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A Solidariedade da Classe Trabalhadora

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 95-107)

2. BASES ANTROPOLÓGICAS DA SOLIDARIEDADE

2.3 A Solidariedade da Classe Trabalhadora

Após a solidariedade ter sido praticada com o significado de coesão social na França dos anos 1830 e 1840, esse termo se firmou nos anos 60 do século XIX como um conceito de luta para a classe trabalhadora. (WESTPHAL, 2008, p. 47).

O contexto socioeconômico no qual os trabalhadores do capitalismo industrial viviam fizeram com eles buscassem se organizar e sistematizar o trabalho, inspirados em pressupostos valorativos do “solidarismo.” O movimento cooperativista surge então como uma alternativa diferenciada de geração de trabalho e renda, criado pelos próprios trabalhadores, em que o processo de execução e concepção é considerado dever e direito dos cooperados. Essa nova sistematização do trabalho teve como marco simbólico a Cooperativa Matriz de Rochdale65, que tinha como princípios básicos a autogestão, autonomia, democracia, responsabilidade, participação, igualdade e solidariedade entre os trabalhadores. (RECH, 1991).

65 Em 1843, um grupo de trabalhadores da cidade de Rochdale, realizou uma greve, que teve como objetivo reivindicar melhores salários e condições de trabalho. Essa manifestação fracassou, tendo-se como consequência a demissão de dez funcionários. Os tecelões buscaram uma alternativa econômica viável para atuarem no mercado, criando uma cooperativa e um fundo (uma libra esterlina por integrante), que serviu para construir o armazém da cooperativa. Pinho (2009) lembra de outra contribuição importante dos cooperados de Rochdale no Congresso de setembro de 1937 que foi a elaboração dos sete princípios do cooperativismo que em setembro de 1966 foram consagrados como básicos no Congresso da Aliança Cooperativa Internacional.

De acordo Donati (1996 apud LAVILLE, 2008), a acepção da solidariedade como ação benévola e filantropia sempre foi o que deu origem às associações e, por isso, é que o autor define a natureza da associação como “privado social.” De acordo com Laville (2008) foi P. Leroux o inventor autoproclamado do termo solidariedade, que vê nas redes de solidariedade o espírito público indispensável à democracia.

O associacionismo pioneiro, após lutas severas e, apesar das suas derrotas, chega a estatutos jurídicos que incluem uma parte das suas reivindicações, particularmente a legalização de associações de classe: órgãos de defesa como os sindicatos, combinações de agrupamentos de pessoas e de atividades econômicas não controladas pelos investidores, como as cooperativas e as associações de mutualidade. Os direitos sociais conquistados pela pressão dessas associações vão progressivamente atenuar a profundidade do abismo que separa os detentores do capital e os proletários, possuidores da sua única força de trabalho. Perante a miséria segregada pela revolução industrial, são necessárias normas sociais de justiça, sendo o Estado social seu fiador, susceptíveis de corrigir numerosas perturbações geradas pela ampliação da economia de mercado. A proibição do trabalho das crianças e a limitação da jornada de trabalho são promulgadas por governos sujeitos à pressão operária.

Embora a França tenha optado por uma política da solidariedade, governada pelo ideal de cidadania, houve por parte do governo uma desconfiança quanto à função das associações voluntárias, pois nada parecia mais contrário à liberdade individual burguesa e ao princípio de soberania do Estado do que estas associações de companheiros que se comprometiam com o processo de secularização e de democratização. Foi nesse contexto de repressão que o movimento operário e socialista nascente, em total harmonia com a nova ordem revolucionária, tornou-se o laboratório das formas associativas e das utopias da associação. É, então, em nome da solidariedade que abundam as associações operárias entre 1830 e 1848. Mesmo de maneira alusiva, é necessário aqui sublinhar a dimensão propriamente política da solidariedade operária e do seu ideal associacionista. (CHANIAL, 2000).

Como pudemos ver, com a formação das associações, em fins do século XIX, a solidariedade social funcionava apenas na seguridade social. A solidariedade como princípio de Estado validou-se apenas no Estado de Bem-estar Social, que organizou progressivamente as sociedades europeias ocidentais desde uma base emocional, tornando-se uma pragmática burocratizada. Para Laville (2008), a concepção de responsabilidade com os outros foi progressivamente desindividualizada, transferida para ‘estruturas’ e ‘instituições’, ficando os sujeitos desobrigados de ação individual, de maneira que, em sua visão, a solidariedade ficou enfraquecida.

