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OBRAS D E ESTRUTURA COMPLEXA

No documento MASSIN 1997 Historia Da Musica Ocidental (páginas 53-56)

E OS GÊNEROS MUSICAIS

OBRAS D E ESTRUTURA COMPLEXA

Música lírica

Uma tradição bem enraizada reserva o epíteto de "lírica" à música de ópera. No século XX, contudo, a designação da ópera como "drama lírico" tornou-se cada vez mais comum desde Pelléas etMélisande, de Debussy.

O que caracteriza a música "lírica", no sentido em que é-aqui entendida, é não apenas o fato de estar ligada a um espetáculo cênico, mas o de haver sido composta para um libreto (do italiano libretto) que, ou foi escrito especialmente para ela (caso mais comum) ou é uma adaptação muito precisa, com vistas à obra musical, de um texto literário, geralmente uma peça de teatro, como, por exemplo, as que foram feitas da peça de Maeterlinck para Pelléas et Mélisande ou do drama de Büchner para Wozzeck. Como a música lírica está ligada à ação dramatúrgica, a qualidade do libreto e o peso da colaboração entre libretista e músico são impor- tantes para assegurar a coesão arquitetura! da obra lírica. A debilidade ou fraqueza de um libreto pode condenar uma ópera a não passar de trechos musicais justa- postos, mesmo que, muitas vezes, individualmente admiráveis. Certas colabora- ções, por outro lado, mostraram-se exemplares: neste caso estão a de Mozart com Lorenzo Da Ponte e a de Strauss com Hofmannsthal. Situação ideal é, por exem- plo, a de Wagner: um músico que, reunindo as qualidades de autêntico poeta, compunha os próprios libretos.1

À parte este último caso, certos comentadores de obras líricas teriam evitado uma série de tolices se houvessem mostrado maior interesse pela própria música, ao invés de dirigi-lo tão vivamente para o libreto. Um esboço psicanalítico do texto de Maeterlinck, bom ou mau, só de forma reflexa esclarece as intenções psicológicas e a dramaturgia propriamente musical de Debussy.

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Ópera, opera seria, opera buffa, opéra comique, opereta. Com relação às origens,

características e evolução destes gêneros ver infra: os capítulos 13, 14, 15, 22, 25, 26, 29, 37, 39, 40, 47, 50, 59, 61, entre outros.

Pastoral. Obra de dimensão pequena e inspiração bucólica que guarda mais seme-

lhança com a opéra comique do que com a grande ópera. Por exemplo: Acis et

Galatée [Acis e Galatéia] de Lully, Daphnis et Eglé [Dafne e Egle] de Rameau, Le Devin du village [O adivinho da aldeia] de Jean-Jacques Rousseau, Ascanio in Alba

[Ascânio em Alba] de Mozart... O nome pastoral (em francês, pastorale) estende- se a obras instrumentais que pretendem evocar a vida no campo e a bucólica fe- licidade pastoril, valendo-se de tonalidades muito simples, adaptadas aos instru- mentos dos pastores. Quase sempre a tonalidade usada é fá maior que, inclusive, é a principal tonalidade da Pastoral Symphonie [Sinfonia pastoral], de Beethoven.

Singspiel. Na Alemanha, originalmente espetáculo de teatro em que se achavam

incluídas peças musicais. No século XVIII, o Singspiel tornou-se o equivalente tipi- camente germânico (mais natural e bem comportado, apenas mais feérico) da

opera buffa italiana. No Singspiel o recitativo secco é substituído por diálogos sim-

plesmente falados. Com Die Entführung aus dem Serail [O rapto do serralho], Mozart compôs a obra-prima do gênero, e com Die Zauberflõte [A flauta mágica] levou a termo a trajetória do mesmo, transcendendo-o.

Melodrama. Obra dramática que comporta um texto declamado (não cantado)

com acompanhamento de instrumentos de música (e que nada tem a ver com o "melodrama romântico"). Jean-Jacques Rousseau foi um dos precursores do gêne- ro com o seu Pygmalion [Pigmalião]. Depois dele, o melodrama tomou-se mais propriamente germânico, procedendo, como o Singspiel da mesma repugnância pelos virtuosismos do bel canto italiano. Os melodramas de Benda apaixonavam Mozart, que escreveu uma composição no gênero chamada Semiramis, infeliz- mente perdida. Beethoven empregou magnificamente o melodrama tanto em

Egmont, como na última versão de Fidelio, e também Schubert fez uso do melo-

drama em suas óperas. No século XX, o melodrama teve sua última e renovada expressão no Sprechsgesang de Schõnberg — Pierrot lunaire [Pierrô lunar] — e de alguns dos seguidores deste, bem como com Stravinski, em Histoire du soldat [His- tória do soldado], por exemplo.

