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Os Socialistas Utópicos

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 88-91)

2. BASES ANTROPOLÓGICAS DA SOLIDARIEDADE

2.1 Os Socialistas Utópicos

Robert Owen (1771-1888) foi o pioneiro do socialismo inglês e defendia uma sociedade harmoniosa que não sofresse dos efeitos da competição e acumulação capitalistas. Ao se instalar aos 28 anos de idade, em janeiro de 1799, em New Lanark, pequena vila nos arredores de Lanark na Escócia, Robert Owen encontrou um sistema de vida e de trabalho em pleno vigor, visto que David Dale havia construído um vasto número de casas e alojamentos próximos às fábricas das quais era dono, onde moravam mais de duas mil pessoas. Crianças de até seis anos de idade eram submetidas a uma jornada de trabalho de até treze horas diárias, sequenciadas por um período de instrução. As famílias viviam sob vícios, roubos, dívidas, doenças e pobreza, em situação de indigência, consumindo mercadorias de qualidade inferior, sob preços elevados. Ao constatar as fragilidades da qualidade de vida da população, Owen destinou esforços para inaugurar um novo sistema de gestão cujo intuito seria a diminuição dos maus tratos, ressalvados o princípio da justiça e a generosidade, conforme crença própria, identificada com a classe trabalhadora, ainda que sob uma perspectiva não revolucionária. (DIAS, 2009, p. 2-4).

Após oito meses de convívio com a família, Dale casou-se com a filha do milionário e conseguiu, mais tarde, suporte financeiro junto a vários homens de negócio em Manchester para adquirir as unidades fabris de Dale, quando este as pôs a venda. Após a transação, tomou como medida inicial a construção de uma escola na comunidade denominada de New

Institution, onde passou a implantar uma série de inovações. Como os financiadores achavam que suas medidas de gestão prejudicavam os lucros do empreendimento e como ele não conseguiu convencê-los da importância das iniciativas, negociou a compra da participação dos descrentes.

Owen investiu na divulgação das experiências que desenvolveu e, desapontado com os resultados no Reino Unido, resolveu em 1825 estabelecer uma nova comunidade nos Estados Unidos, baseada nos princípios socialistas não-revolucionários que defendia. Owen adquiriu, então, uma área no Estado da Indiana e instalou a comunidade New Harmony, liderada pelo filho Robert Dale Owen (1801-1877). Em 1827, Owen perdeu o interesse por New Lanark e desfez-se do negócio levando os quatro filhos e uma filha para New Harmony, onde amargou o fracasso da experiência frente a disputas entre membros da comunidade. Mesmo assim, continuou o trabalho de difusão da nova ordem moral até o falecimento no dia 17 de novembro de 1858 (DIAS, 2009, p. 2-4).

Apesar de Robert Owen apresentar ideias avançadas para o pensamento vigente de sua época, alguns pontos merecem crítica. Inicialmente, a perspectiva de ação de Owen não visa ao questionamento da ordem econômica, nem à emancipação do indivíduo, na perspectiva da teoria crítica. Tem o propósito positivo de intervir para uma ordem social justa, especialmente quando se refere à melhoria nas relações sociais e trabalhistas, sem que sejam superadas relações de trabalho alienadas e alienantes presentes no capitalismo. Por causa de sua condição de empresário, tais iniciativas estavam mediadas pela acumulação de capital. As ações e propostas de Owen tiveram, portanto, natureza reformista, no âmbito social, sob o intuito de atenuar as distorções e desigualdades inerentes ao capitalismo, acelerado com a Revolução Industrial.

François M. C. Fourier (1772-1837) divergia de Owen em alguns aspectos, porque propunha uma sociedade composta por associação de produção rural. Konder (1998) registra a complexidade teórica de Fourier que, por vezes, foi considerado louco por manter uma relação lúdica, prazerosa e divertida com palavras e terminologias. De acordo com Konder (1998), para Fourier a atração passional que une as pessoas parte da tese de que Deus rege o mundo pela lei da atração universal, força que move o Universo e garante o equilíbrio. Essa concepção, sob forte influência da teoria de Newton, agiria não só no cosmo, mas, também, na vida social. Esta atração passional não seria desfrutada pelos humanos devido ao modo de organização de vida vigente, pois a civilização criou uma lógica egoísta e irracional prejudicando o desenvolvimento da índole humana. A humanidade, portanto, teria o desafio de superar essa situação para obter a “Harmonia.”

Fourier publicou em 1829 uma teoria que objetivava solucionar os malefícios sociais e provar que era possível viver na prática o que teorizava, e foi daí que surgiu a ideia do projeto social nomeado de “falanstério.” Os falanstérios seriam comunidades intencionais que viveriam em grandes construções comunais, refletindo uma organização harmônica e descentralizada em que cada um trabalharia conforme suas paixões e vocações. As pessoas teriam refeições, médicos e dentistas que desenvolveriam ações preventivas. (KONDER, 1998).

