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133 2 Origem e desenvolvimento da publicidade comparativa

A disputa entre os concorrentes no ambiente de vendas sempre propiciou comparações entre os seus produtos e serviços, sem maiores repercussões, mas em publicidade a prática representava manifesto exercício de concorrência desleal por violação ao princípio da correção profissional, com franco reconhecimento no século XIX até a Segunda Guerra Mundial. A atividade e os interesses dos empreendedores do mercado sobrepunham-se às necessidades da sociedade. O modelo econômico liberal foi utilizado para reprimir a publicidade comparativa, mas, desde o reconhecimento de interesses e necessidades sociais, passou-se a reconhecer nela a possibilidade de melhor informar e esclarecer satisfatoriamente os consumidores para decidir a respeito do ato de compra.

O desenvolvimento da publicidade comparativa ocorreu com mais vigor nos Estados Unidos a partir de 1930, em peça de publicidade da Chrysler que comparava os três modelos de carros mais famosos da época, e especialmente após 1971, quando foi tomada decisão pelo Federal Trade Commission, no sentido de que comparações indiretas eram proibidas por falta de caráter informativo, prejudicial aos consumidores.167 Tornou-se uma estratégia muito difundida na sociedade americana e atualmente é freqüente em publicidades de veículos automotores na disputa de mercado entre fabricantes americanos e japoneses, o que ocorre desde 1980. 168 Difundiu-se para muitos outros produtos e serviços, nas áreas de alimentos, remédios, móveis, vestuário, lazer, e até entre instituições financeiras.

É aceita e permitida no Canadá, no Reino Unido, na Dinamarca, na Suécia, na Austrália, em Portugal, na Espanha, na França e no Brasil, mas sem a expressividade econômica aferida nos Estados Unidos. É considerada ilegal na Itália e na Alemanha. Alguns desses sistemas merecem referência.

Na Comunidade Européia, o assunto passou a ser tratado em duas Diretivas inicialmente: a Diretiva 84/450/CCE, de 10 de setembro de 1984 e Diretiva 97/55/CE, de 12 de dezembro de 1997. A primeira aborda a publicidade enganosa, considerada esta como

167 Salvador Del Barrio Barrio, Publicidad comparativa, Situación actual y análisis. pp. 23-24. 168 C. Souchère, La publicité aux États-Unis, p. 45.

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―a publicidade que, por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, induz em erro ou é susceptível de induzir em erro as pessoas a quem se dirige ou que afecta e cujo comportamento económico pode afectar, em virtude do seu carácter enganador ou que, por estas razões, prejudica ou pode prejudicar um concorrente‖.

A Diretiva 97/55/CE, que alterou a Diretiva 84/450/CEE, dispôs especificamente sobre a publicidade comparativa, reconhecendo-a, a princípio, como lícita desde que observadas certas condições, tais como, não ser enganosa; comparar bens e serviços que correspondam a necessidades idênticas ou que visem o mesmo objetivo; comparar objetivamente características essenciais, pertinentes, verificáveis e representativas desses bens e serviços, das quais o preço pode ser parte integrante; não induzir em confusão no mercado entre o anunciante e um concorrente; não desacreditar ou denegrir marcas, nomes comerciais ou outro sinal distintivo de um concorrente; relacionar-se com produtos que tenham a mesma designação se a comparação versar sobre a designação de origem; não tirar proveito da notoriedade ligada a uma marca ou outro sinal distintivo de um concorrente; não apresentar um serviço ou bem como uma imitação ou uma reprodução de um bem ou serviço de marca ou nome comercial protegido (art. 3º A).

O tema é tratado em Diretivas mais recentes, a Diretiva 2005/29/CE, de 11 de maio de 2005, que trata das práticas comerciais desleais das empresas em face dos consumidores do mercado interno, e a Diretiva 2006/114/CE, de 12 de dezembro de 2006, relativa à publicidade enganosa e à publicidade comparativa.

A Diretiva 2005/29/CE, dentre as muitas considerações indicadas para sua edição, apontou as diferenças de legislação entre os Estados-Membros a respeito da publicidade e indicou a necessidade de harmonização. Reconheceu a possibilidade de publicidade prejudicial às empresas, mas não aos consumidores, mantendo a aplicação da Diretiva 85/450/CEE. Ao proibir as práticas comerciais desleais, indicou no que consiste tais comportamentos:

―1. São proibidas as práticas comerciais desleais. 2. Uma prática comercial é desleal se:

a) For contrária às exigências relativas à diligência profissional; e

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b) Distorcer ou for susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afecta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.‖

A publicidade comparativa e a publicidade enganosa receberam tratamento na Diretiva 2066/114/CE, sendo o objetivo principal desse texto comunitário, a codificação da Diretiva 84/450/CEE, em razão de suas várias modificações. Nesse sentido, na sua justificação, considera permitida a publicidade comparativa

―quando compara características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas e não é enganosa, pode constituir um meio legítimo de informar os consumidores das vantagens que lhe estão associadas.‖

Mais adiante, dentre as várias considerações, estimula a edição de legislação interna nos Estados-Membros para permitir a publicidade comparativa e definir as práticas consideradas ilegais, regulando o ônus da prova em relação aos fatos alegados; prescreve que as convenções sobre direito de autor e normas nacionais sobre responsabilidade contratual e não contratual devem aplicar-se à publicidade comparativa se atinentes a testes comparativos realizados por terceiros; permite a identificação de marca ou sinal distintivo de concorrente desde que o objetivo seja estritamente a comparação.

