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A MÚSICA INGLESA NO TEMPO DOS TUDOR

No documento MASSIN 1997 Historia Da Musica Ocidental (páginas 161-171)

E DOS PRIMEIROS STUART

A música religiosa no contexto do Renascimento inglês

Pode-se falar de um Século de Ouro da música britânica, da mesma forma que se fala do Século de Ouro ibérico. Os dois fenômenos são estranhamente paralelos. Eclodem em países pouco preparados, revelam-se de grande intensidade, e, quan- do terminam, deixam as nações que os vivenciaram abertas a uma invasão cultural estrangeira que haverá de durar séculos.

A história e a geografia explicam facilmente esse isolamento da cultura musi- cal inglesa. Foi em Paris, na corte do duque de Bedford, irmão do rei inglês Hen- rique V e regente do reino de França, quase totalmente ocupado pelos ingleses, que John Dunstable (1385-1453), o primeiro grande músico britânico, fez sua aparição. Mas foi em Londres que morreu, depois de encerrada a Guerra dos Cem Anos, com a derrota inglesa. Durante muito tempo, os reis da Inglaterra ainda fizeram a fJor-de-lis figurar em seu brasão, mas isso já não enganava mais ninguém. O país tornara-se novamente uma ilha voltada para si mesma, buscan- do nela própria a sua felicidade. A insularidade da música britânica é uma cons- tante da história. A frisque contenance anglaise ("graciosa contenção inglesa") terá exercido, durante algum tempo, influência sobre o continente. Os contemporâ- neos terão podido ver em Dunstable um dos mestres de Dufay e de Binchois. Para nós, Dunstable, um dos protagonistas do movimento europeu, teve a glória de dar novo impulso à polifonia inglesa.

A história política confere ao período glorioso da música inglesa limites bas- tante precisos, tanto mais que a Igreja ainda era a maior cliente dos músicos (aque- le foi o século da Reforma). O mundo inglês haveria de dar às noções de disciplina eclesiástica prioridade sobre os problemas de teologia: quer quisessem ou não, os músicos, parceiros da liturgia, viram-se na linha de frente da batalha que iria re- sultar no nascimento de uma Igreja que se pretendia exclusivamente inglesa. A consciência anglicana acabou sendo definida mais pelos compositores do que pelos teólogos.

Os atores fundamentais dessa história não foram os servidores, clérigos ou leigos, da Igreja. Foram homens do poder, reis, rainhas, ministros e conselheiros. E esse é o motivo pelo qual cabe esclarecer com alguma precisão cronológica a sucessão dos acontecimentos políticos que constituíram o pano de fundo do longo século em que a música inglesa resplandeceu com um brilho sem pre- cedentes.

Em 1484, a Guerra das Duas Rosas terminou, em Bosworth, com a vitória de Henrique Tudor, que se tomou Henrique VII. Os direitos do novo monarca eram muito frágeis, mas a Inglaterra estava muito extenuada para disputá-los com um soberano que trazia paz, ordem e segurança. Dos acontecimentos que precederam sua subida ao trono, o novo rei reteve o que lhe pareceu ser uma regra de ouro: a coroa deveria sempre ter um herdeiro homem em condições de se fazer respeitar pelas armas e cuja legitimidade fosse incontestável. Seu filho, Henrique VIII (1509¬ 1647), preencheu todas essas condições. Mas as preocupações com a estabilidade dinástica, herdadas do pai, contribuíram para que Henrique VIII se lançasse em uma série de aventuras conjugáis que haveriam de inspirar, por muitos e muitos anos, romancistas e produtores de cinema. E que contribuíram para uma ruptura com Roma. Essa ruptura teve como principal agente Thomas Cromwell, perfeito criador de uma administração eficaz. Este, com a dissolução dos conventos, tratou de amealhar somas consideráveis, com as quais enriqueceu a coroa inglesa e foi feito conde de Essex antes de morrer no cadafalso em 1540, sorte comum àqueles que tinham problemas com o rei durante suas crises de humor.

