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DRAMAS LITÚRGICOS

No documento MASSIN 1997 Historia Da Musica Ocidental (páginas 90-95)

"Tal como ela se mostra à época do advento dos carolíngios, não resta à música senão morrer" (Jacques Challey). De fato, a reforma romana impusera ao Ociden- te uma sujeição que tornava impossível a renovação das formas. E é difícil imagi- nar como a monodia eclesial, desde então sujeita aos despóticos ne varietur àt São Gregorio, pudesse escapar ao conformismo e à esterilidade.

Ora, a renascença carolíngia (exatamente como a do século XII, em grande parte preparada pelos períodos intermediários) assinala-se por um formidável es- pírito de invenção ao qual não se pôde manter indiferente a música.

Além do mais, as exigências tanto musicais como metafísicas de Santo Agosti- nho a respeito do Jubilus, o cântico de louvor livre e gratuito que se expande no êxtase do amor divino, não se combinam com a estreiteza e a fixidez da liturgia gregoriana.

Os ouvidos não eram insensíveis aos cânticos ornamentados da tradição judai- ca, que os primeiros cristãos recusaram por amor à austeridade, o mesmo aconte- cendo com os cânticos dos cultos gregos e bizantinos que continuavam a fascinar o Ocidente.

Sem falar que é preciso levar em conta uma característica constante do espí- rito medieval, que é o desenvolvimento dos textos de autoridade por meio da glosa, do comentário exegético, da análise marginal ou intertextual — um espa-

152 Primeira parte: das origens cristas ao século XIV

ço em branco era por vezes reservado a esse fim nas entrelinhas dos manuscri- tos —, exercícios cotidianos dos clérigos empenhados na busca de sentido e na decifração dos signos.

Todas estas razões — ê outras, sem dúvida, que escapam ao historiador — fazem com que, desde o século LX, no Ocidente, seja por efeito de uma tradição reencontrada ou de pura invenção, os tropos surjam na fiturgia, primeiro na da missa, depois na dos ofícios.

O período mais fecundo situa-se entre os séculos X e XII, quando o canto ecle- siástico monódico atingiu seu apogeu, mas a invenção de novas melodias prosse- guiria de maneira mais ou menos regular até o século XVI.

A essa altura, o Concilio de Trento (1545-1563) intervém para proibir o uso das formas inovadoras, decretando o retorno com exclusividade aos modelos do canto gregoriano. Somente cinco seqüências sobreviveram às decisões do concilio:

Victimae Paschali Laudes, atribuída ao monge Wipo de Borgonha ( t 1048); Veni Sánete Spiritus, que tudo faz crer seja de Stephen Langton, arcebispo de Cantuária

(t 1228), a menos que tenha sido escrita pelo papa Inocêncio III (1198-1216); o

Stabat Mater, o Dies Irae; e Lauda Sion, cujas palavras são atribuídas a Santo To-

más de Aquino.

Os tropos

O termo Troprio (do grego tropos, melodia) designa, desde o século V, hinos breves que se cantavam depois de cada versículo de salmo. Na Idade Média, tropus é o nome dado a uma figura de retórica, e o adjetivo tropológico refere-se, desde São Jerôriimo, ao sentido alegórico de um texto, por oposição ao sentido literal. Na esfera da música monódica, o termo tropo define-se como "o desenvolvimento musical ou literário, ou ainda músico-literário, de uma peça de canto, ou de uma parte de peça de canto, que figura no gradual onde se encontram os cânticos da missa e no antifonário que contém os do ofício" (Michel Huglo).

Em dois grandes centros religiosos, durante o século IX, apareceram os tropos: a abadia de Sankt Gallen-Gall, na Suíça, e a abadia de Saint-Martial, de Limoges. Há uma história que se conta de um beneditino de Jumièges que, foragido da invasão dos normandos, refugiou-se em Sankt Gallen. Mostrou aos monges dessa abadia seu antifonário, onde se podia ver que haviam sido inscritas palavras sob os vocalises do Aleluia. O monge Notker, constatando a eficácia mnemotécnica do processo, pôs-se a imitá-lo, com variantes, sob o olhar crítico de seu mestre Iso; depois foi a vez de Tutilon, de Hartmann. Por menor que seja a veracidade dessa história, o fato é que os tropos integraram-se muito rapidamente à liturgia.

