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TÉCNICA E NOTAÇÃO DO CANTO GREGORIANO

No documento MASSIN 1997 Historia Da Musica Ocidental (páginas 85-90)

Para a transmissão dos cantos litúrgicos, a notação musical não é de modo algum necessária. Deve-se, entretanto, matizar essa declaração de princípio com uma dis- tinção prévia.

Em primeiro lugar, o termo "cantos litúrgicos" não abrange as leituras tiradas da Bíblia, que são executadas pelos leitores, pelos subdiáconos e diáconos, cabendo exclusivamente a estes últimos a leitura do Evangelho. Em todas as Hturgias da bacia mediterrânea, as leituras do ofício noturno e da missa são "cantiladas", isto é, lidas recto tono, seguindo pequenas fórmulas de entonação, de meia-cadência para a pontuação "fraca" e de cadência mais ornamentada para a pontuação "for- te", ou seja, no fim do período. Esquematizando, podemos assim descrever a canti- lação da leitura: dois altos platôs ligados entre si por vale estreito (é a cadência intermediária do ponto e vírgula). De um salto, acede-se à altura (é a fórmula breve de entonação), descendo-se de maneira gradativa (é a fórmula de cadência). Sobre os platôs, a leitura se executa como no Sprechgesang do Pierrot lunaire

[Pierrô lunar] de Schõnberg, articulando bem, mas sem variações melódicas... Nisso consiste o recto tono.

As cadências e semicadências não se improvisam: as fórmulas melódicas de- vem ser adaptadas ao texto segundo leis absolutamente precisas que nós, francó- fonos, concebemos com dificuldade, já que nossa língua francesa atual deixou de levar em conta esse importante elemento lingüístico. O acento tônico, alma da palavra grega ou latina, tem, de fato, posição preponderante na entonação e uma situação menos privilegiada nas cadências. Também nas Bíblias e nos lecionados,

tanto no Oriente como no Ocidente, é freqüente encontrarmos, mesmo em épocas muito antigas, signos convencionais destinados a lembrar aos leitores as sílabas sobre as quais deviam fazer-se entonações e cadências. Muitas vezes, esses sinais não são traçados pela mão do copista que transcreveu o texto sagrado: são acres- centados pelo clérigo ao preparar este, antecipadamente, a leitura que lhe compete fazer. Semelhantes acréscimos estenográficos são encontrados no Ocidente.

Os especialistas chamaram esses signos de notação ecfonética, ou seja, notação dos finais. Na verdade, os sinais convencionais assim acrescentados, que lembram uma pequena fórmula de clausula rítmica, não chegam a constituir uma notação musical propriamente dita. Em uma notação musical, por mais simplificada que seja, a cada nota da melodia corresponde um sinal preciso, seja um ideograma — acento agudo, acento grave, etc. —, seja uma das letras do alfabeto, seja, finalmente, um signo convencional que indica o intervalo a separar cada grau da escala de sons, ou seu lugar no interior do tetracórdio ou grupo de dois tons mais um semitom.

As origens da notação musical

Mas, e por falar nisso, por que a notação musical? Qual a vantagem de impor um suplemento de trabalho aos copistas? Num mundo em que a transmissão do saber se fazia antes que tudo pela oralidade, num universo em que a assimilação praze- rosa da Bíblia pela memória — meãitatio — substituíra a de Virgílio, nesse povo de clérigos, de salmistas e de chantres que passavam dez anos de sua existência ensaiando os cânticos — recorâatio — a serem apresentados de cor durante a ce- lebração litúrgica, é o caso de indagar-se a razão de ser de uma notação musical. O mais curioso, nessa história das origens, é o fato de que duas esferas litúrgicas bem delimitadas tenham sentido a necessidade de fixar no pergaminho a linha melódica dos cantos melismáticos da missa e do oficio: os países de língua grega submetidos ao basileus de Bizâncio, no Oriente; o império carolíngio, no Ociden- te, e também a Espanha, que, desde o século VII, possuía um repertório aparentado aos ritos galicanos, diferentes do rito romano pelo estilo de seus cantos.

