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163 7 Publicidade comparativa e concorrência desleal

As práticas empresariais impõem um modelo de conduta a todos os que nela se envolvem, a partir da noção de boa-fé consagrada há muito tempo desde o Direito Romano, merecendo reprimenda toda conduta que esteja em desacordo com as práticas tidas como aceitáveis no mercado, em busca da clientela. Na disputa pela clientela, que a ninguém pertence em razão de ser indeterminada e não estar sujeita à apropriação, os empresários devem se valer meios não ofensivos aos concorrentes, estritamente ligados à eficiência produtiva e distributiva de seus produtos e serviços. Referida clientela goza de um caráter difuso, ainda que se busque considerá-la em razão de um território para investigar as conseqüências do uso de uma estratégia na sua captação.

Os modos de disputa devem respeitar a personalidade dos adversários e todo o feixe de direitos reconhecidos em torno dela, como o nome empresarial, o título do estabelecimento, as marcas, etc. Se tais modos desrespeitam o padrão ético aceito entre os concorrentes, transformados ou não em regras jurídicas legais, se estará diante de atos de concorrência desleal. Trata-se do reconhecimento do princípio da correção profissional, um modelo de conduta a ser seguido pelo empresário, hoje identificado no conceito de boa-fé objetiva - standard. A análise do comportamento dos competidores se encontra em um plano individual, fugindo da esfera institucional da livre iniciativa e livre concorrência, submetendo-se ao regime das relações privadas, sujeitas à legislação comum do Código Civil e Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 — Lei da Propriedade Industrial.

A concorrência pressupõe uma mesma clientela encontradiça no mercado, isto é, um mesmo público em tese apto a adquirir produtos e serviços de um ou mais competidores de mesmo ramo de atividade. Não há concorrência entre um fabricante de calçados e um fabricante de automóveis, como também inexiste entre empresas na situação de complementariedade, situação da empresa

―que prepara a mercadoria semitrabalhada e a que a toma neste estado como

matéria-prima para transformá-la em outra.‖ 201

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Detectada a situação de concorrência, o ordenamento jurídico passará a um segundo estágio, o da percepção dos atos práticos pelos concorrentes com o fim de ampliar a clientela. O juízo de valor que recai sobre os atos praticados poderá levar à conclusão de que tais atos são meios desleais para ampliar a clientela.

A conceituação de concorrência desleal não é tarefa fácil, conforme se pode verificar da variada doutrina a respeito do tema, que, ora a tem como atos contra a proteção do fundo de comércio; 202 contra o aviamento;203 contra a clientela;204 contra o patrimônio alheio; 205 contra um direito da personalidade, por se tratar de manifestações da pessoa jurídica suscetíveis de proteção (v.g. nome e criações intelectuais);206 contra a atividade empresarial como um todo;207 contra a moral profissional, os usos e costumes do comércio; 208 ou um exercício abusivo do direito de liberdade.209 Ricardo Negrão, após realçar que não há razão para tutelar a clientela, o que equivaleria a tutelar o lucro, pondera que a sua proteção está atrelada a fatos que configuram crime de concorrência desleal, previsto no artigo 195 da Lei nº 9.279/14-5-1996. A sua proteção, portanto, é indireta, emergindo também de outros tipos penais, descritos na referida legislação industrial, relacionados a categorias jurídicas diferentes, no caso, patentes, desenhos industriais, marcas, sinal de propaganda, indicações geográficas. Na palavras do renomado doutrinador, tipos penais que

―a rigor, têm por desiderato o mesmo propósito dos crimes definidos sob a rubrica concorrência desleal.

Todos os tipos penais do Título V protegem indiretamente a clientela e não apenas os mencionados no art. 195 sob a rubrica específica (contra a concorrência desleal), dando ensejo a indenizações de ordem civil pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido (art. 208), ressalvado o direito de haver de haver perdas e danos pelos prejuízos causados (art. 209) e dos lucros cessantes (art. 210).‖. 210

202 Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, v.1, p.244. 203 Hermano Duval, Concorrência Desleal, p. 128.

204 Joaquim Garrigues, Instituciones de Derecho Mercantil, p. 246. 205 Pascual di Guglielmo, Tratado de Derecho Industrial, t. 1, p. 303.

206 Carlos Alberto Bittar, Teoria e Prática da Concorrência Desleal, pp. 46-47. 207 José de Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, p. 89.

208 Yves Serra, Le Droit Français de la Concurrence, pp. 30-32. 209 José Lobo d´Avila Lima, Da Concorrência Desleal, pp. 72-73.