De acordo com Laville (2008), as relações entre democracia e economia no estado moderno não são mais governadas a partir do modelo da caridade cristã, pela dívida de todos para com Deus, mas pela dívida de todos para com a sociedade. Assim, não pagar as obrigações mútuas que geram a vida em sociedade e que resultam da solidariedade social equivale à violação de um contrato. Portanto, como indica L. Bourgeois (1922 apud LAVILLE, 2008), “o dever social não é uma pura obrigação de consciência, é uma obrigação fundada em direito, da qual não se pode fugir sem uma violação de uma regra precisa de justiça”, e o Estado pode impor essa regra “se necessário pela força” a fim de assegurar “a cada um, a sua parte legítima no trabalho e nos produtos.”

A resolução da questão social, então, supõe um justo cálculo próprio a estabelecer uma repartição equilibrada dos benefícios e dos custos da solidariedade social, que deve ser expressa em lei e garantida pelo Estado. Assim, a procura de equilíbrio entre liberdade e igualdade constrói-se por dissociação e complementaridade entre o econômico e o social, encontrando a sua formulação na ideia de serviço público ligada à noção de justiça.

Rawls (1987, p. 280 apud FARIAS, 2002, p. 6) propõe uma “teoria da justiça como equidade vista a partir de uma concepção política da justiça.” Para ele, não se trata de redistribuir de maneira permanente e generalizada os “bens primários”, mas de dotar equitativamente cada indivíduo desde o começo. Propõe-se, então, um alargamento e, ao mesmo tempo, uma definição estrita do princípio da igualdade de oportunidades. Rawls (1987, p. 100 apud FARIAS, 2002, p. 7) considera a possibilidade de certa correção das desigualdades desde o início: “Para chegar a uma real igualdade das chances, a sociedade deve prestar mais atenção àqueles que são desprovidos de bens desde o nascimento e àqueles que nasceram em posições sociais menos favoráveis” O problema que se coloca para Rawls, que é um liberal, é saber como pensar a questão da igualdade social sem abrir mão da sociedade de mercado e das liberdades individuais.66

66 De acordo com Farias (2002) Rawls foi muito criticado pelos “comunitaristas”, porque, para eles, os filósofos liberais procuram princípios universais e são obcecados pelos “direitos” individuais, pela propriedade privada, concebendo o homem “atomisticamente”, o que, no fundo, limita as capacidades individuais, estabelecendo uma visão equivocada da sociabilidade humana. Para os comunitaristas, os princípios universais não têm uma base real, pois os problemas importantes surgem no interior de associações políticas, e suas soluções só podem ser encontradas no seio das práticas e das tradições da própria comunidade. Os “comunitaristas” não estão preocupados com “o que devemos ser?”, mas em saber “quem somos?”, ou seja, eles estão preocupados, antes de tudo, com o caráter da comunidade que constitui a identidade de cada um. Essa preocupação deve ser considerada essencialmente política, pois ela diz respeito à atividade que se ocupa das exigências da comunidade, não podendo vir de uma concepção filosófica abstrata como a justiça. (FARIAS, 2002, p. 7-9). Em trabalhos posteriores a sua obra A Teoria da Justiça, nota-se um movimento do pensamento de Rawls numa direção mais comunitarista. Segundo Richard Rorty (1997, p. 243-244), as críticas dos comunitaristas pecam por não compreenderem que Rawls está tentando demarcar exatamente um “solo médio” entre o relativismo e a “teoria do sujeito moral”. Quando Rawls fala de um “ponto arquimediano”, ele não tem em vista um ponto

Donzelot (1984 apud LAVILLE, 2008) observa que “o social” emerge como categoria separada apenas a partir da despolitização da questão econômica. É a renúncia de uma extensão do espaço público na economia que faz emergir “o social” sob a responsabilidade estatal no século XIX. Simbolizando a função de vigilância e de proteção exercida pelo poder público, “o social” constitui no século XX “uma das formas de legitimação da política”; mas é apenas no dia seguinte da Segunda Guerra Mundial que “é registrada uma mutação decisiva caracterizada por uma quádrupla extensão da economia, da industrialização, do assalariado e da ação social estatal.” (LAZAR, 2000, p. 341-352 apud LAVILLE, 2008).

