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A perspetiva pedagógica da abordagem Reggio Emília

A estrutura desta tese

Capítulo 4 Os Modelos Curriculares na Educação de Infância

4.3. A abordagem ao modelo curricular de Reggio Emilia

4.3.2. A perspetiva pedagógica da abordagem Reggio Emília

Ao observar as escolas de Reggio Emilia, Lilian Katz estruturou e sugeriu seis ensinamentos, considerados pontos de reflexão para os educadores, que apresentamos na seguinte forma: a) A prática pedagógica de Reggio Emilia demonstra que as crianças podem usar muitos meios gráficos para comunicarem as informações adquiridas, principalmente aquelas que são desenvolvidas através da metodologia de trabalho de projeto. O que parece é que as crianças italianas o realizam de uma forma muito mais fácil e competente do que acontece com as crianças dos Estados Unidos e de outros países. Este facto faz-nos refletir que muitas vezes subestimamos as capacidades gráficas das crianças em idade pré-escolar, desvalorizando a competência, o crescimento intelectual e o desenvolvimento e aprendizagem que este processo de representação gráfica proporciona às crianças; b) As artes visuais são consideradas linguagens disponíveis para a criança comunicar, mas não são apresentadas como disciplina, antes como um recurso a descobrir, experimentar e comunicar. Salientamos que, além do envolvimento em projetos, as crianças têm a oportunidade de participar e descobrir diariamente:

(…) uma ampla gama de jogos espontâneos com blocos, dramatizações, brincadeiras ao ar livre, audição de histórias, encenação de papéis, culinária, tarefas domésticas, atividades ligadas à arrumação pessoal, bem como, atividades de pintura, desenho, colagem e trabalhos com argila (Katz, 1999, p. 45).

Estas atividades, não são produtos meramente decorativos, levados para casa, e que, na maioria das vezes, não são discutidos, pois as crianças usam os seus desenhos e registos para aprenderem e discutirem com os outros. c) O facto de as crianças terem

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uma grande experiência na representação gráfica realizada através das suas observações, em contexto real, não as inibe de desenvolverem as suas capacidades de desenhar, pintar e representar a partir da imaginação. Estas demonstram grande competência nas suas representações gráficas, quer sejam mais próximas da realidade ou fruto da sua criatividade e imaginação. Os educadores referiram que algumas crianças interpretam ou “leem” os seus desenhos e os desenhos dos colegas e que os registos gráficos são lidos e relidos pelos educadores e outros adultos quantas vezes forem necessárias; d) Todo o trabalho desenvolvido pelas crianças é tratado pelos adultos com muita seriedade e rigor, na medida em que o tipo de relacionamento e envolvimento estabelecido entre o educador e a criança, enquanto aprendiz, é de acompanhamento do progresso do trabalho ou ideia, pois ambos decidem, conversam sobre os artefactos que estão a ser projetados e realizados, de forma envolvente. Salientamos, neste contexto, que:

Uma importante lição dos nossos colegas nas pré-escolas de Reggio

Emilia, portanto, é que, quando os adultos comunicam um sincero e sério interesse pelas ideias das crianças nas suas tentativas de se expressarem, um trabalho rico e complexo pode ocorrer, mesmo entre crianças muito pequenas (Katz, 1999, p. 49).

O envolvimento e a forma aprofundada com que as crianças trabalham as suas ideias, emergentes das situações vivenciadas por elas espelham os seus sentimentos, a sua imaginação, os seus conhecimentos de maneira variada na procura de compreender o mundo que as rodeia e do qual fazem parte; e) As crianças sentem que os adultos se empenham nas atividades a explicar, a fotografar, a registar, a escrever, a ler e a exibir cuidadosamente o resultado das suas aprendizagens porque eles sabem que os adultos consideram importantes os seus trabalhos. “Portanto todos os educadores poderiam indagar: O que é que a maioria dos meus alunos realmente pensa acerca do que levo a sério e com o que me preocupo profundamente?” (Katz, 1999, p. 48); f) As escolas municipais de Reggio Emilia apresentam uma intimidade parecida com a de uma grande família e comunidade. Parecem grandes casas atraentes, agradáveis e alegres, na qualidade do mobiliário, na organização do ambiente educativo e na exposição dos trabalhos das crianças. Em cada escola estão aproximadamente setenta e cinco crianças organizadas em classes de vinte e cinco crianças por grupo, onde as crianças trabalham em pequenos grupos. Nestas escolas, os pais desempenham um papel importante na educação dos seus filhos, em parceria com os educadores, o qual influencia a

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organização, manutenção e desenvolvimento dos projetos. Partilham, por exemplo, experiências realizadas nas escolas, nos seus locais de trabalho e na vida familiar. O envolvimento dos pais e da comunidade nas escolas é um marco de identidade destas escolas desde a sua fundação e demonstra o poder do compromisso real da comunidade com as suas crianças pequenas (Katz, 1999).

