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154 6 A publicidade comparativa no Conar

O Conar, uma entidade não-governamental, tem prestado um serviço a sociedade brasileira inestimável em razão de seu trabalho dedicado a apreciar denúncias de consumidores, associados e órgãos do poder público que dizem respeito às violações de princípios éticos norteadores da publicidade, fixados no Código de Autorregulamentação Publicitária.

A sua atuação não é prévia à manifestação, ou veiculação, publicitária e funciona como organismo de diminuição das tensões criadas entre anunciantes, consumidores e a sociedade em geral. Ao apreciar as denúncias, o Conselho de Ética do Conar pode recomendar a alteração ou a sustação da publicidade, mas são comuns as hipóteses de conciliação entre anunciantes ou mesmo o reconhecimento de irregularidades pelos investigados antes do julgamento do processo.

A importância do Conar se revela marcante em razão do conteúdo de suas decisões, que refletem a interpretação do Código de Autorregulamentação Publicitária, em que pese os dados de entidade encontrados no seu site

www.Conar.org.br ― acabem por demonstrar o baixo número de procedimentos em relação ao número de publicidade gerada no mercado. Comprova essa assertiva a iniciativa da entidade em permitir a denúncia eletrônica por qualquer interessado, mas que também reflete uma adequação à modernidade.

Os levantamentos do Conar mostram uma média de 300 (trezentos) processos instaurados por ano, desde 1998 a 2007, o que não deixa de ser uma pequena parcela da publicidade veiculada nos jornais, revistas, outdoors, panfletos, rádio, televisão e internete. Em 1998, foram instaurados 227 processos, com 119 julgamentos de procedência para recomendar a sustação dos anúncios apreciados, e, em 2007, foram instaurados e julgados 330 processos, com a recomendação de sustação em 51 deles. Em 2008, foram abertos 448 processos, com queda em discussões relativas à publicidade comparativa (6%), mas houve, no total, 180 decisões para sustar anúncios.

A autodisciplina, em que pese suas vantagens para o setor publicitário e para a sociedade, não se presta a impor sanções de natureza civil, que só podem ser alcançadas diante do Judiciário.

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Os dados representam uma parcela ínfima da publicidade no Brasil e, bem por isso, servem de ponto de partida para a conclusão de ser necessária uma regulamentação maior da publicidade em nível legal. A divulgação do Código de Autorregulamentação Publicitária, bem como sua aplicação, reclama a conversão de muitas de suas regras em normas legais.

O reconhecimento da publicidade comparativa no plano da autodisciplina, por outro lado, não se mostra adequado e seria razoável que fosse proibida pelo legislador, por meio de modificação da Lei nº 9.279/14-5-1996 ou da Lei nº 8.078/11-9-1990, ou mesmo com a edição de um Código da Publicidade Brasileira, a exemplo de legislações estrangeiras. Ao largo dessa proibição legal, ora sugerida, é de se apontar duas das muitas conclusões de Lélio Denícoli Schmidt, em artigo intitulado O direito de marcas e a publicidade comparativa, in Revista dos Tribunais nº 797, março de 2002, páginas 141-160:

―d) nos termos dos arts. 129, 130, III, e 132, IV, todos da Lei 9.279/96, bem como do art. 17, I, c, do Dec. 57.690/66, o titular pode impedir a citação de sua marca em publicação comercial que traga prejuízo à reputação ou distintividade desta. Isto torna ilícita a publicidade comparativa, mesmo fundada em afirmações verídicas. O titular da marca passou a ter o direito de impedir que um concorrente faça publicidade para falar mal desta, ainda que para dizer a verdade.

e) com a vigência da nova Lei da Propriedade Industrial, o caput do art. 32 do Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária elaborado pelo Conar passou a estar em conflito com o seu art. 43 e com o art. 132, IV, da Lei 9.279/96. Tal art. 32 não pode legitimar uma prática que é atualmente vedada pela legislação em vigor, já que o Código expedido pelo Conar só tem força de costume e não se admite o costume contra legem.‖ 191

191 Código de Autorregulamentação Publicitária: ―Art. 43. O anúncio não poderá infringir as marcas,

apelos, conceitos e direitos de terceiros, mesmo aqueles empregados fora do país, reconhecidamente relacionados ou associados a outro Anunciante.‖

Lei nº 9.279/14-5-1996:

―Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos artigos 147 e 148.‖

―Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de: III - zelar pela sua integridade material ou reputação.‖.

―Art. 132. O titular da marca não poderá:

IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.‖

Decreto nº 57.690/10-5-1966:

―Art. 17. A Agência de Propaganda, o Veículo de Divulgação e o Publicitário em geral, sem prejuízo de outros deveres e proibições previstos neste Regulamento, ficam sujeitos, no que couber, aos seguintes

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Como se vê, em artigo anterior à edição do novo Código Civil

Brasileiro/2002, numa confrontação entre o artigo 32 do Código de Autorregulamentação da Publicidade e a nova Lei nº 9.279/14-5-1996, já se podia verificar o descompasso entre o regime da autodisciplina e a legislação pátria.

Com mais razão, a partir da redação dos artigos 18 e 52 do Código Civil Brasileiro/2002, o não acolhimento do artigo 32 do Código de Autorregulamentação Publicitária não se apresenta como fundamento razoável para permitir a publicidade comparativa, devendo ser interpretado como um vetor para detecção da ilegalidade dessa técnica mais agressiva de publicidade.

Dispõem os artigos de lei referidos:

―Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.‖

―Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.‖

Com efeito, a letra ―g‖ do artigo 32 do Código de Autorregulamentação Publicitária aceita a publicidade comparativa desde que ―não se utilize injustificadamente a imagem corporativa ou o prestígio de terceiros‖. É razoável que se entenda o uso do nome alheio em propaganda comercial sem autorização como uma exploração injustificada e violadora do artigo 18 Código Civil Brasileiro, extensivo às pessoas jurídicas por força do artigo 52 desse diploma legal.

No contexto número apurado do sistema de autodisciplina, a publicidade comparativa vem ocupando uma parcela importante dos julgamentos no Conar. Mostram os levantamentos: representou 7,58% dos processos em 2001; 13% em 2002; 11% em 2003; 13% em 2004; 11,63% em 2005; 8% em 2006; 10% em 2007; 6% em 2008. É, sem dúvida, uma das maiores demandas levadas ao Conar, ao lado de representações envolvendo a apresentação verdadeira, os direitos autorais e a omissão da frase de advertência, que, em muitos casos, não deixam de ter relação indireta com a

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