O Estado, expressão da vontade geral, torna-se depositário do interesse geral, através da ação da administração. A legitimidade da intervenção do Estado limita-se, de fato, pela solidariedade social, mas reforça “a sua potência tutelar” e “o seu papel central de organização da sociedade” (LAFORE, 1992 apud LAVILLE, 2008). “O Estado não é mais apenas potência soberana, poder de coerção”, mas torna-se “previdência mútua e a relação social modela-se sobre a mutualidade” (EWALD, 1993 apud LAVILLE, 2008).

Baseada no direito, a intervenção do Estado relacionada aos cidadãos-assalariados impõe-se como adaptação pragmática das teorizações da coesão social preocupadas em evitar a contradição entre o ‘individualismo’ e o ‘coletivismo’. O modelo de solidariedade estatal enquanto distribuição dos riscos, culminando no sistema de direito do Estado providência, é, segundo Ewald (1993), reconhecido por quatro elementos centrais: a) em cada prejuízo individual, a perda relacionada é transportada para o todo social, independentemente da causa do prejuízo; b) os custos da perda são transpassados pela vítima a outro, em consequência de uma determinada compreensão de ‘barato’ correspondente ao desenvolvimento social; c) os sistemas de responsabilidade jurídica colocam-se contra a natureza, o destino e o imprevisível; d) o “estado social ideal” de socialização dos riscos, sendo este ideal realizável como sistema de segurança social.

Gradualmente, o Estado social, nos países europeus, torna-se o fiador da solidariedade, de maneira que às relações solidárias horizontais baseadas no compromisso sucedem os direitos positivos à vocação universal, tornando a solidariedade mais abstrata e confiando-a ao Estado.

De acordo com Bauman (2008, p. 177), um Estado é social quando promove o princípio do seguro coletivo e proteção integral ao cidadão, endossado de modo comunitário, contra o infortúnio individual e suas consequências. Foi Lorde Beveridge, a quem devemos o exterior à história, mas simplesmente o tipo de hábitos sociais estabelecidos que concedam muita latitude para escolhas ulteriores.

projeto do Estado de Bem-estar Social, que, de acordo com Bauman (2008, p. 178), previu para a sociedade britânica do pós-guerra um seguro abrangente e coletivo, como complemento indispensável da ideia liberal de liberdade individual, assim como condição necessária à democracia liberal. O Estado Social é, portanto, a derradeira encarnação moderna da ideia de comunidade, ou seja, a encarnação institucional de tal ideia em sua forma moderna de totalidade abstrata, imaginada, construída pela dependência, pelo compromisso e pela solidariedade. (BAUMAN, 2008, p. 179).

A parceria formada pela economia de mercado e o Estado social chega ao compromisso fordista e providencialista, próprio ao período de expansão dos Trinta Gloriosos. Será após a Segunda Guerra Mundial, a partir da necessidade de apoiar os consensos nacionais, que a complementaridade entre Estado e mercado toma toda a sua importância. O Estado keynesiano assume, então, a tarefa de favorecer o desenvolvimento econômico através de novos instrumentos de conhecimento e de intervenção. A principal inovação reside na importância das políticas publicas através das quais o Estado social se transforma em Estado-providência, protegendo o trabalhador dos riscos ligados à doença, ao acidente, à maternidade, à velhice ou à inatividade forçada.

Esping-Andersen (1991) argumenta a necessidade de se retomar a solidariedade como um valor na universalização das políticas sociais, como um meio para a efetivação da democracia coletiva. Para tal autor, a solidariedade é definida tanto positiva como negativamente e exige uma série de deveres e responsabilidades da comunidade como um todo, garantindo ao indivíduo um conjunto de direitos e expectativas em relação à comunidade.

A intervenção do Estado através das políticas sociais – o chamado Estado Social – historicamente surgiu com o propósito de responsabilização pelas condições de reprodução das necessidades dos indivíduos e famílias, intervindo basicamente no campo da reprodução social da sua existência. Antes dele, a responsabilidade para com os pobres e incapacitados de proverem suas necessidades era dos sistemas de caridade. Ao Estado cabia atuar através de políticas de controle das “classes consideradas perigosas”, de maneira que a questão social era tratada de forma repressiva. (DRAIBE, 1990).