Dessa constatação geográfica à hipótese de uma origem única para as notações musicais bizantinas e latinas, não havia mais que um passo. Esse passo foi dado galhardamente por musicólogos como J. Wolf, J.B. Thibaut, Constantin Floros, etc., que fundamentaram sua hipótese menos sobre semelhanças gráficas do que sobre ressonâncias helénicas na designação de certos neumas latinos: apostropha,

quilisma (Kylisma), epiphonus, etc. Ora, esses termos helenizados só aparecem na

tradição musical muito tempo depois da invenção e do uso repetido dos sinais neumáticos.

Em que época e em que região podemos situar a invenção dos primeiros sinais de notação musical? Os paleógrafos estão de acordo quanto a que os neumas — ou seja, as combinações de acentos e de sinais de pontuação do discurso (pontos,

vírgulas, pontos de interrogação, etc.) — foram acrescentados na segunda metade do século IX aos manuscritos anteriores ao ano 800. Por conseguinte, os neumas terão sido inventados por volta de 800-830. Difundiram-se por toda parte, mas diferenciando-se conforme as regiões, um pouco como aconteceu com os estilos da iluminura... Hucbald, teólogo e teórico musical, monge de Saint-Amand, ensi- nou em seu tratado intitulado De harmonica institutione [Sobre a criação harmô- nica] que "os neumas, tão úteis para socorrer a memória, diferenciam-se gráfica- mente em cada região".

O primeiro testemunho da notação musical data de 830: conhece-se até mes- mo o nome do copista! Trata-se de Engildeu, monge de Santo Emerano de Ratis- bona, que acrescentou, sobre meia página deixada em branco ao fim de um trata- do de Santo Ambrosio, um tropo com as respectivas notas. Dez anos mais tarde, Aureliano de Réomé, que trata dos tons salmodíeos e dos modos gregorianos, faz três referências às figurae notarum, ou seja, os desenhos das notas, embora ad- mitisse que uma "nota ¡material de música não se pode fixar por escrito..." Tal observação, atribuída a Isidoro de Sevilha no século VII, é muito justa: não é pos- sível fixar os sons por escrito. A própria "figura das notas" indica, quando muito, uma direção da melodia para o agudo (acento agudo / ) ou para o grave (acento grave \ ou ponto.) ou combinações desses movimentos [A VA/], mas não a altura relativa ou absoluta dos intervalos que separam cada nota de outras. Era preciso, portanto, continuar a aprender de cor as melodias: os neumas ajudavam a memó- ria, fazendo lembrar o desenho melódico das fórmulas de entoação e de cadências que são características de cada modo.

A estrutura da modalidade gregoriana

Acontece, de fato, que o canto gregoriano não é composto de maneira espontânea, ao sabor da inspiração genial do compositor. Cada peça, seja uma antífona ou um responso, é "centonizada", ou seja, é formada por fórmulas já prontas que, escolhi- das em função do modo da peça, costuram-se umas nas outras por recitativos de ligação, com ornamentos no grave ou no agudo...

O chantre que abria um antifonario com notação em neumas reconhecia ins- tantaneamente essas fórmulas, pois sabia em qual modo a peça estava composta. E sabia porque aprendia a reconhecer os modos valendo-se de um livro que con- tinha todos os cânticos do repertório, classificados não segundo a ordem das festas litúrgicas (Natal, Epifanía, Quaresma, Páscoa, etc), mas segundo a ordem dos oito tons salmodíeos que se encadeiam com essas antífonas.

Para apreciar a disposição muito estruturada da modalidade gregoriana, é pre- ciso compreender bem o mecanismo da salmodia. Nos outros repertórios latinos anteriores ao canto gregoriano, a salmodia não é montada em "esquemas" pre- viamente definidos: ela adere à estrutura da antífona para melhor ser enquadrada

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por esta. Pois, no fundo, uma antífona é exatamente isto: um quadro, um módulo no qual flui o recitativo salmódico.

Um salmo, na liturgia cristã, não se canta isolado, não se executa indepen- dentemente. É a antífona, no plano doutrinário, que lhe dá um significado neo- testamentário, mas é também a antífona que o introduz numa das oito partes preestabelecidas que melhor lhe convém. Eis como:

No sistema diatónico da monodia gregoriana -— as teclas brancas do piano — só há quatro maneiras de terminar um canto: em ré (ou lá, por transposição), em mi (ou si), em fá (ou dó), ou em sol.

