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92 1.2 Direitos fundamentais e publicidade

A Constituição Federal traz em seu bojo normas representativas de direitos subjetivos das pessoas, considerados imprescindíveis à condição de dignidade humana. Tais direitos subjetivos aparecem enumerados no texto constitucional, a princípio no Título II da Constituição Federal, que trata dos direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado, dos direitos políticos, da nacionalidade e dos direitos sociais.

Designam-se como

―direitos fundamentais, também conhecidos por expressões análogas, tais

como, direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos

individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.‖ 124

Os direitos fundamentais se espraiam no texto constitucional, não se limitando à colocação topográfica no ―Título II‖, como se pode perceber, por exemplo, do ―Título VIII‖, regulador da Ordem Social, que faz referência a vários direitos fundamentais (direito à saúde, direito da comunicação social, etc.) sobressaindo-se, na observação de Oscar Vilhena Vieira, a nossa Magna Carta muito generosa na declaração de direitos fundamentais.125

A confirmar a possibilidade de direitos fundamentais dispersos na Constituição leia-se o parágrafo 2º do artigo 5º, in verbis:

―Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.‖

124 José Afonso da Silva , Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 175 ss.

125 Direitos fundamentais, p. 41: ―Temos uma Constituição extremamente generosa em termos de

direitos. Somente no art. 5º temos 77 incisos dispondo basicamente sobre direitos civis, ou seja, direitos relativos às liberdades, a não-discriminação e ao devido processo legal (garantias do Estado de Direito). Alguns dos direitos relativos às liberdades são retomados a partir do art. 170, que rege nossa ordem econômica. Do art. 6º ao art. 11, por sua vez, temos direitos sociais, que serão ainda estendidos entre os arts. 193 e 217. Neste campo nossa Constituição reconhece como direitos fundamentais os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência e à assistência social, entre outros. O art. 12 articula as condições de nacionalidade, e do art. 14 ao art. 17 temos as bases para o exercício dos direitos de cidadania política, ou direitos políticos. Por fim, há, ainda, direitos ligados a comunidades e grupos vulneráveis, como a proteção especial à criança, ao idoso, ao índio (arts. 227, 230 e 231), ou, ainda, a proteção ao meio ambiente (art. 225 da C.F.)‖.

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O referido ―Título II‖ da Constituição Federal faz referência a ―direitos e garantias fundamentais‖, devendo se compreender como critério do constituinte a declaração, ou reconhecimento, de direitos subjetivos, dotados de instrumentos protetivos. Esses instrumentos de proteção dos direitos enunciados são denominados ―garantias‖, que abrangem os remédios constitucionais numa relação de continência.126

Os direitos fundamentais gozam de duplo caráter, ou seja, se apresentam em duas funções, subjetiva e objetiva. Na primeira função, os direitos fundamentais voltam-se ao reconhecimento de direitos subjetivos do indivíduo diante do Estado e no meio social de seu relacionamento jurídico (o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à manifestação do pensamento, etc.). Objetivamente, é um vetor a ser seguido pela sociedade como um todo, configurando-se num valor próprio para cumprimento dos princípios fundamentais do Estado democrático de Direito, ou seja, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.127

Não são absolutos, apesar de gozarem de hierarquia superior à lei ordinária e outros textos normativos, pois não raro há embates entre direitos fundamentais, impondo ao intérprete apreciar o âmbito de proteção dos referidos preceitos fundamentais. Pode existir colisão entre o direito de opinião e o direito à honra, entre o direito de imagem e o direito de privacidade, entre o direito de propriedade intelectual e o direito de ser informado.

A Constituição estabelece explicitamente limites a muitos dos direitos fundamentais declarados (por exemplo, a inviolabilidade do domicílio cede nas

126 Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior. Curso de Direito Constitucional, p. 109:

―Enquanto os direitos teriam por nota de destaque o caráter declaratório ou enunciativo, as garantias estariam marcadas pelo seu caráter instrumental, vale dizer, seriam os meios voltados para a obtenção ou reparação dos direitos violados.

Não se devem confundir, no entanto, garantias fundamentais com remédios constitucionais. Não existe sinonímia entre as expressões. O que existe entre elas é uma relação de continência, pois as garantias abrangem não só os remédios constitucionais (habeas corpus, p. ex.) como as demais disposições assecuratórias da nossa lei fundamental.‖

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Edilsom Farias, Liberdade de expressão e comunicação. Teoria e proteção constitucional, p. 30: ―O caráter dual dos direitos fundamentais diz respeito à dupla natureza ou função dos mesmos. Isso significa que, além da função subjetiva de proteger a pessoa humana nas relações representadas por posições ou status jurídicos, os direitos fundamentais possuem uma função objetiva: constituem um valor objetivo para a comunidade independentemente de sua função subjetiva. Essa mais-valia objetiva, celebrada como um dos significativos argumentos formulados no âmbito da dogmática contemporânea dos direitos fundamentais, resulta na consideração dos direitos fundamentais como componentes estruturantes de uma democracia constitucional razoavelmente justa e bem ordenada.‖

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hipóteses de ―flagrante delito, ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial‖ – art. 5º, inciso XI, C.F.), ou entrega à lei ordinária a tarefa de restringir o âmbito de atuação do direito fundamental.