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A enormidade de referenciais para conceituá-la decorre do fato de ela ser móvel e variável, em razão dos conceitos abertos de lealdade, honestidade, bons costumes e boa-fé. Essas figuras, no espaço e no tempo, fornecem realidades diferentes para modificar o seu conceito, implicando a apreciação de sua ocorrência a partir do exame de situações de fato.211 Enfim, a concorrência desleal representa um juízo de valor negativo sobre determinadas práticas comerciais, a partir da violação da lei de proteção à propriedade industrial — hipótese de concorrência desleal strictu sensu — ou em razão da ilicitude decorrente do abuso do direito de concorrência.212

A publicidade é uma ferramenta colocada à disposição da atividade empresária para obter o sucesso no mercado, por meio da apresentação de produtos e serviços, e visa, sobretudo, influenciar no poder de decisão de compra e contratação da clientela. A influência dela já foi anteriormente discutida, dispensando-se repetições, e interessa ressaltar apenas que a forma de sua apresentação poderá representar atos de concorrência desleal.

A Convenção da União de Paris de 1883, com revisão em 1925 em Haia, integrou-se ao sistema legal nacional por força do Decreto nº 11.385, de 16 de dezembro de 1914, e foi ratificada pelo Decreto nº 635, de 21 de agosto de 1992, com Declaração de Adesão pelo Decreto nº 1.263, de 10 de outubro de 1994. Nela se encontra, desde a revisão ocorrida em 1925, a disposição do artigo 10 bis, caracterizando a concorrência desleal como a violação do princípio da correção profissional, cujo fundamento atual está na concepção de boa-fé objetiva, e, finalmente, especificando os atos considerados como índices legais de desrespeito ao princípio da correção profissional.

O artigo 10 bis da Convenção da União de Paris, assim dispõe sobre a concorrência desleal:

―1) Os países da União obrigam-se assegurar aos nacionais dos países da União proteção efetiva contra a concorrência desleal.

2) Constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrária aos usos honestos em matéria industrial ou comercial.

3) Deverão proibir-se particularmente:

211 José Roberto D´Affonseca, L´aquisition du droit sur la marque au Brésil, p. 154. 212 Torquato Carlo Giannini. La Concorrenza Sleale, p. 44.

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1º) todos os atos suscetíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão contra o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente;

2º) as falsas alegações no exercício do comércio, suscetíveis de desacreditar o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente;

3º) as indicações ou alegações cuja utilização no exercício do comércio seja suscetível de induzir o público em erro sobre a natureza, modo de fabricação, características, possibilidades de utilização ou quantidade de mercadorias.‖

Na legislação ordinária, as violações à Lei da Propriedade Industrial constituem-se crimes de concorrência desleal, previstos no extenso artigo 195. 213

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―Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I - publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem; III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;

V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;

VI - substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;

VII - atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;

VIII - vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;

IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;

X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;

XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou

XIII - vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser;

XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1º Inclui-se nas hipóteses a que se referem os incisos XI e XII o empregador, sócio ou administrador da empresa, que incorrer nas tipificações estabelecidas nos mencionados dispositivos.

§ 2º O disposto no inciso XIV não se aplica quanto à divulgação por órgão governamental competente para autorizar a comercialização de produto, quando necessário para proteger o público.‖

―Art. 207. Independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil.‖

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Valem, mais uma vez, os comentários já transcritos de Ricardo Negrão, mas também há condutas passíveis de medidas de proteção na esfera civil, conforme reconhecimento expresso no artigo 207, independente da consumação de delitos. Atos não tipificados como crime poderão dar ensejo à reparação civil, nos termos do artigo 209.

Ao nos referirmos às práticas comerciais adotadas pelo empresário nos reportamos às ferramentas escolhidas para digladiar com os concorrentes, mas também à maneira como ela é usada, pois, a concorrência desleal poderá decorrer tanto da escolha de uma ferramenta considerada ilegal como do uso indevido de um meio, a princípio, considerado aceitável na captação da clientela.

Na primeira hipótese, por exemplo, se o empresário resolver proceder por meio de espionagem industrial contra um concorrente, a concorrência desleal surgirá da ilicitude do próprio meio escolhido para disputar a clientela. Na segunda hipótese, haverá concorrência desleal se o meio de captação da clientela for válido, mas de uso inadequado, sem limites, em excesso, ou desvirtuado. Será o caso da publicidade apta a causar confusão entre concorrentes.

Tomando-se como ponto de partida a noção de concorrência desleal como juízo de valor negativo de práticas comerciais adotadas por um empresário em relação a seus concorrentes, mencionamos que os atos podem ser apurados diante de uma violação à lei civil ou penal. É a denominada concorrência desleal em sentido restrito. Os textos legais referidos— artigo 10 bis da Convenção da União de Paris e artigos 195, 207 e 209 Lei da Propriedade Industrial — portanto, dão os elementos necessários para aferição da publicidade como meio ilícito de captação da clientela. As condutas previstas no item ―3‖ da Convenção da União de Paris, não necessariamente criminosas, e aquelas previstas nos incisos I, V, VII e XI a XIV do artigo 195 da Lei nº 9.279/14-5-1996, podem ser encontradas na publicidade, especialmente na comparativa,

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