Música de cena. Dá-se este nome à música escrita para uma obra cênica (tragédia,

comédia, drama, etc.) cujo texto literário, preexistente à música (seja de que época for), não foi destinado, pelo menos na totalidade, a ser cantado, mas a ser falado pelos atores. Libertada das amarras do libreto, a música de cena não é de forma alguma uma parente pobre da ópera. Nos melhores casos, apresenta uma coesão musical tão harmoniosa quanto a da melhor das óperas, embora as peças que a compõem sejam separadas umas das outras pelos atos ou cenas da peça que é

encenada. Como gênero, existe desde o século XVII. Estão nesta categoria a música de Marc-Antoine Charpentier para Andromède [Andrómeda] de Corneille e as de Purcell para as tragédias de Dryden. Menos praticada no século XVIII — embora a esse gênero esteja ligado, por exemplo, Thamos in kõing in Aegypten [Tamos, rei no Egito] de Mozart —, a música de cena viria a florescer no século XIX com as obras compostas por: Beethoven para Egmont, de Goethe; Schubert para Rosa-

munda, de Helmina von Chézy; Mendelssohn para A Midsummer-Night's Dream

[Sonho de uma noite de verão], de Shakespeare; Schumann para Manfred, de Byron; e ainda por Fauré para Pelléas etMélisande, de Maeterlinck; Debussy para

Le Martyre de Saint Sébastien [O martírio de São Sebastião], de D'Annunzio;

Milhaud para Protée [Proteu], de Claudel, entre outras.

Nessas composições, em geral são mais numerosas as peças puramente instru- mentais: abertura ou prelúdio, entreatos ou interlúdios (estes podem situar-se entre duas cenas ou mesmo no decorrer de uma cena, como é o caso do interlúdio que acompanha a morte de Clãrchen em Egmont), balés, etc. Mas as peças vocais não deixam de ser importantes. Por exemplo: em Egmont, os dois Lieder de Clãrchen (talvez os primeiros Lieder a contarem com acompanhamento de orquestra) e o melodrama final; e, em Rosamunda, uma romanza, uma "melodia pastoril" e três coros. Tais peças podem, inclusive, ter um papel predominante com relação às peças instrumentais, como acontece em Le Martyre de Saint Sébastien [O martírio de São Sebastião]. Nesta obra, os coros ganham particular destaque, e o mesmo se pode dizer com relação a obras de Schubert, Mendelssohn, Schumann, etc.

A música de cena é um dos domínios da composição musical em que o autor da música, por não estar obrigado a acompanhar palavra por palavra um longo texto ou a comentar as peripécias de uma intriga, sente-se mais livre para dar o melhor de si e fazer com que sua música rivalize com um texto literário de que ele gosta, ao invés de simplesmente ilustrar esse texto ou fornecer-lhe mero cenário sonoro.

Deve-se associar a música de cena, mais talvez que a música de balé (de hábito puramente instrumental), à música de filme, cada vez mais importante, que tem em Alexander Nevski, de Prokofiev, um dos seus pontos altos.

Musica de igreja. Não seria de todo paradoxal defini-la como uma música de cena

a serviço de uma ação (litúrgica e não teatral) e composta para textos não especi- ficamente escritos para ela. Uma vez que esta música é comandada pelas formas litúrgicas e paralitúrgicas das cerimônias religiosas (no caso, cristãs e, na maior parte das vezes, católicas), limitar-nos-emos a lembrar algumas definições para os leitores não cristãos ou pouco interessados em religiões e ritos.

A missa é o ato essencial da liturgia cristã. As partes não cantadas (sobretudo o canon, cujo texto gira em torno da "consagração" do pão e do vinho) são as mais numerosas. As cantadas podem ser: o Introito (muitas vezes omitido), o Kyrie (sú-

plica à Santíssima Trindade), o Gloria (glorificação da Santíssima Trindade), o

Credo (resumo dos dogmas), o Ofertorio (muitas vezes omitido), o Sanctus (pro-

clamação da santidade divina), seguido do Benedictus (reconhecimento do Mes- sias) e do Agnus Dei (súplica ao Cristo antes da comunhão), cujas últimas palavras são Dona nobis pace ("Dá-nos a paz"). O Sanctus e o Benedictus, o Agnus Dei e o

Dona nobis são freqüentemente cindidos em duas peças musicais distintas. O In- troito da missa dos mortos começa pelas palavras Requiem aeternam dona eis

("Dê-lhes repouso eterno"), e daí o nome de Requiem dado à missa dos mortos posta em música.