As antífonas, destinadas aos fiéis, não são compostas num âmbito muito exten- so: uma quinta, uma sexta, raramente mais que isso... Por outro lado, a alegria e o entusiasmo se exprimem melhor subindo em direção aos agudos, ao passo que a tristeza ou o respeito se fazem assinalar de preferência baixando aos graves da escala. Para cada peça, portanto, será escolhida uma salmodia "mais no alto" ou uma "mais no baixo" — aquela que melhor convirá a seu ambitus (espaço com- preendido entre a nota mais baixa e a nota mais alta) e a seu ethos (caráter, dispo- sição de humor).

Todos os cantos finalizados em ré, classificados no tonário, serão subclassifica- dos no "escaninho" do primeiro tom (ré agudo) ou no do plagal ré grave. A diferença não é enorme, sem dúvida, mas é suficiente para justificar essa tria- gem. Temos, assim, quatro modos possíveis, isto é, quatro maneiras de dispor tons e semitons em relação a uma tônica (no caso, a final), mas oito tons, porque a antífona de um determinado modo deve harmonizar-se com um dos dois tons salmodíeos, agudo ou grave, comandados por seu final:

Antífona com recitação do salmo em lá = 1° tom

com final ré com recitação do salmo em lá = 2° tom Antífona com recitação do salmo em si (ou em dó) = 3° tom com final mi com recitação do salmo em lá = 40 tom

Antífona com recitação do salmo em dó = 5° tom

com final fá com recitação do salmo em lá = 6° tom

Antífona com recitação do salmo em ré = 7° tom

com final sol com recitação do salmo em dó = 8° tom

É digno de nota que os tons salmodíeos do agudo (1, 3, 5, 7) escolhem uma corda recitativa na quinta da final, enquanto os outros tomam a quarta (4, 8) ou a terça (2, 6).

Essa arquitetura básica, que dá preferência a duas estruturas musicais — a quin- ta e a quarta — definidas pelos músicos da Antigüidade grega como "consonâncias

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perfeitas", constitui o próprio fundamento da modalidade gregoriana. Na verdade, em toda peça ornamentada com melismas, as fórmulas de entoação, as pausas cadenciáis, os neumas "pesados" e apoiados — em suma, o arcabouço da peça — acham-se ligados à tônica final do modo por meio de qualquer uma das qua- tro consonâncias estabelecidas sobre proporções numéricas simples: quarta (4: 3), quinta (3 :2), oitava (2 :1) e tom (9 : 8). Mas também — como se viu na salmodia (2o e 4o tons) — por meio da terça maior ou menor. Jamais por meio de semitom

(a sensível) ou por meio de quarta aumentada (o "trítono" ou "tritom", chamado no século XVI de diabolus in musica [o diabo na música]). Para evitar o trítono (fá - si), basta utilizar a única nota "móvel" da escala diatónica antiga, o si bemol. Na realidade, durante três séculos na França e na Itália, e durante quatro ou cinco na Baviera e na Áustria, não se colocou o problema da escrita musical... A tradição oral transmitia de boca a ouvido, de mestre a discípulo, tanto as melo- dias mais simples do ofício feriai hebdomadário, como as mais melismáticas com todo o detalhe de seus ornamentos.

As tentativas

Os problemas de escrita vieram a ser colocados no dia em que alguém procurou fixar a linha melódica em todos os seus detalhes. Mas por que essa escrita da melo- dia? Por que tantas minúcias? A tradição oral, sustentada pela memória coletiva de milhares de chantres distribuídos pela Europa, ter-se-ia estiolado? Certamente que não: mas era preciso acelerar a formação dos chantres, que tomava tempo demais — pelo menos dez anos, declara Guido d'Arezzo. Já desde a época de Hucbald, no final do século IX, evidenciara-se a insuficiência dos neumas sem pauta para assi- nalar o valor exato dos intervalos melódicos. Nas obras de teoria musical, fazia-se necessário, para fins de demonstração, dar exemplos precisos... Como proceder? A engenhosidade dos sábios da Idade Média é inversamente proporcional à mo- dicidade dos meios de que dispunham... Hucbald, que vira nos velhos tratados de música greco-romana os graus do grande sistema perfeito — a escala da música antiga, que compreendia quinze graus de lá1 a lá3 — serem designados pelas letras

