• Nenhum resultado encontrado

197 13 Publicidade comparativa e violações de direito autoral

A criação da publicidade envolve um grande número de pessoas especializadas (publicitários, escritores, desenhistas, pesquisadores, produtores de fonogramas e filmes, intérpretes, técnicos de produção, atores e músicos) na sua criação e desenvolvimento, na maioria das situações ligadas à agência, que fará a avaliação das condições de mercado para o produto ou serviço a ser anunciado, as condições da concorrência, a colocação do anunciante em relação aos concorrentes, o perfil do consumidor e sua capacidade econômica. Superada a fase de planejamento, inicia-se o processo de criação propriamente dito, por meio de profissionais da área de arte e redação, até a montagem de um esboço da peça ao anunciante que, aprovando-a, autoriza a produção para futura veiculação. Ao final de sua composição, fruto desse trabalho coletivo, será possível verificar o seu caráter de originalidade objetiva,243 traço exigível para que se tenha uma produção estética protegida pelo direito autoral.

A relação contratual entre anunciante e agência é disciplina pela Lei nº 4.680, de 18.6.1965, cabendo a proteção autoral à agência em relação à obra final, mas aos criadores e artistas publicitários também é conferida a proteção moral e patrimonial de direito autoral, conforme leciona Carlos Alberto Bittar:

―São, pois, titulares de direitos na publicidade: a) os criadores, os que elaboram obra individualizada ou individualizável (nesse rol se incluem os escritores, poetas, compositores, atores, intérpretes e outros); b) a agência, na hipótese de obra coletiva (ou seja, elaborada através da conjugação de contribuições de diversos criadores, mas sob a direção da agência, de modo que não se possa, na obra final, individualizar a colaboração de cada qual); c) a produtora, nas mesmas condições da agência (seja de fonograma, seja de filme).

Assinale-se, outrossim, que, em qualquer caso, à agência (ou à produtora) cabem os direitos sobre a obra final nela produzida (o anúncio em seu conjunto, o fonograma como tal, o filme, e assim por diante), que coexistem com os direitos dos autores de obra individualizada ou individualizável que a integre (exemplo: o autor do texto, do desenho, da música).‖ 244

243, Newton Silveira, A propriedade intelectual e as novas leis autorais, pp.9-10 244 Contornos atuais do direito do autor, p. 205.

198

As relações contratuais entre todos os participantes da obra publicitária, de natureza coletiva,245 são complexas e geram, muitas vezes, conflitos relativos aos direitos autorais envolvidos, em especial entre produtores cinematográficos de filmes publicitários e agências.246

No contrato entre agência e empresário estipula-se o direito do anunciante utilizar a obra publicitária, sem que possa transferir o material a outra agência, salvo autorização respectiva do titular (agência). O anunciante terá ainda o direito de proteger a obra publicitária contra terceiros, do mesmo modo que a agência. A proteção poderá ser a mais ampla possível, por meio de medidas cautelares de suspensão da publicidade comparativa, além de pedidos cominatório ou indenizatório, sem embargo do que dispõe o artigo 106 da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/19-2- 1998), que autoriza o juiz a

―determinar a destruição de todos os exemplares ilícitos, bem como as matrizes, moldes, negativos e demais elementos utilizados para praticar o ilícito civil, assim como a perda de máquinas, equipamentos e insumos destinados a tal fim ou, servindo ele unicamente para o fim ilícito, sua destruição.‖

A obra publicitária poderá ser produzida pelo próprio empresário anunciante, se ostenta as qualidades técnicas e dispõe de recursos bastantes, ou quando tem um departamento específico de publicidade em sua estrutura organizacional. Na maioria das vezes, a regra é o anunciante se socorrer de uma agência. E considerada essa multiplicidade de envolvimentos na obra publicitária, é fácil chegar à conclusão de que a publicidade comparativa ingressará nessa órbita como componente complicador. Muitas peças de publicidade comparativa poderão afetar os direitos da agência e de todos os envolvidos na obra publicitária, além do anunciante alvo da comparação.

O sinal de propaganda, designado no meio publicitário de slogan, goza de proteção pelas regras repressivas à concorrência desleal, constituindo crime o uso ou a imitação dele pelo concorrente, desde que crie confusão entre os produtos ou estabelecimentos, nos termos do artigo 195 da Lei nº 9.279/14-5-1996. Para configuração do delito, repita-se, deve haver a confusão entre estabelecimentos e

245 Antonio Carlos Morato, Direito de autor em obra coletiva, p. 159.

199

produtos e, vale lembrar, não se sujeita à proteção por registro perante o Instituto Nacional de Propriedade Nacional.

É possível, por outro lado, a proteção do slogan no nível do direito autoral, embora sua ocorrência possa ser considerada rara, devido ao fato de o ―lema revestir um caráter tal de criatividade que deva ser considerado por si obra literária.‖ 247

Na França, a partir de 1980, a jurisprudência consagrou a proteção autoral ao slogan em muitas decisões 248 e é recomendável que se evite utilizá-lo em outra obra publicitária.249

Recolhido o slogan de um empresário concorrente, com características marcantes de originalidade, um anunciante passa a fazer comparações em seu anúncio com os produtos daquele, sem que se verifique a ocorrência de confusão entre produtos ou títulos de estabelecimentos. No caso dessa hipótese, o anúncio comparativo deixa claro que se trata de concorrentes, mas a publicidade se vale do slogan alheio em tom de comicidade, de grotesco ou simplesmente irônico. A violação não está apenas na comparação com o concorrente, pois, há apropriação de obra alheia.

Aceita a impossibilidade de causar confusão, não haverá a prática criminosa de concorrência desleal, por violação do artigo 195, da Lei nº 9.279/14-5- 1996, mas ficará caracterizada a violação de direito autoral da agência criadora do apelo original e do direito de uso do concorrente objeto da comparação. Não é possível vislumbrar aí um mero artifício criativo por parte do anunciante, a reboque do que dispõe o artigo 41 do Código de Autorregulamentação Publicitária. Referido artigo dispõe que, a criatividade e a originalidade são protegidas, condenando-se o anúncio que

―tenha por base o plágio ou a imitação, ressalvados os casos em que a imitação é comprovadamente um deliberado e evidente artifício criativo‖.

Não há criatividade e originalidade no uso da expressão de propaganda alheia diante do interesse evidente de comparar. O fim a ser alcançado na mente do público é o de diminuir a imagem do concorrente comparado, por meio da própria

247 José de Oliveira Ascensaão, Direito autoral, p.452.

248 Christophe Bigot, Droit de la création publicitaire, pp. 31-32.

200

criação deste último. O exame da peça de publicidade conduzirá, enfim, à necessidade de aplicação das regras de proteção do direito autoral diante da violação da publicidade comparativa.

Documentos relacionados