A despeito dos seus cinco casamentos, Henrique VIII deixou somente três fi- lhos: um herdeiro doentio e muito jovem, Eduardo, e duas filhas mais velhas, Ma- ria e Elisabeth, que declarou bastardas. O mais surpreendente é que os três herdei- ros de Henrique VIII sucederam um ao outro no trono sem maiores dificuldades, com aceitação quase unânime da nobreza e das comunas da Inglaterra. Esta tran- qüilidade é ainda mais surpreendente quando se pensa que cada uma dessas mu- danças de reinado se fez acompanhar por uma virada na orientação religiosa do Estado inglês. Se Henrique VIII só tivera a ambição de afirmar sua primazia pessoal e eliminar qualquer traço de tutela romana, o reinado de Eduardo VI (1547-1553) assistiria ao triunfo de um protestantismo bastante marcado pelo espírito de Ge- nebra, a rainha Maria impôs um catolicismo sem compromissos (1553-1558), e

sua meia-irmã Elisabeth (1558-1603) buscou trazer a paz ao reino com base em um compromisso estritamente anglicano, via media entre Roma e Genebra.

Com Elisabeth, a "rainha virgem", extinguiu-se a dinastia Tudor. Os Stuart, que os sucederam, já eram reis da Escócia, e, por isso mesmo, assombrados pela força política adquirida pelos cdvinistas escoceses. Por reação, o medíocre Jaime I (1603¬ 1625) adorava discutir teologia e tentou fazer de seu reino inglês um império de respeitabilidade episcopal. Carlos I , seu filho e sucessor (1625-1649), prosseguiu no mesmo caminho, intensificando-o, apesar da crescente hostilidade de uma popula- ção britânica em que fermentava um sentimento puritano e republicano que só poderia expressar-se pela revolta. Carlos I perdera o reino e a vida no final de uma guerra civil em que os "cabeças redondas" de Olivier Cromwel (um sobrinho dis- tante do ministro de Henrique VIII) trataram de desorganizar a instituição mo- nárquica e o equilíbrio cultural instável criado com tantos esforços por Elisabeth.

Com ordem e método, a acüTiinistração cromwefiana eliminou da vida pública o fato musical: com violência e armando desordens, os soldados puritanos do Commonwealth destruíram todos os órgãos do país. Raras vezes um corte crono- lógico inscreveu-se nos fatos de maneira tão clara. O tecido da música inglesa, nesse período abusivamente chamado de elisabetano, era de uma evidente homo- geneidade; os limites de seu desenvolvimento estavam perfeitamente traçados. Tra- tava-se de um conjunto coerente cujo movimento seguia uma linha diretora facil- mente identificável. Não há nada que seja motivo para espanto. Voltada sobre si mesma pelo duplo fracasso da Guerra dos Cem Anos e da Guerra das Duas Rosas, a Inglaterra abordou o problema que iria perturbar toda a Europa—a Reforma— com espírito pragmático. Desconfiando das soluções adotadas no continente, bas- tante hostil com relação a Roma, cheia de reservas para com Genebra e Wittem- berg, acabou por criar suas próprias formas eclesiais, baseando-se mais na discipli- na eclesiástica e na liturgia do que na doutrina. No domínio da liturgia, em que o papel da música era essencial, os reformadores enxergariam um meio de mudança desejada, ao mesmo tempo que uma marca da transformação das consciências. Em uma época em que a música religiosa constituía a maior parte da produção dos músicos, na Inglaterra ela esteve no centro do debate político e social, e sua evolu- ção foi um dos fatores decisivos do nascimento da nova Igreja anglicana.

Infelizmente, é muito difícil datar com precisão o surgimento da Igreja da In- glaterra. Será o caso de fixar o ano de 1534, data em que Henrique VIII decidiu subtrair seu reinado à autoridade do "bispo de Roma" e reunir na sua própria pessoa toda a autoridade civil e religiosa? Ou seria mais adequado considerar o ano de 1549 e o aparecimento, sancionado pelo selo real, do primeiro Book of

Common Praier [Livro de preces para todos], que deu à nova comunidade — Es-

tado e Igreja em um único corpo — sua liturgia própria? Ou dever-se-iam levar em conta as inúmeras vicissitudes por que ainda iria passar a nova organização, e escolher o ano de 1559, em que a rainha Elisabeth, depois de algumas semanas no