O Estado Social se responsabilizou em proporcionar o acesso às condições mínimas de reprodução da força de trabalho e com os direitos de cidadania, que são compreendidos em direitos políticos, direitos civis e direitos sociais. Os dois primeiros foram conquistados no século XIX e o terceiro no século XX. O desenvolvimento do Estado Social, ou Estado de Bem-Estar, se fez com o compromisso em relação ao bem-estar das pessoas, de maneira que

possam “contar com uma rede de apoios que lhes garantam a reprodução cotidiana”, sem deixá-las à mercê dos riscos do mercado. (SARRACENO, 1992, p. 212).

De acordo com Westphal (2008, p. 48), contemporaneamente, as questões acerca do Estado de bem-estar Social apresentam-se como pontos centrais no entendimento de uma “solidariedade burocrático-administrativa” que diz contrapor-se à qualidade da solidariedade livre e espontânea dos homens. A autora acredita em uma natureza boa do homem e toma a “solidariedade burocrático-administrativa” como um prejuízo, embora acredite também que esse estado de coisas possa ser reversível se a sociedade civil se responsabilizar pelas questões sociais. Em nossa opinião, essa verdade apontada por ela apenas revela o quanto foi e continua sendo frágil apelar para a solidariedade quando se trata de diminuir as desigualdades.

Westphal (2008, p. 46) observa que a responsabilidade tornou-se inominada por meio de estruturas estatais e que, por isso, a ideia e o conceito de solidariedade foram perdendo força por estarem atravessados pela coletividade anônima da administração burocratizada, do direito social e da política pública. No entanto, não aceitamos a ideia de responsabilizar o cidadão na efetivação dos direitos sociais e, em nossa opinião, essa deveria ser a função do social do Estado, já que arrecada altos impostos do trabalhador para garantir o acesso da população a serviços públicos que deveriam ser de boa qualidade. Depois de ter todos os seus direitos constitucionais garantidos, a responsabilidade do cidadão seria, em nossa opinião, a de acompanhar a gestão, exigindo lisura no uso do dinheiro público.67

Esping-Andersen (1991, p. 101) acrescenta uma ideia muito interessante que é a da “desmercadorização” dos indivíduos, como condição de cidadania. Já que essa envolve estratificação social, o estatuto de cidadão acaba sendo contaminado pela posição de classe, e sua condição de consumidor pode até mesmo substituí-la. Por outro lado, a “desmercadorização” dos direitos sociais implica a ideia de que o acesso aos direitos deve ser independente do mercado.

Esping-Andersen (1991) apresenta três tipos de regime, embora nos alerte para o fato de que estes não estejam hermeticamente fechados entre si. O primeiro é definido como “liberal” e é predominante nos países anglo-saxões, onde a lógica que prevalece é a do fortalecimento do mercado. Um segundo tipo de regime, fortemente “corporativista”, amplia a

67 O Papa Bento XVI, em sua encíclica Deus é amor, de 2005, também acredita que o Estado sozinho não é capaz de garantir a justiça social, já que o problema da justiça diz respeito à razão prática, de maneira que os políticos podem sofrer de uma cegueira ética derivada da prevalência dos interesses pessoais e do poder. Diferente do que nós pensamos a respeito, o Papa advoga que somente a Igreja pode purificar a razão deste mal, deixando subentendido, quase como uma necessidade, que os políticos deveriam ter uma formação cristã para fazer valer um Estado justo.

previdência social na esfera estatal e a torna compulsória. O exemplo dado pelo autor é o da Alemanha, mas o autor admite que o modelo não assegura grande “desmercadorização”, porque depende de elegibilidade baseada na legislação, das contribuições fiscais e, na maioria dos casos, a existência do direito social por si só não exclui a possibilidade de depender do mercado. Finalmente, o terceiro tipo, denominado de “socialdemocrata”, é o mais recente e compõe-se de nações onde predominam os princípios de universalismo, “desmercadorização” e benefícios mínimos iguais para todos os cidadãos, independente de ganhos e contribuições anteriores.

Van Parijis (1996) diz que os dois primeiros tipos citados (liberal e conservador) se apoiam na ideia de um contrato, o que remete a um nível de solidariedade mais frágil, enquanto o social democrata apresenta-se como um modelo com maior exigência de solidariedade. Isso se dá porque nesse modelo deve-se considerar a liberdade mínima dos cidadãos, sem a perda do potencial de trabalho, dos rendimentos e dos benefícios sociais (licença para cuidar dos filhos, licença-maternidade, seguro desemprego, licença educacional).