No que concerne à missa, é preciso distinguir os tropos do próprio da missa — cujo uso se perdeu desde o século XII, mas que foram numerosos — dos tropos do

ordinário da missa que ainda são cantados. São eles:

A liberdade e a brecha: tropos, seqüências, dramas litúrgicos 153

Tropos do próprio da missa: tropos do Introito, 382; do Gradual, 20; do Aleluia, 53; do Ofertorio, 64; e da Comunhão, 82.

Tropos do comum: os do Kyrie, 165; do Gloria, 92; do Hosanna, 45; e do Agnus

Dei, 87.

Uma total liberdade de invenção caracteriza os tropos do ordinário da missa, ao passo que os do próprio da missa estão submetidos ao quadro musical da peça que serve de base à sua elaboração.

Para o Ofício, os principais tropos compostos são os do Deus in adjutorium e do Benedicamus domino.

Distinguem-se três tipos de tropos, a maior parte deles bem diferenciados, em- bora possa acontecer que se desmembrem para combinar-se entre si: o desenvol- vimento melismático de uma melodia preexistente; o acréscimo de um texto lite- rário novo a um cântico preexistente; o acréscimo, a um cântico, de um texto literário novo e de uma melodia nova.

O primeiro tipo é certamente o mais antigo. O acréscimo melismático recebe o nome de Neuma ou então de Melodia, e, em se tratando do Aleluia, de Sequentia. Lamentavelmente, e talvez por causa da dificuldade de sua execução, esses tropos foram os primeiros a desaparecer. O segundo tipo — acréscimos de textos aos cânticos preexistentes — é utilizado sobretudo para o canto responsorial e para o Aleluia (por exemplo: Dicite in gentibus). São as Prosae ou Prosulae, mesmo quan- do, no curso de sua evolução, a prosa é substituída pelo verso. Em se tratando dos

Kyrie, não é raro encontrar os dois tipos juntos. O terceiro tipo, finalmente —

acréscimo, a um só tempo, de um texto e de uma melodia a um cântico —, utiliza- se no Introito, no Gloria, no Sanctus, no Agnus Dei. Tem uma escrita inteiramente livre, porquanto não precisa prender-se nem a um texto, nem ao modo de uma melodia preexistente, nem ao comprimento de um melisma.

A seqüência

Tropo do Aleluia em seus começos, a seqüência não demorou a tornar-se uma composição independente, tanto no plano musical como no plano literário. Fo- ram compostas 4.500 dessas peças até as proibições ditadas pelo Concilio de Tren- to; isso diz bem da necessidade existente de ampliar o quadro da Hturgia.

As seqüências do primeiro período, as de Sankt Gallen e de Saint-Martial de Limoges, adotavam o princípio de um paralelismo entre o texto literário e o texto musical, de acordo com o seguinte esquema: a bb ce dd cc... f, mas muitas outras eram compostas de maneira mais livre.

Durante os séculos X e XI, a seqüência evoluiu da prosa para os versos irregu- lares e terminados por assonâncias, depois para os versos regulares, mais freqüen- temente sob a forma de aa, bb, cc, dd...

Adam de Saint-Victor, que alcançam o ápice da elegância e da perfeição formal. Em Paris, a célebre escola de pensamento da abadia de Saint-Victor brilha em todo o seu esplendor no domínio da monodia, enquanto, a pequena distância, floresce a composição das primeiras grandes polifonias da Escola de Notre-Dame.

Do ponto de vista da execução das seqüências, não está fora de cogitações a idéia de que uma voz de organum duplicasse a melodia na oitava, na quarta ou na quinta. Nos Analecta hymnica, a palavra organum aparece 71 vezes a propósito dos 265 textos de seqüências da coleção.

Mas pode tratar-se igualmente de um órgão (os textos que evocam um acompanhamento instrumental não são raros). E ainda é preciso aclmitir que essas citações remetam a um simbolismo extraído da Bíblia, mais particular- mente dos salmos de Davi, que nada tem a ver, como pensa a maioria dos litur- gistas, com a realidade das práticas. Permanece sem solução a questão de saber se a proibição dos instrumentos no culto significa que eles de fato até então fos- sem utilizados.