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trono, restabeleceu a Igreja da Inglaterra, por meio do Ato de Uniformidade, orga- nizando um sistema de visitas episcopais de modo a garantir que os livros de preces e os usos litúrgicos fossem uniformes de um extremo a outro do reino? A questão em si pode parecer acadêmica. Mas certamente não o foi para os músi- cos, que tiveram que se defrontar com duros problemas. Vários deles permanece- ram pessoalmente fiéis à antiga Igreja, mas a necessidade levou-os a trabalhar para a criação de uma liturgia nova. É interessante observar que, a despeito de todas as dificuldades políticas, entre o poder e a comunidade musical pôde-se estabelecer um modus vivendi que atravessou todos os acontecimentos, sem que nenhum dos membros desta última viesse de fato a sofrer com eles.

Para o músico de igreja, pouco importa a escolha das datas. A questão essencial é a divisão do século em duas metades separadas pela subida de Elisabeth ao trono, em 1558. Durante todo o início do século, o grande canto de igreja permaneceu cantado em latim. Sob Henrique V I I I , porque o rei não tinha opiniões sobre o

assunto, vez que ele mesmo compusera motetos latinos dos quais muito se orgu- lhava (sua única intervenção oficial na prática litúrgica em língua vulgar foi a cria- ção de litanias em inglês, destinadas a pedir a benevolência do Senhor para um soberano que, em 1544, estava em guerra ao mesmo tempo contra a França e a Escócia). Sob Eduardo V I , malgrado o vigor de um movimento de reformas muito radicais, cujos inspiradores foram os protetores de um rei muito jovem (tendo subido ao trono aos nove anos, morreu antes de completar dezesseis), por causa da dificuldade de pôr em prática em tão pouco tempo uma liturgia nova. Finalmente, no reinado de Maria, porque a rainha, radicalmente católica, casada com Filipe II da Espanha, lançou-se na empresa de restauração da antiga ordem de coisas, usan- do tamanha violência que lhe valeu passar à posteridade com o nome de "Bloody Mary", ou seja, Maria, a Sanguinária.

No decorrer desses anos de confusão, a ação dos reformadores exerceu-se bem mais no sentido de uma hostilidade com relação à música tradicional do que no sentido de criação de uma música que lhe fosse própria e tivesse algum valor. A Inglaterra não conheceu nada parecido com o formidável impulso espiritual e

artístico que a personalidade de Lutero suscitara na Alemanha. Os Salmos divinos e

cantos sacros, de Miles Coverdale, publicados em 1539, ou o Book of Common Praier,

musicado por John Merbecke (1550), não tiveram sucesso. O primeiro chegou a ser interditado pela autoridade real. De todo modo, seu valor musical era desprezível: eram simples arranjos de cantochão não harmonizado, adaptado a letras em inglês. A única razão de ser deles era responder a uma necessidade geral, expressa em ter- mos bem claros pelo regulamento do capítulo da catedral de Lincoln, em 1548:

De agora em diante, n ã o serão mais cantados hinos à Virgem e aos santos, mas somente ao Senhor, e jamais em latim. Serão escolhidos os melhores e que soem da maneira a mais cristã, e serão adaptados à língua inglesa de modo simples e claro, uma nota para cada sílaba. E é isso que deve ser cantado, excluindo-se qualquer outra coisa.

A música inglesa no tempo dos Tudor e dos primeiros Stuart 297

JOHN TAVERNER E SEUS CONTEMPORÂNEOS

Diante dessa busca de austeridade, os compositores da tradição católica haviam erigido um edifício de raro esplendor. Paradoxalmente, o mais célebre compositor do início do século, John Taverner (1495-1545) era um homem que aderira às novas idéias, um luterano de primeira hora. Organista do Cardinal College (atual Christ Church) de Oxford, chegou a ser molestado por haver difundido literatura protestante. Quando a Reforma começou a florescer, contudo, Taverner, composi- tor de missas malgré lui, interrompeu toda a sua atividade musical para começar uma nova carreira como agente inquisidor nos conventos, trabalhando para Tho- mas Cromwell.

