo. Durante a primeira metade do século XVIII (Rameau, Gluck), come- çou-se a levantar o problema das relações musicais e dramáticas entre a abertura e a obra que ela antecede. Esse problema tem sido resolvido, até os dias de hoje, de maneiras as mais diversas, muitas vezes pela substituição da "abertura" por um "prelúdio", como se deu no Lohengrin, de Wagner. Com Leonora III (1805), Beethoven escreveu menos uma abertura do que uma peça de concerto indepen- dente. Em 1807, Beethoven deu mais um passo com Coriolano, abertura de con- certo, que não era mais seguida por ópera alguma. Em 1822, fez o mesmo com a

Consagração da casa. Mendelssohn, com Fingals Hõhle [A gruta de Fingal] e Mélusine, seguiu-lhe o exemplo e foi, por sua vez, seguido por outros. Dali por

diante, não se pode mais discernir qual linha divisória separa a abertura de con- certo e o poema sinfônico.

Poema sinfônico. Gênero musical assim denominado pela primeira vez por Franz

Liszt, que corresponde a uma obra orquestral determinada, quanto à sua concep- ção e estrutura, por um argumento exterior, de ordem poética, descritiva, pictóri- ca, lendária, filosófica, etc. O poema sinfônico engloba praticamente tudo quanto permite a imaginação, seja no plano da estrutura, seja no da inspiração. Observe- se, entretanto, que bem antes do século XIX existiram peças musicais inspiradas

por argumentos exteriores que lhes determinam até certo ponto a estrutura; que não basta uma partitura ter um título ou caráter evocativo para que a composição seja um poema sinfônico; que as estruturas das grandes obras de música "pura" (concertos de Mozart, sinfonias de Haydn) são tão diversas quanto as dos poemas sinfônicos de Liszt ou de Richard Strauss; por fim, que, por melhor que seja o "tema" ou o argumento, ele jamais poderá garantir sozinho a coesão e o valor musicais: um poema sinfônico é, antes de tudo, também feito de notas.

O interesse de um número cada vez maior de compositores pelo poema sinfô- nico não deve ser relacionado à tola querela "música de programa contra música pura": a Pastoral Symphonie [Sinfonia pastoral], de Beethoven, a Symphonie Fan-

tastique [Sinfonia fantástica], de Berlioz, e a Faust-Symphonie [Sinfonia Fausto],

de Liszt, são tão "de programa" quanto Mazeppa, poema sinfônico do próprio Liszt. A idéia do poema sinfônico prende-se, antes, à tomada de consciência cada vez maior das afinidades entre conhecimento poético e expressão musical, de uma parte, e, de outra, à necessidade crescente dos compositores de se libertar do mo- delo tirânico da sinfonia clássica e das receitas fabricadas por uma classe de falsos eruditos com base nas criações geniais dos grandes vienenses.

Fantasia. Em sua acepção mais geral, o termo fantasia (em alemão, Fantasie; em

francês, fantaisie; em inglês, fantasy ou fancy; em italiano, fantasia) designa uma peça instrumental de forma bastante livre, próxima da improvisação, mas que não deixa de estar relacionada com outras formas mais estritas já em uso. Concreta- mente, a fantasia evoluiu entre dois pólos que se relacionam por meio dela: de um lado, a liberdade — ou, melhor dizendo, a desconsideração pelas normas — e, de outro, o rigor (Fantasia para piano em dó menor K 475, de Mozart).

Prelúdio. Por oposição à introdução, teoricamente ligada ao que a segue, o prelúdio

(em alemão, Vorspiel ou Prãludium; em francês, prélude; em inglês, prelude; em italiano, preludio) é uma peça autônoma que serve para introduzir o corpo prin- cipal de uma obra de que faz parte, ou mesmo uma outra obra, ou ainda um grupo de obras sem relações diretas com ele. Por exemplo: breves intervenções de órgão antes das diversas partes da missa; ou, nas Suítes inglesas de Bach, os prelú- dios que se distinguem das danças propriamente ditas. Por extensão, peça que introduz uma fuga, uma cantata, uma ópera, o que faz do termo, de certo modo, sinônimo de introdução ou abertura. Com seus prelúdios para piano, Chopin es- creveu uma série de peças curtas que nada introduzem a não ser o silêncio ou a peça seguinte, mas cuja origem é possível buscar, em parte, no hábito dos pianistas improvisarem brevemente antes de tocarem. O único grande sucessor de Chopin na composição de prelúdios para piano foi Debussy.

Rapsódia. O termo rapsódia (em alemão, Rhapsodie; em francês, rhapsodie ou rapsodie; em inglês, rhapsody; em italiano, rapsodia) designa geralmente, desde o

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século XIX, uma peça instrumental de essência romântica ou pictórica, com um só movimento e de forma livre (guardando certa proximidade com a improvisação) e caráter contrastado.

Estudo. Os estudos (em alemão, Etüden ou, antigo, Übung; em francês, étude) são

peças centradas em determinado problema técnico de execução, como os estudos de Czerny, mas não necessariamente incompatíveis com os mais elevados valores musicais, como os estudos para piano de Liszt, Chopin e Debussy.