Podemos observar que um dos pilares do modelo de Reggio Emilia é a consciente vivência em comunidade onde os diferentes atores educativos (professores, educadores, pais e outros) constituem uma equipa de trabalho que, juntamente com as crianças com espírito de cooperação e colaboração, conseguem construir uma resposta educativa de melhor qualidade onde todos os envolvidos aprendem em relação uns com os outros (Lino, 2007).

Nesta abordagem curricular consideramos que a criança é plenamente capaz de construir mapas pessoais para a sua própria orientação social, cognitiva afetiva e simbólica; competente, ativa, crítica: porque produz mudança e movimento dinâmico nos sistemas em que está envolvida, incluindo a família, a sociedade e a escola; produtora de cultura (idem).

Nesta medida as instituições de educação de infância devem ser ambientes que cultivam a criatividade, a cooperação, a invenção, a inovação e a investigação. Os educadores são responsáveis pela formulação de hipóteses sobre o que poderia acontecer, perante uma ideia da iniciativa das crianças, que se corporiza em projeto ou num episódio de curta duração. Esta formulação de hipóteses tem em conta o conhecimento que o educador tem das crianças e as experiências realizadas anteriormente, entre outros aspetos. Estas hipóteses são verificadas em experiências, documentadas através dos trabalhos realizados pelas crianças e estudadas durante um determinado tempo considerado o necessário. O ciclo de aprendizagem acontece como resultado de um fluxo entre três grandes círculos dinâmicos: o levantamento de hipóteses, a concretização de experiências e a elaboração de conclusões que, por sua vez, pode levantar novas hipóteses. Em simultâneo, acontece, também, o processo de reflexão, de expressão ou comunicação da expressão e de experimentação. Assim, nasce um currículo emergente gerido e registado pelos educadores e refletido em equipa.

Na figura seguinte, podemos ver a complexidade do ciclo de aprendizagem na perspetiva da abordagem de Reggio Emilia, refletida pelos educadores da escola St. Michael, de Cadwell, nos Estados Unidos da América (Rinaldi, 2012).

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Figura 11- O ciclo de aprendizagem

Fonte: Rinaldi, C. (2012). A escola inteira como atelier. In L. Gandini, L. Hill, L. Cadwell, & C. Schwall (org.), O papel do atelier na educação infantil: a inspiração de Reggio Emilia. Porto Alegre: Penso.p. 212.

Todas as etapas mencionadas na figura movimentam-se e provocam impulsos na aprendizagem das crianças. Esta torna-se visível através de toda a documentação produzida em diferentes contextos educacionais por crianças e adultos envolvidos em diferentes processos desafiadores e promotores de educação e desenvolvimento. Cada tipo de atividade estimula a criação de outras em ciclos de aprendizagem sucessivos.

Na abordagem de Reggio Emilia, os educadores precisam desenvolver profissionalmente através do trabalho em equipa, do processo de pesquisa e do processo de formação contextualizada, um desempenho que assenta em princípios e diretrizes relacionadas com metodológica, didática, formas de expressão e representação, dinâmica de grupo, de desenvolvimento cognitivo e de interpretação dos trabalhos das crianças porque é imprescindível despertar nas crianças a vontade de aprender de forma cooperativa, em ambientes educativos que cultivam a criatividade e a livre expressão, envolvendo os elementos das famílias e os cidadãos em geral.

Os quadros seguintes apresentam uma listagem de recomendações, organizadas em seis categorias, que pretendem, resumidamente e de forma inacabada, facultar algumas diretrizes para o desempenho do educador (Edwards, 1999). (C. Edwards, & Forman, G., 1999)

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Quadro 13 – Primeira parte da lista de princípios e diretrizes para o educador da Abordagem Reggio Emilia

Preparação do Projeto

- Pense em termos de “reconhecimento”, em vez de “planeamento” - Use pequenos grupos de duas a seis crianças no trabalho de projeto - Dê liberdade a temas distantes das experiências quotidianas - Desafie as crianças a fazerem algo em grande ou complexo - Não evite temas emocionalmente carregados

- Apresente o projeto como uma necessidade de ser exibido e comentado - Esteja preparado para o imprevisto, debatendo diversas possibilidades - Preveja de que maneira o conteúdo académico pode surgir naturalmente Estratégia de Representação

- Peça que as crianças copiem as representações dos adultos, como mapas

- Deixe que as crianças façam desenhos transmudais, como desenhos de sons e sentimentos - Mostre às crianças fotos tiradas enquanto trabalham; estimule a reflexão

- Use os primeiros desenhos como uma referência para melhorar representações posteriores - Encoraje as crianças a fazerem seus primeiros esboços de modo causal e rápido

- Use os desenhos das crianças para esclarecer as suas teorias espontâneas - Faça fotocópias dos ícones das crianças e use-os em muitos contextos - Substitua os símbolos padronizados por símbolos inventados pelas crianças - Use um domínio simbólico para desenvolver e desafiar outro domínio

- Vá além da arte e estética; em vez disso, veja a arte como uma ferramenta para o pensamento - Integre desenhos a partir tanto da observação quanto da imaginação

