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97 1.3 A publicidade diante da liberdade de expressão e comunicação

A liberdade de pensamento dispensa regramento legal dada sua natureza intrínseca com a vida humana, mas as formas de sua manifestação ganham repercussão na sociedade. Impossível supor a existência de regra jurídica proibitiva do pensamento, como inútil é regra permissiva para se poder pensar.

O ser humano relaciona-se naturalmente com o mundo a sua volta e, por conta da vida em sociedade, exprime seus sentimentos e necessidades de variadas formas, utilizando recursos que ora lhe permitem ocultar os seus próprios pensamentos, ora lhe servem para exprimir suas ideias de acordo com sua conveniência. Mascara-se como meio de preservar sua intimidade, como observa Salvatore D´Onofrio ao confrontá-lo com uma personagem de ficção:

―A personagem de ficção é muito mais verdadeira do que a pessoa real, pois esta é obrigada a ocultar sua verdadeira essência, seus desejos mais recônditos, e a colocar a máscara que o seu status social requer; aquela, por ser fruto da imaginação, pode abrir-se para nós em toda a sua autenticidade, não constrangida por preceitos morais‖.129

A livre manifestação do pensamento, por sua vez, interessa ao mundo jurídico porque de nada adianta o pensamento sem que se reconheça a liberdade para expressá-lo. Em sentido amplo, liberdade de expressão oferta a noção de liberdade de manifestação de pensamentos, ideias, opiniões, crenças e juízos de valor por meio da palavra, da escrita, da arte, da música, do cinema, etc. Nela dispensa-se o exame acerca da verdade, podendo a manifestação corresponder ou não à realidade dos fatos.

A liberdade de comunicação tem noção distinta da de liberdade de expressão. A liberdade de comunicação tem por objeto a difusão de fatos ou notícias sujeitos à comprovação da verdade, além de se referir ao processo comunicativo e à organização dos meios de comunicação. No interior do processo comunicativo encontramos a informação, que se vincula à veracidade e à imparcialidade na descrição de fatos, dados, qualidades, objetivamente apurados.130

129 Literatura Ocidental, pp. 9-10.

130 Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de informação e liberdade de expressão, p.

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A Constituição Federal reconheceu como direito fundamental a liberdade de expressão e comunicação no artigo 5º, inciso IX, ao dispor:

―é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença‖.

A liberdade de expressão, no texto constitucional, não se confunde com a liberdade de opinião, assegurada no artigo 5º, inciso IV, que dispõe:

―é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato‖.

Vidal Serrano Nunes Júnior conclui sobre as diferenças:

―Do exposto, forçosa a conclusão de que enquanto a opinião exterioriza um juízo conceitual, uma afirmação do pensamento, a expressão diz respeito à sublimação da forma das sensações humanas, ou seja, através dela o indivíduo exterioriza suas sensações, seus sentimentos ou sua criatividade, independentemente da formulação de convicções, juízos de valor ou conceitos, como na hipótese já declinada do direito de opinião.‖ 131

Bem se pode verificar nessa distinção, no texto constitucional, uma noção mais restrita de liberdade de expressão, na medida que retira dela a liberdade de opinião. Mas tanto a liberdade de expressão como a liberdade de opinião não se submete aos limites da veracidade e imparcialidade, traços comuns na mera descrição de fatos objetivos, que são próprios do exercício da liberdade de informação.

A publicidade enquanto peça criativa, dotada de peculiaridades artísticas, não pode deixar de ser considerada ao largo da liberdade de expressão. Isso a remete à condição de protegida como direito fundamental insuscetível de censura ou licença, em que pese estar submetida a restrições legais a publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, nos termos do artigo 220, § 4º, da Constituição Federal.

É comum não conferir à publicidade a proteção do princípio constitucional da liberdade de expressão porque ela representa apenas uma manifestação do fim lucrativo das atividades empresárias, dotada de mecanismos voltados ao

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estímulo de mercado e a serviço da sociedade de massas, dependente da criação de desejos incontidos nos consumidores. Some-se a este argumento, a tese de que a publicidade distancia-se da noção de difusão de ideias capazes de influenciar a opinião pública na construção da democracia.