De qualquer forma, os tropos e as seqüências desarrumam consideravelmente a ordem gregoriana, em nome da liberdade de invenção. Para além do embeleza- mento da liturgia, não há como deixar de ver neles a brecha que, aumentando pouco a pouco, vai terminar por abalar o edifício inteiro da liturgia romana.

Ora, não é na parte mais fraca da arquitetura que aparece essa brecha, mas em seu ápice, no lugar em que a palavra de louvor do Aleluia prolonga-se na gratui- dade — o dom de graça do Jubilus. Os acréscimos melódicos devidos aos fervores do imaginário vão acarretar um movimento irreprimível de invenção de formas novas, que aos poucos deixa o templo para estender-se à arte profana.

Não há dúvida: o teatro e o canto profano, constantemente malditos pela Igre- ja, têm como fonte os tropos, e desse minguado filete de alguns cânticos de ado- ração livres haveria de surgir um rio de criações estranhas ao espaço sagrado. Num movimento de retorno, este se verá invadido por formas musicais que nada mais têm a ver com a liturgia gregoriana. As proibições do Concilio de Trento, incapazes de conter essa corrente, apenas servirão para coagular, num isolamento estrito, a música do cantochão.

O drama litúrgico

Uma ação teatral cantada durante os ofícios — poderíamos tentar definir assim o drama litúrgico. É o único vestígio de teatro que nos resta do período anterior ao fim do século XIII, o que, para muitos, pode ser motivo de surpresa.

Continuava vivo, sem dúvida, o interesse pelas peças da Antigüidade latina: as obras de Plauto e de Terêncio eram conhecidas dos alunos das escolas monásticas de Tours, de Orléans, de Fleury-sur-Loire e de Chartres. Os escribas dos scriptoria de Reims, de Limoges, de Fleury copiavam, no século IX, as comédias de Terêncio;

mas a Igreja via com desconfiança os mimos e os menestréis que, a seus olhos, não faziam senão retomar a tradição dos histriões e exibicionistas do Baixo Império; daí as proibições que pesavam sobre o teatro. Curiosamente, entretanto, é no seio da própria Igreja que o teatro iria renascer, como um desenvolvimento dos tropos dialogados. O teatro medieval nasceu da liturgia como, antes dele, o primeiro tea- tro grego se havia desenvolvido a partir dos cultos dedicados a Baco. Para com- preender bem esse fenômeno, aparentemente paradoxal, é importante analisar as razões que puderam levar os homens de igreja a introduzirem, no meio das preces, uma forma de espetáculo, por mais embrionária que tenha sido.

Em primeiro lugar, esses dramas, ou esses autos, reservados aos clérigos, con- cebidos e executados por eles tão somente, não têm por função o divertimento: pretendem ser um suporte suplementar — por meio da ação e da encenação que se vêm juntar ao canto — oferecido à palavra sagrada. Os primeiros que surgiram situavam-se no momento do Introito da missa e constituíam, de certo modo, uma expansão do ato sacrificial da Eucaristia. Na civilização medieval, que pensa o ges- to como o sinal material de uma palavra, introduzir a mimesis na liturgia cantada deriva de uma preocupação com manifestar visualmente a auctoritas, a autoridade da palavra sagrada, isto é, seu caráter de verdade. Ao sinal verbal acrescenta-se assim o sinal visual na representação de cenas com personagens. Tal é a primeira função desses dramas.

Por outro lado, sendo uma manifestação da auctoritas, o drama tem igualmen- te por objetivo sua transmissão com vistas à edificação dos fiéis que assistem aos ofícios. As cenas desenrolam-se em torno do altar, de modo a serem bem percebi- das por toda a assistência: ut videat populus ("para que o público veja") repetem incessantemente os textos.

E, enfim, os dramas contribuem para enriquecer e embelezar a liturgia. É pre- ciso levar em conta a influência que terão exercido as cerimônias orientais sobre a Igreja do Ocidente. De fato, a Igreja de Jerusalém desde muito cedo introduzira a dramatização dos ritos, muito antes dos desenvolvimentos da liturgia romana, com a dramatização das homílias e dos evangelhos apócrifos.