- Desenhe o mesmo objeto ou sistema a partir de diferentes perspetivas

- Represente o mesmo objeto ao longo do tempo, por exemplo, sombras que se alongam, plantas que crescem

Dinâmica de Grupo

- Utilize, no nível adulto, os tipos de participação democrática, de aprendizagem cooperativa e de resolução de conflitos utilizados na educação das crianças

- Permita que as crianças comparem e critiquem o trabalho umas das outras

- Ajude a transformar diferenças de opinião em oportunidades para a solução do problema - Deixe que o sistema de relações do grupo seja um meio educacional

- Experimente com pequenos grupos com número variável de membros o trabalho em projeto - Seja sensível às diferenças de género nos estilos de soluções de problemas

- Confie nas crianças para debaterem entre si até ao fim

-Use o sentido de “nós” para melhorar a dinâmica social do projeto - Use o construtivismo social, apoiando o conflito construtivo - Faça com que o projeto culmine num evento para a comunidade

Nota: Edwards, C., Gandini, L. & Forman, G. (1999). As cem linguagens da criança: a abordagem de

reggio emilia da educação da primeira infância. Porto Alegre: Artes Médicas, pp. 307,308,309.

No quadro anterior apresentámos três categorias: a preparação do projeto, a estratégia de representação e a dinâmica de grupo. Quanto à preparação do projeto, o educador deve considerá-lo um momento fulcral onde se criam oportunidades para que as crianças e adultos façam a discussão, a manifestações de ideias, a planificação de uma sequência de atividades reconhecida, valorizada e respeitada, pois num contexto de interação emergem os conteúdos “académicos” promotores de um conhecimento contextualizado culturalmente. A representação dos diferentes pensamentos e situações deve ser expressa e registada de diferentes formas e em diferentes espaços de tempo, uma vez que as gravuras e os objetos fornecem um estímulo importante ao pensamento e à linguagem da criança. Assim, através de diferentes registos, há maior probabilidade

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de fortalecer a dinâmica de grupo no momento de reflexão e análise crítica das situações.

Quadro 14 – Segunda parte da lista de princípios e diretrizes para o educador da Abordagem Reggio Emilia

Estratégias Didáticas

- Proporcione situações que desafiem as crianças intelectualmente e emocionalmente - Sirva como escriba das crianças; escreva o que elas ditam

- Ofereça réplicas em miniaturas para apoiar o discurso das crianças - Deixe as crianças falarem sobre que representação comunica melhor

- Deixe que as crianças selecionem e discutam que materiais funcionam melhor - Ensine habilidades técnicas diretamente, por exemplo, quando trabalham com argila - Comente sobre o trabalho, em vez de comentar sobre o nível de habilidade das crianças - Desvie-se da falta de habilidades técnicas das crianças e escute o seu pensamento - Combine objetos e materiais de formas inesperadas

- Aprenda com as crianças enquanto elas tentam aprender consigo - Deixe que as crianças sigam o seu próprio ritmo

Objetivos Cognitivos Interpretação do Trabalho das crianças

- Encoraje as crianças a pensar acerca de algo que poderia ser e acerca de algo que poderia não ser - Encoraje as crianças a pensar sobre relações recíprocas - Ajude as crianças a recrearem situações quotidianas - Saliente o conhecimento em profundidade de sistemas complexos

- Permita que as crianças discutam a natureza incompleta do seu trabalho

- Documente, documente, documente!

- Compartilhe a sua documentação com os pais, com as crianças, com os colegas e com o público

- Assuma a perspetiva de um investigador

-Projete os problemas com base nas vivências anteriores - Reveja transcrições e fotos das crianças com elas - Encoraje as crianças para que preparem uma apresentação

- Trate todas as respostas como resultado de uma lógica compreendida

Nota: Edwards, C., Gandini, L. & Forman, G. (1999). As cem linguagens da criança: a abordagem de

reggio emilia da educação da primeira infância. Porto Alegre: Artes Médicas, pp. 307,308,309.

Neste quadro apresentamos três categorias: as estratégias didáticas, os objetivos cognitivos e a interpretação do trabalho das crianças. Neste âmbito o educador deve desafiar continuamente as diferentes capacidades das crianças pois o seu poder de escuta e o seu papel enquanto de mediador da aprendizagem são elementos fundamentais para o processo ativo de desenvolvimento e aprendizagem da criança. Cada atividade, cada diálogo é uma oportunidade de desenvolvimento cognitivo da criança, visto que na interpretação do trabalho das crianças não se deve fazer juízos de valor.

Neste modelo, as principais características incluem uma ênfase na expressão, com recurso às múltiplas linguagens simbólicas com muita imaginação e criatividade, um cuidado peculiar dos educadores na organização do ambiente educativo, no desenvolvimento de trabalhos de projeto ricos e diversos, como experiências que criam necessidades, interesses e desejos, exigindo um pensar crítico para a aprendizagem e a

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investigação das crianças, dos educadores, dos familiares e de outros cidadãos (Lino, 2007).

4.3.3. A perspetiva curricular da abordagem Reggio Emilia

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