Em certas missas para celebrações específicas é costume inserir certos textos poéticos — hinos, seqüências, prosas, antífonas, etc. —, que podem ser compostos para serem incluídos no curso da própria missa {Dies trae, nas missas de Requiem), ou constituir peças separadas, como o Stabat mater (A mãe de Jesus ao pé da cruz) de Pergolesi. Outros hinos, como o Te Deum (agradecimento a Deus por uma vitória, uma sagração, uma cura, etc), são sempre peças musicais à parte. Por fim, a aclamação hebraica de louvor, Alleluia, seguida ou não de um versículo, tantas vezes musicada, sugere tradicionalmente melismas e vocalises.

As Vésperas (em latim, Vesperae), que são as preces litúrgicas ao entardecer, seguidas das Completas, rezadas ao cair da noite, consistem, em essência, no canto de salmos, cuja escolha depende do dia ou da festa, e do Magnificat, canto de agradecimento a Maria, grávida de Jesus.

O único gênero de música de igreja que não é determinado por imperativos litúrgicos ou paralitúrgicos é o moteto, sobre o qual é forçoso discorrer mais lon- gamente.

Moteto. Peça vocal exclusivamente destinada à igreja e, no início, reservada ao

coro, mas que depois passou a incluir um ou mais solistas e orquestra. Na Idade Média (século XIII), o moteto (do latim motetus) consistia na superposição de diversas melodias com textos diferentes. Sobre as origens do moteto (em italiano

moteto, em francês motet), ver adiante.

A um cantus firmus constituído por melodia litúrgica sobrepunha-se uma me- lodia independente, com texto muitas vezes profano. No princípio, só ela era cha- mada pelo nome de moteto. Posteriormente, a palavra passou a designar uma peça polifónica, composta geralmente em estilo de imitação: Dufay, Ockeghem, Josquin Des Prés (século XV); depois Orlando de Lassus, Palestrina e Victoria (século XVI) foram os grandes mestres do moteto polifónico. No século XVII, a aparição da monodia acompanhada e do baixo contínuo transformaram o desenvolvimento do moteto. O nome passou a designar uma peça, geralmente de grandes dimen- sões, para um ou mais solistas, com coro e quase sempre orquestra. O moteto, a essa altura, mal se distinguía da cantata. Mas, pouco usada na Itália e na Alema- nha, esta palavra era, no século XVII, o nome que se dava na França a qualquer

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composição religiosa sem função Mtúrgica precisa (motets a uma ou duas vozes de Lully e Couperin, bem como os grandes motets ainda de Lully, de Charpentier, de Delalande e de Campra). O anthem é o equivalente inglês do moteto-cantata. Nes- te contexto, os grandes motetos polifónicos a capella (sem qualquer acompanha- mento instrumental) de Bach constituem exceções. Ulteriormente, a designação de moteto serviria para qualquer peça religiosa que não fosse inspirada nem na missa, nem no oratório (Brahms, Bruckner, Liszt).

Da igreja ao concerto

Cantata. Peça vocal composta de várias partes, para uma ou mais vozes, incluindo,

por vezes, um coro e acompanhamento de cravo ou orquestra, que se destinava a concertos ou à igreja, mas jamais ao teatro.

Na realidade, a cantata (em francês cantate, em alemão Kantate e, em italiano,

cantata) é difícil de ser definida, pois apresenta formas muito diversas. Não é fácil

distingui-la do oratório. Seu nome significa simplesmente peça cantada (cantata) por oposição à peça que é "soada" (sonata), num instrumento de sopro ou de cor- das, e também à que é "tocada" (toccata) num instrumento de teclado. A cantata apareceu no começo do século XVII com a monodia acompanhada, e seu desenvol- vimento corresponde ao do baixo contínuo. A cantata nasceu em Florença no cír- culo do conde Bardi: as Nuove musiche, de Caccini (1617), foram as primeiras can- tatas, e o gênero se difundiu rapidamente com os mestres italianos Luigi Rossi, Carissimi, Cavalli, depois com Stradella, mas principalmente com Alessandro Scar- latti, que deixou mais de quinhentas cantatas. Na Alemanha, a cantata revelou-se, antes de tudo, um gênero religioso, que se desenvolveu particularmente graças à introdução do coro, e não raro da música orquestral. Tornou-se parte essencial do culto luterano no final do século XVII e na primeira metade do século XVIII, quan- do foi cultivada, inicialmente por Schütz, Buxtehude, Pachelbel, Kuhnau e depois por Mattheson e Telemann, mas sobretudo por Johann Sebastian Bach.