A economia no falanstério não eliminaria a propriedade privada nem a circulação de moeda, mas a dimensão comunitária influiria decisivamente nas ações dos indivíduos e desestimularia a competição exacerbada. Aqueles que visitassem o local deveriam pagar ingresso, renda que auxiliaria na manutenção dos edifícios e, como experiência de êxito, os falanstérios seriam replicados em outros locais. Na prática, Fourier não conseguiu implantar uma única experiência, visto que, ao conseguir recursos para a construção pioneira, acabava

por alterar a planta em virtude do perfeccionismo que lhe acompanhava. Encarecia, sempre, os custos da construção, o que por sua vez inviabilizava o término em meio às complexidades que criava.55

Fourier, do mesmo modo que Owen, não questiona o modelo econômico dominante e tão somente busca incorporar elementos substantivos de economia à dinâmica exploradora capitalista, algo presente no debate atual da Economia Solidária como via sustentável de desenvolvimento. Farias (1995, p. 8) nos chama a atenção para o fato de que os empreendimentos econômicos solidários (re) surgem como uma alternativa à reinserção da população desempregada no mundo do trabalho. De acordo com França Filho (2001), embora saibamos da limitação da economia solidária em atuar tão somente para atenuar disfunções geradas pelo sistema capitalista, ela sempre (re) aparece como condição de possibilidade para geração de trabalho e renda.56

Aqui, é válido lembrar que o cooperativismo no passado se apresentou, do mesmo modo que a Economia Solidária recente, como um modo coletivo de propriedade, de trabalho e de produção, alternativo ao individualismo característico do capitalismo. Todavia, o propósito coletivo não pretendeu, no cooperativismo, e não pretende, na Economia Solidária, superar relações de classes características das sociedades capitalistas. Ao contrário, buscam cooperativismo e Economia Solidária com elas conviver. Por essa razão, não é estranho que se despreze o conflito de classes e o trate como algo possível de ser superado mantendo-se intacto o capitalismo.

Hugon (1986) diz que Saint-Simon (1760-1825) é identificado como o precursor do Socialismo Industrialista, pois pensava ser a produção de coisas úteis à vida a finalidade da existência do mundo. Saint-Simon pregava a reforma do setor da produção através da própria produção, ou seja, a produção deveria alcançar o máximo de expansão, assegurando, assim, com prosperidade, a melhor organização social.

55 Sabe-se que, após a sua morte, adeptos das ideias de Fourier desenvolveram experiências de falanstérios, como o de Guise que funcionou entre 1859 e 1968. (DIAS, 2009, p. 7).

56 Há indagações acerca do sentido do adjetivo na economia solidária: sua ênfase está no sentido relacional ou estrutural? Ele se configura apenas numa economia que se desenvolve e movimenta no interior de outra economia? Ou é uma economia que funciona paralelamente ao modelo econômico dominante, mas ao mesmo tempo necessitando estabelecer determinadas relações, principalmente de troca, com o mesmo? Evidencia-se nessas práticas sobretudo o aspecto da ajuda mútua entre os membros, mas o sentido estrutural da ideia de solidariedade (enquanto fundamento da política econômica e social) não é tão límpido e translúcido. A concepção da solidariedade apenas na sua dimensão relacional é insuficiente para a fundamentação normativa da política estatal. Além da dimensão cognitiva, do esclarecimento, a compreensão da ideia de solidariedade demanda reflexão acerca de suas finalidades, seu sentido ético-político. Essas são a questão e a tarefa colocadas a economia solidária para que possa vir a ter alcance social universal e ser construtora de justiça social. (DIAS, 2009, p. 9).

Proudhon (apud CONSTANTINO, 2009) criticava a organização das relações econômicas e sociais estabelecidas pelo capitalismo. Segundo o pensamento de Proudhon, a reforma da sociedade deveria ter como princípios norteadores a ação da justiça, tendo-se esta última como sinônimo de igualdade e liberdade. Proudhon desenvolve a ideia de mutualité, cujo significado é reciprocidade e cooperação, na qual todos são reciprocamente clientes, filiados e servos. Para Proudhon, com a fundação de Mutuelles, associações de ajuda entre trabalhadores que eram pré-formas da seguridade social e dos sindicatos, a solidariedade era aprendida e vivida. A principal contribuição de Proudhon consistiu na sua descrença com relação às mudanças realizadas através da produção ou da repartição dos produtos, e passou a acreditar que a transformação deveria ser realizada tendo-se as trocas como elemento fundante das relações sociais. (HUGON, 1986).

Philippe Buchez (1796-1865) e Louis Blanc (1812-1882) idealizaram as cooperativas operárias de produção industrial preconizando a necessidade de se arrecadar uma contribuição dos próprios cooperados e/ou externa para a constituição do capital social. Enquanto Buchez pensou numa cooperativa que agrupasse operários de um mesmo tipo de profissão que seriam regidos por um contrato sem a interferência do Estado, Blanc condenava a livre-concorrência e defendia a intervenção estatal nas cooperativas. (PINHO, 2001).

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 88-91)