As oito missas de Taverner estão entre as mais perfeitas produzidas pela escola inglesa tradicional. A arquitetura dessas peças não tem equivalente no continente, mas é encontrada na maior parte das missas inglesas da época. Não há Kyrie; fican- do as partes cantadas do ordinário do ofício reduzidas a quatro: Gloria, Credo,

Sanctus e Agnus Dei. Essas quatro partes eram trabalhadas de maneira a apresentar

aproximadamente a mesma duração: passagens dos textos do Gloria e do Credo são amputadas, enquanto o Sanctus e o Agnus Dei viam-se alongados por um jogo de vocalises e de repetições em eco. Neste quadro de simetria forçada, a complica- ção da polifonia é levada ao extremo pela subdivisão das vozes, que se tornam totalmente indiferentes a um texto do qual só permanecem inteligíveis algumas palavras que ficam como pontos de referência. Estamos em presença do equiva- lente musical das grandes abobadas, em que as nervuras desdobram-se ao infinito, evocando a imagem de fogos de artifício de pedra, sem que a estrutura arquitetô- nica do edifício seja alterada. A comparação entre essa floração de um gótico "per- pendicular" e o canto de igreja neste início de século XVI é amplificada, nas inter- pretações modernas, pelo lugar reservado às vozes de sopranistas que exaltam o impulso vertical e a impressão de imaterialidade. Deve-se observar que há nisso uma deformação do uso antigo, em que abundavam as missas apenas para três vozes, sendo a mais elevada a do contratenor. A nomenclatura fez aparecer um grande número de missas que podiam ser executadas por um coro de homens, com ausência de vozes infantis suficientemente formadas.

O tipo de missas que Taverner compunha é encontrado em seus contempo- râneos William Cornyshe (1465-1523), Robert Fayrfax (1464-1521) e, na geração imediatamente subseqüente, Christopher Tye (1500-1573) ou Thomas Tallis (1505-1585), embora esses últimos tenham concluído sua carreira já no contexto da quietude elisabetana. Uma polifonia excessivamente decorada e certos hábitos fitúrgicos, tal como a supressão do Kyrie, marcaram as missas criadas por esses compositores, que muitas vezes se construíam sobre um fragmento de cantochão litúrgico ou sobre uma canção profana. O tema do Western Wynd [Vento do oeste] iria adquirir, na Inglaterra, uma popularidade quase igual àquela de que gozou o

motivo de L'Homme arménas missas francesas ou italianas. Taverner e Tye usaram- no, assim como, mais tarde, John Shepperd (1520-1563), cuja composição destina- va-se à capela da rainha Maria, múmeros motetos vinham completar esse repertó- rio, que muitas vezes tinha como finaüdade mais a música do que a devoção. AS VICISSITUDES DA MÚSICA NA ÉPOCA DA REFORMA

Essa energia consagrada à ornamentação do canto de igreja não desagradava so- mente aos reformadores. Um homem tão moderado quanto Erasmo criticou vio- lentamente o clero inglês por ocasião do famoso Comentário sobre o Novo Testa-

mento, que escreveu quando lecionava em Cambridge.

Os monges da Inglaterra dedicam-se tanto à música que quase não têm outra atividade. Criaturas que deveriam chorar sobre seus pecados imaginam agradar a Deus com exer- cícios de garganta. As crianças recolhidas nos monasterios beneditinos neles só são re- cebidas para que melhor se cante o oficio da Virgem. Se a música lhes é necessária, que cantem salmos; e mais: que não os cantem demais! (...) A música de igreja em nossos dias é feita de tal modo que o povo que a ouve não consegue nela reconhecer qualquer palavra. Os próprios coristas não compreendem o que cantam, e, contudo, quando se pensa que são monges e padres, nisso estaria a essência da religião deles... Colégio ou monastério, em toda parte é a mesma coisa: música, sempre música...

As críticas quanto à impossibilidade de compreender os textos sagrados depois que eles passaram pelas mãos de um músico são tão velhas quanto a música de igreja. Reformadores e católicos uniram-se nessa reprovação. Uns e outros iriam tentar, com maior ou menor sucesso, fazer triunfar o ponto de vista pastoral sobre o ponto de vista puramente estético. O que é particular à Inglaterra era a impor- tância assumida pela instituição monástica como centro de difusão de um canto que de religioso só tinha o lugar em que era entoado.