No direito comunitário, como se pode verificar, a permissão à publicidade comparativa é manifesta e tem o inequívoco propósito de influenciar os Estados-Membros à edição de normas legais favoráveis. Ao que tudo indica, no entanto, a postura adotada reflete o reconhecimento da impossibilidade de fiscalizar esse método agressivo de publicidade, sob o manto de mais e melhor informar o consumidor, pois, ao passo que a permite a publicidade comparativa, o sistema comunitário esforça-se em impor condições ao uso dela. A preocupação da Comunidade Européia está mais centrada na publicidade comparativa transnacional, tanto que reconhece a autonomia dos Estados-Membros para dar tratamento mais protetivo ao consumidor ou à concorrência.

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Nos níveis internos dos países da Comunidade Européia, a publicidade comparativa recebe tratamento diferenciado, merecendo destaques o direito português, o espanhol, o francês, o italiano e o alemão.

Em Portugal, como já mencionado, o Código da Publicidade (Decreto- Lei nº 330, de 23.10.1990) trata da publicidade comparativa no artigo 16, conceituando- a vagamente como a que

―identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente‖,

e impõe restrições ao seu uso, dentre as quais a imposição de que a comparação seja objetiva; não desacredite ou deprecie marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, atividades ou situação de concorrente; não retire partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes (publicidade parasitária).

Na Espanha, depois de ser considerada ilícita por anos, passou a ser aceita desde a edição da Lei Geral da Publicidade nº 34, de 11 de novembro 1988, desde que se apóie em características essenciais, relevantes, afins e objetivamente demonstráveis ou comprováveis. Caso viole tais preceitos, será considerada publicidade desleal, nos termos do artigo 6º, letra ―c‖, da referida legislação especial.

Na França, a Lei de Reforço à Proteção dos Consumidores, Lei nº 92-80, de 18 de janeiro de 1992, introduziu no seu ordenamento jurídico a publicidade comparativa, desde que não seja de ordem geral. A marca, um produto ou um serviço de uma concorrente, ou mesmo este e seus outros signos distintivos, devem ser identificados ou identificáveis, além de ser fiel e verdadeiro para não induzir ao engano os consumidores, nos termos do artigo 121-8. 169

169L. 121-

8: ―La publicité qui met en comparaison des biens ou services en utilisant soit la citation ou

la représentation de la marque de fabrique, de commerce ou de service d'autrui, soit la citation ou la représentation de la raison sociale ou de la dénomination sociale, du nom commercial ou de l'enseigne d'autrui n'est autorisée que si elle est loyale, véridique et qu'elle n'est pas de nature à induire en erreur le consommateur.‖

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Na Itália, não se conhece norma permissiva para a publicidade comparativa e em razão do artigo 2.598.2 do Código Civil considera-se sua prática como ato de concorrência desleal se difunde notícias ou apreciações sobre produtos ou atividade de um competidor bastantes para causar o seu descrédito. O Código de Autodisciplina Publicitária Italiano a admite quando é utilizada para demonstrar aspectos técnicos e econômicos caracterizadores de vantagens objetivas relevantes e verificáveis dos bens ou serviços. A publicidade comparativa indireta, ou seja, a que não identifica o concorrente e limita-se a fazer afirmações exageradas também é aceita, pois, se presume que o consumidor não esteja afeto a dizeres tão amplos, isto é, a comparação não tem o efeito de induzi-lo para a compra ou tomada de serviços.

Na Alemanha, finalmente, a publicidade comparativa foi admitida no início do século XX, mas a jurisprudência atual a repudia de modo veemente. Em casos excepcionais, entretanto, é possível sua utilização, em existindo motivo suficiente, na hipótese de legítima defesa, se houver pedido da clientela e se a comparação prestar ao esclarecimento de avanço técnico ou econômico. Cláudia Lima Marques, porém, cita decisão da Corte Suprema Alemã que a admitiu e só considera-a ilícita se para tirar proveito da reputação de outro produto (publicidade parasitária) ou para denegrir o concorrente.170

No Brasil, a regulação da publicidade comparativa se limita ao Código de Autorregulamentação da Publicidade do Conar, que estabelece condições para seu uso. O critério para seu reconhecimento se dá nos mesmos moldes do que se adota no direito comunitário europeu, mas é de se apontar que a formulação do Código de Autorregulamentação é muito mais antiga que as Diretivas da Comunidade Européia.

A prática publicitária comparativa pode recair em vários produtos e serviços, mas, preferencialmente, temos encontrado peças desta espécie nos ramos de automóveis, supermercados, magazines, fabricantes de bebidas entre outros. O Conar aprecia com frequência processos a respeito e Poder Judiciário tem sido chamado a decidir sobre a matéria.

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