As objeções não procedem. Não é exclusivo da publicidade se prestar à finalidade lucrativa, pois, os próprios meios de comunicação social são protegidos pela liberdade de expressão sem deixar de ter no seu âmago o fim lucrativo. Porventura deixará uma empresa jornalística de ter o fim econômico? A resposta negativa não afastará o jornal da proteção do princípio constitucional da liberdade de expressão. A sua estrutura não deixa de ser um modo especial de transmissão do conteúdo, ainda que construído coletivamente.

Em relação ao fato de a publicidade se prestar à sociedade de massas é preciso ponderar que não é única em tal tarefa. O cinema, a televisão e outros meios de manifestação cultural também servem ao referido propósito massificador nem por isso deixam de gozar da proteção da liberdade de expressão em suas peças, produtos ou serviços.

No sentido de informação, não se pode deixar de considerar que a publicidade pode servir à divulgação de ideias e opiniões alternativas visando influenciar as escolhas e decisões coletivas.

A peça publicitária liga-se, desse modo, à noção de liberdade de comunicação enquanto deva estar atrelada à descrição de fatos verdadeiros, objetivamente expostos para que o público destinatário possa estabelecer, por sua iniciativa própria, juízos de valor acerca do produto ou serviço anunciado.

A possibilidade de se reconhecer à publicidade a proteção da liberdade de expressão e comunicação se apresenta na doutrina estrangeira, como se pode verificar das conclusões trazidas por Jónatas E. M. Machado:

―A protecção da publicidade comercial a partir das liberdades comunicativas deve fazer-se, preponderantemente, com base na liberdade de expressão e de informação, consoante o peso relativo dos elementos persuasivo ou informativo, sendo certo que nem sempre é fácil distinguir entre juízos de valor e afirmações de facto. Todavia, não está excluído que tal procteção seja efectivada, igualmente, mediante a invocação dos direitos à liberdade de imprensa e de comunicação social. Em todo o caso, as restrições à publicidade

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comercial encontram-se subordinadas a uma reserva de lei formal qualificada, exigindo-se uma criteriosa ponderação proporcional dos bens jurídicos em conflito. É certo que esta mesma conclusão se chegaria se se considerasse que a publicidade comercial é protegida pela liberdade de iniciativa económica privada, na medida em que se está aqui perante direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias, aos quais é aplicável o respectivo regime específico. No entanto, , a procteção da publicidade comercial com base nas liberdades comunicativas assenta no reconhecimento de que a sua restrição implicaria uma limitação da difusão e circulação de ideias, valores, conceitos, opiniões e informações, a qual, para além de atentar imediatamente contra os direitos de produtores, distribuidores, órgãos de comunicação social e consumidores, produziria um impacto que transcenderia largamente a esfera económica. Assim, há que ter em conta que a restrição à publicidade comercial configura uma limitação às liberdades de expressão e de informação, devendo os bens que estas visam proteger ser incluídos no processo de ponderação e equacionados à luz dos bens jurídicos utilizados para fundamentar a restrição. Desta feita, os poderes de intervenção do Estado na economia não justificam a preterição, no domínio da disciplina jurídica da publicidade comercial, dos bens fundamentais tutelados pelas liberdades comunicativas.‖ 132

Possíveis limitações ou restrições à publicidade, enfim, não a afastam da proteção constitucional do artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal. Ela é, como ensina Tércio Sampaio Ferraz Júnior,

de um lado, exercício de livre iniciativa, de outro, exercício relacionado com a liberdade de expressão. A livre iniciativa admite restrições legais (C.F., art. 174). A liberdade de informação também, mas exclui qualquer forma de censura (C.F., art. 220). 133

O fato de se poder considerar a publicidade como uma manifestação da

liberdade de expressão não autoriza o raciocínio de que a publicidade comparativa esteja legitimada no plano constitucional.

A característica comparativa da publicidade a qualifica como agressiva aos consumidores, que têm direito à informação correta, contudo, se vêm diante de um emaranhado de juízos não aferíveis criticamente, e à propriedade dos signos distintivos do empresário, que são também direitos garantidos no plano constitucional.

132 Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra:

Coimbra, 2002; pp. 455-456.

133 Direito Constitucional. Liberdade de fumar, privacidade, Estado, direitos humanos e outros temas.

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