Os ataques de Erasmo se fizeram ouvir em 1516 e acabaram recebendo uma resposta bem mais radical do que aquela que o autor poderia desejar. Subindo ao trono em 1509, o rei Henrique VIII começou como um católico bastante fiel a Roma, embora não muito religioso de espírito. Essa fidelidade não pôde, contudo, resistir à obsessão de assegurar uma sucessão inquestionável, fator político funda- mental em uma época em que a lembrança da Guerra das Duas Rosas ainda era muito viva e somava-se à obstinada recusa de Roma a anular o casamento de Hen- rique VIII com Catarina de Aragão. Fosse tal obstinação motivada por razões de ordem moral ou decorrente do desejo de não descontentar o imperador Carlos V, sobrinho de Catarina e poderoso soberano, o fato é que provocou entre o rei da Inglaterra e o papado um estado de tensão insuportável. Em 1534, o rei declarou- se o único chefe da Igreja da Inglaterra, desencadeando com isso um processo político e cultural que haveria de desdobrar-se por mais de um século.

Mas já em 1530 havia a coroa inglesa iniciado um procedimento de "reforma" dos conventos. Sob o pretexto de uma medida religiosa, foi este um meio de de-

sembaraçar-se de eventuais opositores na penosa questão do casamento real, e que deveria custar a vida a certos católicos eminentes, dos quais o mais célebre foi Thomas More, o amigo de Erasmo. Foi este igualmente, e sobretudo, um recurso para enriquecer o Tesouro real às expensas das comunidades religiosas dissolvidas. Do ponto de vista da história da música, a medida deveria ter as mais funestas conseqüências. Os monastérios sempre haviam preenchido a dupla função dos conservatórios: neles mantinha-se uma tradição e um repertório e neles se forma- vam os músicos. Dispersando-os, Thomas Cromwell e seus agentes privaram o país da estrutura que comportava em si toda a vida musical da nação.

Era preciso remediar o mais rapidamente possível esse estado de coisas e suas pesadas conseqüências. Desde 1535, começaram a se formar coros nas grandes catedrais. As novas organizações eram estimuladas pela Coroa: ficavam sob o con- trole de bispos muitas vezes bem próximos da corte. Constituíam uma ferramenta musical nada desprezível. Os mais pobres desses grupos corais eram formados por cerca de vinte membros, mas somavam-se, desde o começo, mais de sessenta co- ristas em Wells. Saint Paul, em Londres, podia contar com uma força musical de 120 cantores, padres ou laicos. Havia um único inconveniente nessa nova forma de organização, mas um inconveniente grave: é que eram elas instaladas por bispos que, muitas vezes, não sabiam como e para que utilizá-las. Na mente de seus cria- dores, a liturgia protestante que se tentou definir não precisava de músicos profis- sionais. A liturgia católica estava claramente em declínio: só voltou à evidência durante os cinco anos do reinado de Maria, e mesmo assim os membros da capela real tinham que competir com os cantores espanhóis do séquito de Filipe I I .

Rica no início do século, exaurida em um período de turbulências, a música de igreja haveria de retomar sua produção sob a proteção declarada da rainha Elisa- beth. Havia-se tornado necessária uma intervenção pessoal da rainha: os excessos da reação católica que marcaram o reinado de Maria tinham deixado verdadeira sede de revanche nos reformadores. Na corte anterior, muitos músicos haviam exibido tanto suas habilidades, que se corria o risco de identificar música com prática papista. Uma minoria radical propôs à assembléia do episcopado, em 1559, a interdição de "qualquer canto erudito e da música de órgão". A moção não foi aceita, mas personagens importantes votaram favoravelmente a ela, como o deão de Saint Paul de Londres, que tinha sob suas ordens o coro mais importante da Inglaterra. Elisabeth também considerou necessário fazer promulgar um texto que expressasse o compromisso entre duas tendências aparentemente irreconciliáveis. Pode-se ver nisso a primeira diligência típica dessa via media anglicana, que guar- dava distância tanto de Roma como de Genebra. Após haver indicado que era

No documento MASSIN 1997 Historia Da Musica Ocidental (páginas 161-171)