Na França, com a introdução de um elemento dramático na cantata profana, a

cantate française tornou-se uma ópera em miniatura (Campra, Bernier, Rameau),

ao passo que os grandes motets de Charpentier e Delalande constituíam formidá- veis cantatas sacras para vários solistas, coro e orquestra. Johann Sebastian Bach também escreveu certo número de cantatas profanas, como a Kaffee-Kantate

[Cantata do café] BWV211, musicalmente muito parecidas com suas obras sacras, a ponto de algumas vezes compreenderem trechos idênticos: o coro inicial da Can-

tata BWV214, por exemplo, composta para o aniversário da rainha da Polônia é o

mesmo que o do Weinachts Oratorium [Oratório de Natal].

A cantata "patriótica" apareceu com os músicos da Revolução Francesa (Gos- sec, Cherubini, Méhul). De 1803 a 1969, um tipo de cantata que consistia numa cena para três personagens e música orquestral, mas sem coro, serviu como peça

As formas e os gêneros musicais 83

de concurso para o famoso Prix de Rome, na França.1 Menos oficialmente, a can-

tata continua sendo composta por numerosos músicos, em dimensões e com es- truturas tão variadas quanto permite a plasticidade do gênero. É interessante notar que a música composta por Prokofiev para o filme Alexander Nevski, de Serguei Eiseinstein, pôde ter como subtítulo a palavra "cantata". Mas a obra mais signifi- cativa deste gênero no século XX é a Cantata profana, de Bartók, uma de suas obras capitais.

Oratório. Cantata de vastas dimensões, com muitos personagens, sobre um tema

sacro (pelo menos na origem). A diferença essencial entre o oratório (em italiano e francês oratorio, em latim e alemão oratorium, em inglês oratory) e a cantata (cf.

supra) é o caráter mais dramático deste último, que o torna uma espécie de ópera

sacra sem encenação, ao passo que a cantata se mostra mais lírica.

Desde a Idade Média, certas cenas da Bíblia eram representadas, recitadas e can- tadas nas igrejas. Destes dramas litúrgicos resultaram, no século XV, os mistérios e as paixões. No século XVI, São Filipe de Néri retomou a idéia destas encenações no Oratório de Santa Maria in Vallicella, em Roma (essa é a origem da designação

oratório paia esse gênero de música). Com o surgimento da monodia acompanha-

da e da ópera, o oratório encontrou seu caminho definitivo: Rappresentazione di

anima e di corpo [Representação da alma e do corpo], de Cavalieri (1600), é o pri-

meiro oratório propriamente dito. Carissimi, no século XVII, deu ao oratório uma dimensão dramática com a introdução da parte recitante en Jephte [ Jefté]. Os gran- des mestres do oratório foram Charpentier, na França, com suas Histoires sacrées [Histórias sagradas], Alessandro Scarlatti, na Italia, e sobretudo Haendel. O Mes-

siah [Messias], que reproduz dramaticamente os grandes episodios da vida do Cris-

to, Israel in Egypt [Israel no Egito], Belshazzar [Baltasar] e Judas Maccabaeus são modelos no gênero. As Paixões de Johann Sebastian Bach também são oratorios, embora a introdução do coral lhes dê um caráter mais litúrgico. Nos séculos seguin- tes, o oratório permaneceu preso à temática religiosa: Die Schõpfung [A Criação], de Haydn; Christus am Olberge [Cristo no monte das Oliveiras], de Beethoven; Die

Legende von der heilige Elisabeth [A lenda de Santa Elisabeth], de Liszt; Le Roi David

[O rei David] de Honegger; Job, de Dallapiccola. Mas, com Die Jahreszeiten [As estações], de Haydn, inaugurou-se a possibilidade do oratorio corn tema profano, embora geralmente exaltando valores que o compositor, mesmo se for ateu, con- sidera essenciais: A survivor from Warsaw [Um sobrevivente de Varsóvia], de Schõnberg; La Garde de la Paix [Em defesa da paz], de Prokofiev; Il canto sospeso [O canto suspenso], de Luigi Nono.

1 Prêmio de composição conferido anualmente, entre as datas indicadas no texto, pela Academia de Belas Artes de

Paris, a um estudante do Conservatório de Paris, que passava quatro anos na VUla Mediei, em Roma. Berlioz (1830), Bizet (1875) e Debussy (1884) receberam essa láurea, entre outros. (N. T.)

Sucede ainda que o oratorio pode apresentar-se muitas vezes como uma "ópera de concerto". Muitos deles foram depois levados à cena e passaram a compartilhar da mesma sorte que as óperas e os espetáculos de balé. Quase já não nos lembra- mos mais de que oratório foi o título original de obras como La Damnation de

Faust [A danação de Fausto], de Berlioz, Œdipus Rex [Édipo rei], de Stravinski, Jeanne d'Arc au boucher [Joana d'Arc na fogueira], de Honegger, e Moses undAron

[Moisés e Aarão], de Schõnberg.

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