A restrição dos direitos fundamentais por lei, evidentemente, não poderá chegar a ponto de criar embaraços ao exercício do próprio direito fundamental positivado na Constituição Federal. Suponha-se que, sob pálio de ser possível a lei ordinária estabelecer regras de qualificação para o exercício de uma profissão (art. 5º, inciso XIII, C.F.), venha o legislador criar embaraço, por exemplo, à profissão de advogado mediante a exigência de idade mínima, ou limitação do exercício da profissão à idade de sessenta anos. Haverá violação constitucional no referido texto legal. É possível, ainda, a restrição do âmbito dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário na análise de um caso concreto, ajustando o adequado alcance de um direito fundamental em confronto com outro.

Os direitos fundamentais podem ser tratados por legislação infraconstitucional para o fim de delimitação do seu alcance e fortalecimento do conteúdo positivado na Constituição Federal (por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor atende ao comando do art.5º, inciso XXXII, C.F.). Por seu turno, por vezes, ocorrerá concorrência de direitos fundamentais, ou seja, uma situação jurídica pode estar albergada por mais de um direito fundamental (o direito de expressão e informação ao lado da liberdade de imprensa).

Vidal Serrano Nunes Júnior considera que a publicidade não goza do status de direito fundamental de primeira geração porque não tem papel de limitar o Estado diante do indivíduo. Nem pode ser considerada como direito fundamental de segunda geração, pois, embora a publicidade tenha regramento constitucional no capítulo da ordem econômica e esteja atrelada ao princípio da livre iniciativa (―Capítulo I, Título VIII‖), a livre iniciativa aqui é apenas ―elemento fundante da ordem econômica‖:

―Deve-se questionar, no entanto, se a publicidade, enquanto função de venda, não herdaria predicados de direitos fundamentais em virtude de sua íntima conexão com a livre iniciativa.

A Constituição Federal, em seu art. 1º, IV, indicou a livre iniciativa como fundamento da República Federativa do Brasil, ao passo que o art. 5º, caput, da Constituição Federal clausulou, dentre os Direitos Fundamentais, a

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liberdade e a propriedade, fato que, supostamente, poderia induzir à conclusão de que todo o Capítulo destinado à ordem econômica na Constituição Federal, nada mais seria do que a agregação de Direitos Fundamentais dispersos no texto de nossa Lei Maior.

Não partilhamos desse entendimento.

Não se desconhece, como referido acima, que a liberdade e a propriedade estejam incluídas no rol dos Direitos Fundamentais. No entanto, a Constituição Federal, ao organizar a ordem econômica brasileira, fê-lo não com o escopo de reforçar a ideia de liberdade econômica, mas, ao contrário, com a finalidade de estabelecer limites para o seu exercício, quer para salvaguardar o cidadão, quer para proteger os partícipes do mercado das grandes corporações econômicas.

Logo, o que nos parece que ficou garantido no Capítulo dos Direitos Fundamentais é a mera necessidade de que o sistema econômico seja organizado segundo um nível mínimo de liberdade econômica, suficiente exclusivamente para que o direito à liberdade, reconhecido no caput do art. 5º, não seja negado. Fora disso, não é possível identificar-se a livre iniciativa como Direito Fundamental de primeira geração (garantidor da liberdade), pois, se assim o fosse, os dispositivos da ordem econômica estariam predispostos a repelir qualquer intromissão estatal, o que, com efeito, não ocorre.

Conclui-se, portanto, que a livre iniciativa, com a forma em que foi organizada pelo texto (com estrutura, finalidades e limites peculiares), não deve ser tratada como Direito Fundamental, mas como elemento fundante da ordem econômica (direito constitucional sem caráter fundamental).

Não fosse essa a forma correta de interpretação da Constituição Federal, defrontar-nos-íamos com a inarredável conclusão de que emendas constitucionais não teriam a aptidão de introduzir reformas na Constituição Federal, que implicassem, de algum modo, novos limites à livre iniciativa, o que ficou atribuído, de maneira ampla, inclusive à lei ordinária.‖ 128

É realçada, enfim, a noção de publicidade como mero instrumento de captação da clientela, sem que a sua existência seja tomada como criação artística. O entendimento esposado pelo doutrinador é limitado a uma função da publicidade, mas, em que pese a sua condição de função primordial, razoável que se observe e reconheça subjetivos interesses correlatos àquela função.

A limitação da publicidade, considerada esta como mero meio de alcance da coletividade de consumidores, não importará violação à livre iniciativa desde que a

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normatividade do legislador ordinário não implique extirpação do seu uso para o fim de desenvolver o trabalho e a atividade econômica. Bem por isso a própria Constituição, no artigo 220, assegura a liberdade de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, sem restrição, desde que observados outros direitos fundamentais nela previstos.

Vale dizer, se a publicidade também pode ser considerada como criação e meio de informação ao consumidor, evidente que deverá se conformar com outros direitos fundamentais, tal como o direito de autor conferido ao criador de determinada peça publicitária de concorrente, ou a quem legitimamente tenha o direito patrimonial da obra (art. 5º, inciso XXVII, C.F.), aos proprietários da marca, do nome empresarial, dos signos distintivos que se virem atingidos pela peça publicitária comparativa (art. 5º, inciso XXIX, C.F.).

A publicidade, como já mencionado, pode ser concebida sob a ótica da criação e, logo, estar protegida pelo direito autoral que confere a exploração exclusiva de utilização, publicação ou reprodução pelo autor. A proteção da obra publicitária, abstraído o fim a que se destina, goza de proteção constitucional de direito fundamental, ficando o Estado e os particulares limitados em relação a esse preceito constitucional. Essa qualidade de direito fundamental do direito autoral publicitário, por fim, conferirá à publicidade comparativa o traço de inconstitucionalidade por violação de direito individual.

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