do alfabeto, propôs acrescentar essas letras ao lado de cada nota da notação neu- mática sem pauta: desse modo, o cantor poderia reconhecer com certeza a melodia que por acaso houvesse perdido nitidez em sua memória, ou, melhor ainda, pode- ria decifrar à primeira vista uma peça de canto recém-registrada nessa nova nota- ção e que ele jamais houvesse ouvido antes (ignotum cantum).

Esse problema do "branco" na memória ou da decifração à primeira vista de composições novas pela leitura sempre preocupou os chantres e os maîtres ès arts que ensinavam música entre o fim do século LX e meados do século XI, pelo menos nas regiões de línguas románicas, porque, nas de língua "tudesca", isto é, para leste do Reno, a rotina e o conservadorismo prolongaram o uso da notação neumática

até 1350 e, em certos casos, além dessa data. O paradoxo chegava ao ponto de composições feitas na França e na Itália, ao tempo em que a pauta já se generali- zara, serem transcritas em espessos e angulosos neumas nos mosteiros da Baviera e da Áustria.

Para precisar os intervalos melódicos do canto, lançou-se mão de diversos pro- cedimentos: em primeiro lugar, a notação alfabética boeciana, substituída na Itália por uma notação alfabética contínua de a a p: a (lá), b (si bemol), c (dó),... m (mi),

n (fá), o (sol), p (lá). Essa notação, importada por Guilherme de Volpiano, que se

tornou em 990 abade de Sainte-Bénigne de Dijon, foi aplicada na prática para notar os cânticos da missa de um gradual hoje conservado em Montpellier, e di- fundiu-se na Normandia, chegando a Fécamp, a Saint-Évroult e ao Mont-Saint- Michel durante a reforma das instituições monásticas empreendida por este abade.

Na Itália, um outro sistema foi inventado no século X: a notação alfabética de A a G para a parte grave da escala e de a até a (dois a minúsculos superpostos) para a oitava dos agudos. Como era preciso notar também o sol grave que aparece em algumas peças do modo de ré que alcança sons gravíssimos na escala, recorreu-se à utilização do T (gama) do alfabeto grego, uma vez que o G maiúsculo e o g mi- núsculo já haviam sido empregados. Daí provém a designação de "gama" aplicada ao conjunto. Conservou-se uma única folha do antifonário de San Michèle di Mu- rano notado segundo os princípios desse sistema: o que mais chama a atenção nes- se precioso remanescente é que as letras da notação não se acham escritas horizon- talmente alguns milímetros acima do texto litúrgico: sobem e descem em função da progressão melódica que evolui para o ápice da melodia e em função da descida progressiva em direção à tônica final. Por exemplo, numa antífona do 8o tom:

e d d c c h a h 8 g g entonação cadência Substituam as letras por quadradinhos e materializem o lugar das notas sobre linhas paralelas e entre as linhas: terão redescoberto a pauta musical!

Na realidade, a célebre invenção de Guido d'Arezzo não se deu exatamen- te assim. Uma invenção, por mais genial que seja, é fruto da imaginação criadora. Mas a imaginação jamais parte do nada — ex nihilo — como a criação do Todo- Poderoso: procede pela combinação engenhosa e racional de elementos preexis- tentes.

A invenção de Guido d'Arezzo

Quando, por volta de 1000-1050, Guido d'Arezzo iniciou sua carreira de mestre da escola claustral de Pomposa, admirável mosteiro de estilo románico na costa baixa do Adriático, ele ensinava às crianças as letras do alfabeto que representavam as notas... Mas procurava, ao mesmo tempo, um sistema que fosse mais "falante" — mais "cantante" seria, no caso, o termo apropriado... Conhecia o tratado de Huc- bald e um outro tratado anônimo a que já se fez referência e que se intitula Musica

enchiriadis, nos quais, para explicar os diversos intervalos às crianças e aos adoles-

centes, seus autores desenham no pergaminho as seis cordas da citara. Um dos manuscritos do Enrichiadis do século XI descreve a bratsche ou viola di braccio e, no correr da descrição, explica que o semitom situa-se entre a terceira e a quarta corda, o que confere ao instrumento os graus do-ré-mi/fá-sol-lá (claro que não se atribuíam então tais nomes aos graus desse hexacórdio!)... E de fato, no capitei do terceiro tom, conservado no Museu do Farinier, em Cluny, vê-se um menino aprendiz de música que pousa o dedo na terceira corda de uma lira-cítara apoiada em seu joelho esquerdo.