Segundo Esping-Andersen (1997), para a comunidade socialdemocrata, a solidariedade tem, em termos abstratos, aspectos positivos e negativos, porque exige uma série de deveres e responsabilidades em relação à comunidade como um todo, ao mesmo tempo em que há uma expectativa por parte da comunidade em relação a um conjunto de direitos. O consenso sobre a “desmercadorização” não se desenvolve no interior do capitalismo e, como não se pode esperar uma mudança pela revolução, é necessário estabelecer serviços sociais e benefícios compensatórios pelas próprias organizações dos trabalhadores (através da adoção de um conjunto de direitos).

Esping-Andersen (1997) diz que não se poderá permitir a competição do mercado com o sistema público para não por em risco a destruição do sistema de solidariedade, mas o sistema público deve ser eficiente para que não haja descontentamento entre os que pagam e os que recebem. Segundo Esping-Andersen (1991, p. 105), os trabalhadores viam suas próprias organizações como embriões de uma nova sociedade socialista, “um mundo alternativo de solidariedade e justiça.” Mas o autor recorda que o movimento dos trabalhadores socialistas, embora tenha construído um sistema de ajuda mútua, de programas de garantia de renda, de atividades sociais e culturais que serviam tanto para substituir as instituições comunais pré-existentes quanto o mercado, não conseguiu estabelecer a solidariedade de classe almejada. O Estado, por sua vez, buscava evitar o crescente

movimento dos trabalhadores, muitas vezes instituindo benefícios diferenciados a grupos corporativistas e aos diferentes status, principalmente de funcionários públicos.

A prestação universal de serviços sociais, segundo Van Parijs (1996), só pode ser amplamente instituída de forma justa68, equitativa e eticamente aceitável se o Estado assumir a responsabilidade de diminuir a desigualdade social através de políticas de transferências de renda, e isso nem sempre é bem visto, pois implica aceitação de que o Estado é essencialmente transferidor de dinheiro daqueles que o ganham para aqueles que não. O autor apresenta três modelos de Estado social: o “Bismarckiano”, o “Beveridgeano” e o “Paineano”, nos lembrando novamente que não existem sistemas que atendam em estado puro qualquer um desses modelos.

O primeiro modelo, segundo Van Parijs (1996), é o tipo “Bismarckiano”, e se baseia na orientação de “seguro social” adotada pela Prússia, sob a orientação de Otto Von Bismarck. O “seguro social” supõe probabilidade, risco, e um sentido subjetivo. Utiliza como suporte um contrato que tem como componentes essenciais o segurado e o segurador, e regras que estabelecem o nível de risco subjetivo, o pagamento antecipado e a indenização.

Van Parijs (1996) nos alerta que os Estados de Bem-estar com sistemas de seguro obrigatório para todos ou, pelo menos, para os assalariados não deveria implicar nenhuma noção de solidariedade. É um seguro individual no qual o risco é quotizado porque é necessário prever uma possibilidade de ingresso em uma situação, por exemplo, de desemprego. É também uma forma de reduzir os custos com a administração e a transação. Em caso de desemprego, é necessário provar que, apesar de procurar, não se consegue emprego. A única solidariedade existente se dá na relação contratual entre as duas partes envolvidas.

De acordo com Van Parijs (1996), o segundo modelo, do tipo “Beveridgeano”, se baseia na rede de seguridade social garantida a todos os cidadãos adotada na Inglaterra depois da Segunda Guerra Mundial, proposto por uma comissão de estudos, coordenada por William Beverigde69, que requer um maior nível de solidariedade do que no modelo bismarckiano. O

68 Philippe Van Parijs (1997) na obra O que é uma sociedade justa? faz uma discussão sobre as teorias de justiça que buscam fundamentar modelos de sociedade, as formas de acesso aos recursos da sociedade e as preferências de seus membros. O autor apresenta as teorias perfeccionistas (a marxista e a ecológica), as teorias liberais (proprietarista e solidarista) e seus defensores. Essas teorias buscam fundamentar os princípios distributivos mais justos para que se tenha uma boa vida, e o autor defende que a teoria liberal contempla desde os mais utilitaristas, como Friedrich Hayek (o liberalismo proprietarista), até certos marxistas (liberalismo solidarista). 69 Lorde Beveridge, a quem devemos o projeto do Estado do Bem-estar social britânico no pós-guerra acreditava que sua visão de seguro abrangente e coletivamente endossado para todo mundo era a consequência inevitável, ou melhor, o complemento indispensável da ideia liberal de liberdade individual, assim como condição

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 95-107)