Devemos observar, contudo, que, se por um lado os monges beneditinos, que não receavam dar a suas abadias um brilho esplendoroso, encenaram freqüente- mente dramas fitúrgicos, de que dão testemunho seus manuscritos, por outro, os cistercienses, fiéis à austeridade da regra, sempre os excluíram de seus ofícios. OS DRAMAS DO TEMPO PASCAL

Tudo começou com o embelezamento da liturgia da mais importante festa do ano, a da Páscoa. O drama da Visitatio sepulchri, tal como aparece no século X, apresenta-se na forma de um tropo dialogado no momento do Introito da missa: as três Marias descobrem que o túmulo de Cristo está vazio e trava-se o diálogo com o anjo:

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Anjo: "Quem quaeritis in sepulchro, (o) Christicolael" Marias: "Jesum Nazarenum crucifixum, o Caelicolae" Anjo: "Non est hic, surrexit sicut praedixerat; ite, nuntiate quia surrexit. de sepulchro''1

Esse tropo dialogado encontra-se registrado, com a respectiva notação, na aba- dia de Sankt Gallen, bem como na de Limoges. É um cântico, ora responsorial, ora antifonado, como é de costume no Introito. O Quem quaeritis rapidamente expan- diu-se por toda a Europa. Mas, em pouco tempo, antes do fim do século X, o curto diálogo que o constitui foi deslocado para as Matinas. Pode-se ver no fato a von- tade de fazer coincidir o tempo real em que ele se desenvolve com o momento em que as mulheres se dirigiram para o túmulo. Por outro lado, com essa nova loca- lização, o tropo podia ocupar o tempo deixado livre entre Matinas e Laudes pela supressão dos três salmos que não se cantavam antes da festa da Páscoa.

A partir desse deslocamento, os diálogos cantados e mimados terão vida inde- pendente e desenvolver-se-ão regularmente. O tropário de Winchester, desde 980, dá uma versão completa do Quem quaeritis. A Regularis concordia, [Boa harmonia canónica], redigida por Ethelwood, bispo de Winchester, embora menos comple- ta, fornece, em compensação, numerosos detalhes concernentes à cenografia, aos gestos e aos figurinos dos personagens.

Com o correr dos séculos, os dramas do período da Páscoa (há por volta de dois mil) transformaram-se de múltiplas maneiras: depois do Quem quaeritis, que é o mais importante, outros farão intervir as personagens dos apóstolos Pedro e Paulo, especialmente nas versões dos países germânicos, enquanto um terceiro grupo põe em cena o vendedor de aromas abordado pelas santas mulheres. Esses dois últimos tipos afastam-se bem nitidamente do canto gregoriano.

Os dramas ditos da Ressurreição representam o reencontro de Cristo com uma das três Marias depois de ter ressuscitado. Os manuscritos de Rouen propõem diversas versões datadas do século XII e que se divulgaram por toda a Europa, tanto assim que ainda foi possível encontrar a tipologia em Praga no século XIV.

Quanto maior o avanço no tempo, mais essas representações ganham em r i - queza e em complexidade. Do manuscrito de Fleury, copiado no século XIII pelos monges de Saint-Benoît-sur-Loire, constam as versões mais interessantes.

O manuscrito de Tours apresenta variantes longas e muito afastadas do canto gregoriano, que datam dos séculos XIII e XTV; já na versão mais tardia, a do drama de São Quintino, originário da abadia de Origny-Sainte-Benoîte, a língua verná- cula intervém consideravelmente.

"Quem procurais no túmulo, (ó) fervorosas do Cristo?" — "Jesus de Nazaré, que foi crucificado, ó habitante do Céu." — "Não está aqui, ressuscitou, como ele havia predito; ide e anunciai que ele ressuscitou do túmulo." (N. T.)

A liberdade e a brecha: tropos, seqüências, dramas litúrgicos 157

OS AUTOS DE NATAL

O outro grande ciclo, que surge no século XI, é o dos autos de Natal, que têm como ponto de partida um tropo do Introito da terceira missa do dia de Natal. Encena- se um diálogo em que intervém os pastores a caminho do presépio. O anjo lhes pergunta:

"Quem quaeritis in praesepe, pastores, dicite?' "Salvatorem Christum Dominum, infantem pannis involutum, secundum sermonem angelicum."1

O tropo conclui com o Introito: Puer natus est nobis [Um menino nasceu para nós]. Em pouco tempo esse curto diálogo cantado e mimado foi, como o da Pás- coa, deslocado para as Matinas.