Impromptu. Peça de caráter lírico ou virtuosístico, de estilo improvisado, escrita

quase sempre para piano (Schubert, Chopin). Na verdade, com diversas denomi- nações — Bagatelles [Bagatelas], de Beethoven; Impromptus [Improvisos], Mo-

ments musicaux [Momentos musicais] ou simplesmente Klavierstücke [Peças para

piano] de Schubert, etc. — muitas vezes escolhidas pelos editores e não pelos au- tores, o impromptu (palavra francesa) expressa a reivindicação pelas pequenas for- mas livres, impressionistas ou sonhadoras, face às grandes estruturas da sonata ou mesmo da fantasia. Mas esta liberdade não exclui a busca de uma arquitetura mu- sical: as peças de Schubert, por exemplo, comportam quase sempre uma parte central análoga ao trio de um minueto ou de um scherzo; e muitas das obras de Schumann (Carnaval, Kreisleriana, etc.) são feitas de uma sucessão de pequenas peças cujo conjunto não é de forma alguma fruto do acaso. Está neste caso em ação a mesma estética romântica que substitui o longo poema épico, como a Hen-

riade, de Voltaire, ou didático, como Les jardins [Os jardins], do abade Delille, por

uma coletânea de poemas rigorosamente reunidos, como Les contemplations [As contemplações], de Victor Hugo.

Noturno. Em sua origem, espécie de serenata vesperal (notturno, em italiano), es-

crita para sopros ou cordas (Mozart). Durante o romantismo, peça de caráter ele- gíaco, em um só movimento, geralmente para piano. O pianista e compositor ir- landês John Field (1782-1837) foi quem abriu caminho para os Nocturnes de Chopin, os Nachstücke de Schumann e os Nocturnes de Fauré, entre outros.

Scherzo. Peça de forma análoga à do minueto (com trio central), só que mais rá-

pida, mais tensa e mais expressiva. Tomou o lugar do minueto em alguns quartetos tardios de Haydn, antes que Beethoven e seus sucessores fizessem disso um proce- dimento corrente. Devem-se a Chopin quatro Scherzi para piano, todos peças in- dependentes. Em italiano, a palavra significa "brincadeira" ou "diversão", mas o caráter humorístico aos poucos desapareceu. A expressividade do scherzo é quase sempre dramática, ou mesmo trágica, em Beethoven e nos românticos em geral. O sentido humorístico, entretanto, permanece ligado à indicação sherzando apos- ta a um andamento. Uma demonstração disso bastante interessante pode ser en- contrada na Sinfonia n° 8, de Beethoven, cujos movimentos centrais são um

Allegretto scherzando (uma brincadeira com o metrónomo de Maelzel) e um Tem-

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po di minuetto, intencionalmente arcaizante, mas onde a admirável frase confiada

às trompas no trio atinge, talvez, o mais alto vôo poético em toda a obra.

Música de câmara. Em sentido moderno, o termo aplica-se a composições para

pequeno número de instrumentos solistas (de dois a nove, ou mesmo dez). Até mais ou menos 1740, antes da aparição dos concertos públicos, a expressão desig- nava a música própria para ser tocada em residências particulares (mesmo que fosse a do rei), por oposição à música tocada em igrejas e teatros. Ainda bastante vaga até a metade do século XVIII, a distinção entre música de câmara, no sentido moderno, e música sinfônica ou para orquestra tornou-se clara com Haydn e Mo- zart. Do ano de 1770 até a morte de Beethoven e de Schubert, música de câmara designava exclusivamente o quarteto para cordas, apesar da existência dos quinte- tos de Mozart e de Schubert ou dos trios de Haydn e de Beethoven.1 Durante todo

o século XIX, a música de câmara permaneceu como domínio privilegiado dos amadores; só depois, principalmente com Schõnberg, é que penetraria no campo do poema sinfônico e se encontraria com a orquestra num terreno completamente novo (a música "sinfônica" do século XX tende, volta e meia, a tratar como solista cada membro da orquestra, apesar do grande número de músicos). Atualmente, as fronteiras voltaram a ser bem delimitadas, e seria lícito perguntar se o fenômeno "música de câmara" não corresponderia definitivamente a uma atitude em face do fenômeno sonoro: a capacidade de alguém não só tocar e ouvir-se, mas também de recolher-se e ouvir os outros. A música de câmara, no sentido moderno, nas- cida pouco antes de 1789, seria ao mesmo tempo competição e dialogo.

É significativo que o quarteto para cordas tenha aparecido em torno de 1760, seguido logo depois do quinteto para cordas. Em Haydn, Mozart, Beethoven e Schubert, os quartetos e quintetos para cordas acompanham a divisão sinfônica em quatro movimentos, que progressivamente se foi impondo. O mesmo aconteceu com os trios para piano, violino e violoncelo, que constituem, em menor grau, um gênero maior. Já no que diz respeito aos divertimentos e serenatas executados por trios para cordas, ao quinteto para piano e cordas Die Forelle [A truta] de Schubert, ao septeto para sopros e cordas de Beethoven, ao octeto para sopros e cordas de Schubert, o número de movimentos pode ir de cinco a oito, conservando-se a antiga divisão da suíte. Alguns dos últimos quartetos de Beethoven chegam a ter de seis a sete movimentos, mas num sentido absolutamente contrário ao de um arcaísmo!

No documento MASSIN 1997 Historia Da Musica Ocidental (páginas 62-64)