Essas seis linhas constituem, sem dúvida, uma pauta, com a diferença que, em lugar de claves, indica-se, no princípio de cada entrelinha, se o intervalo é um T (tom) ou um S (semitonus, semitom). Pois aí está, fundamentalmente, o ponto importante do "solfejo": não cantar um tom onde deveria soar o semitom. Para chamar a atenção dos meninos, Guido d'Arezzo valia-se de cores: o vermelho para a linha do fá, o amarelo para a linha do dó e, além disso, uma letra-chave no início de cada linha: começando de baixo para cima, D para o ré, F para o fá, A para o lá e finalmente C para o dó. Acima do dó, encontram-se o mi e e em seguida o sol com a letra-chave G, que, na escrita gótica alemã, tornou-se a nossa "clave de sol"...

Na pauta primitiva do século IX, não se escreviam notas nem neumas, mas tão somente as sílabas do texto cantado:

— a — e — um lau — da — mus De — au

Te

Muito pouco cômodo para registrar um repertório de 2.000 peças! Mas Guido conhecia os neumas, aqueles acentos e aqueles pontos que materializavam cada nota da melodia: em vez de situá-los de forma aproximativa, por que não os dispor sobre a pauta colorida na altura exata indicada pela letra-chave?

Estava inventada, a partir daí, e pronta para o uso, a pauta musical. O sucesso foi imediato, mas despertou inveja: Guido teve que deixar Pomposa e atravessar a pé os Apeninos, para ser recolhido pelo bispo de Arezzo, Teobaldo, que lhe confiou os meninos da catedral-escola. Pouco depois, Guido d'Arezzo explicava seu pro-

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cesso de notação ao papa João XIX, que logo o fez aplicar aos livros de canto da Igreja romana.

A difusão da pauta colorida consumara-se na Itália desde 1160-1180. Na Fran- ça, ela se fez mais lentamente, porque as regiões de langue d'oc, ao sul do Poitou, utilizavam um sistema de pontos dispostos em degraus sobre uma pauta "invisí- vel" — na verdade, as linhas pares da pautagem preparada com vistas à escrita dos textos, que o notador aproveitava como eixo para a distribuição desses pontos. A notação preconizada por Guido d'Arezzo penetrou na França pelo vale do Ró- dano, e chegou a Nîmes, a Valência, a Viena, mas não a Lyon, onde, em pleno século XIII, conservava-se ainda a notação neumática sem pauta! E mais que isso: há o testemunho de dois beneditinos do século XVTI, que registraram por escrito observações sobre os usos htúrgicos vigentes no seu tempo, pelas quais ficamos sabendo que, em Lyon, nessa época, os cônegos da Primacial de Saint-Jean execu- tavam de memória todos os cânticos fitúrgicos. Os livros serviam apenas como meio de controle para o ensaio (recordatio) do sábado. Também aconteceu assim com os cartuxos que, para a notação em seus graduais e antifonarios, adotaram o sistema de Guido d'Arezzo com suas linhas vermelhas, pretas e amarelas. Em Chartres e na Normandia, o verde substituiu o amarelo: tanto faz, de qualquer modo salvou-se o princípio de, por meio de uma cor, assinalar o termo superior do semitom.

Não demorou muito e, ainda no correr do século XII, particularmente no norte da França, o sistema foi simplificado, traçando-se pautas de quatro linhas verme- lhas com letras de claves de dó, na época ut (C), e de fá; no leste da França, as quatro linhas eram pretas.

A solmização

O sistema de Guido d'Arezzo tinha um grande valor para o ensino da música prá-

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