Note-se que a célula geratriz dessas duas grandes séries de autos Utúrgicos, os da Páscoa e os do Natal, organiza-se em torno da pergunta: Que procurais? Vem à lembrança a recomendação de São Bento: Deum quaerere (procurar Deus). O es- pírito medieval é o da busca, coletiva e individual, a partir da qual se deterrmnam as escolhas da existência. Esse espírito aflora também e largamente, seja dito de passagem, nos grandes textos da literatura profana, como os romances de Perceval

ou le conte du Graal [Parsifal ou o conto do Graal], de Chrétien de Troyes, no fim

do século XII, e, no século XIII, a Queste del Saint Graal [Demanda do Santo Graal]. Um dos grandes eixos de reflexão espiritual da Idade Média acha-se assim introduzido no cerne do teatro nascente.

Para os autos de Natal, colocava-se o presépio atrás do altar, e as personagens evoluíam nos dois lados deste. O mais desenvolvido desses dramas é, no sécu- lo XIII, o de Rouen, onde se podia ver e ouvir cinco pastores como tais trajados, um anjo que canta Noli timere, um coro angélico que canta o Gloria in excelsis e muitas outras ampliações da situação inicial.

Nessa mesma época litúrgica, encena-se, desde o século XI, a Vtsitatio magi [Visitação dos magos], por ocasião da festa da Epifanía. Uma das versões, em Li- moges, no século XII, desenrolava-se durante o ofertorio da missa: os reis magos, suspensos por cordas, desciam em direção ao altar para trazer seus presentes ao Menino Deus. Uma variante dessa representação, o Offtcium stellae [Ofício da estrela], era dada entre a Terça e a Missa, em Rouen, notadamente nos séculos XII e XIII. Os magos celebravam a estrela que os guiava para o presépio. No manuscri- to de Fleury, lêem-se indicações de encenação com muitos detalhes sobre o deslo- camento da estrela de uma porta à outra do coro e por cima do altar, sobre a cólera de Herodes ou ainda sobre os figurinos dos pastores.

"Dizei-me, quem procurais no presépio, pastores?" — "O Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, a criança envolta em panos, segundo a palavra do anjo." (N. T.)

Sempre durante os doze dias das festas de Natal, desenrolava-se também o Or-

do prophetarum [Ordem dos profetas], com base num sermão do século VI erro-

neamente atribuído a Santo Agostinho, em que intervém não somente os profetas da Bíblia, mas também personagens alheios às Sagradas Escrituras tais como Vir- gílio e a Sibila. A esta última, reservava-se uma melodia especial com que ela anun- ciava o nascimento de Jesus Cristo. Essa mesma melodia continua a ser cantada, na ilha de Majorca, durante a missa de Natal. E uma lembrança desse drama e do impacto que ele possa ter tido sobre os espíritos subsiste até hoje em Notre-Dame- La-Grande de Poitiers, onde as estátuas dos profetas estão colocadas, não na or- dem em que figuram no Antigo Testamento, mas exatamente segundo aquela do

Ordo prophetarum. Esse auto comporta partes antifonadas, mas afasta-se muito,

ele também, da liturgia gregoriana. O AUTO DE DANIEL

Além desses dois grandes ciclos que vão progressivamente crescendo em variantes e em complexidade, inventaram-se, nos séculos XII e XIII, cerca de vinte autos cujos temas são tirados ora do Novo Testamento, ora do Antigo, e também da hagiografía. Assim é que, mais uma vez no famoso manuscrito de Fleury, encon- tramos autos da Ressurreição de Lázaro. Um deles, de autor anônimo, é pobre, sem variedade nas melodias; em compensação, os do clérigo Hilaire, aluno de Abelardo, contêm melodias e ritmos em consonância, como às vezes acontece, com os caracteres das personagens. A música da Conversão de São Paulo é também

No documento MASSIN 1997 Historia Da Musica Ocidental (páginas 90-95)