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A Vertente Real do Amor no Seminário Sobre “A Transferência”

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 172-190)

4. SOBRE O AMOR E SUAS DIMENSÕES NA FILOSOFIA E NA PSICANÁLISE

4.7 A Vertente Real do Amor no Seminário Sobre “A Transferência”

No ano seguinte ao seminário da “Ética da Psicanálise”, Lacan trabalha em 1960-1961 “A transferência.” Ele aborda a questão do amor a partir de dois conjuntos textuais: os diálogos de Platão em “O banquete” e “Fedro”, e a trilogia claudeliana.

A partir do exemplo de Sócrates que dá testemunho à legislação da cidade e aceita sem questionar sua condenação, encontramos a ideia de ordem e de justiça como o fundamento político do desinteresse perfeito. No Banquete, a sacerdotisa Diotima insiste sobre o caráter extático do amor, o “transporte”, análogo ao “transporte das paixões”, que caracteriza o extravio mais relevante do movimento de saída de si.

Le Brun (2002, p. 26-27), em seu livro Le pur amour: de platon à Lacan, apresenta os diferentes tipos de amor analisados por Fenelon em seu livro Sur le pur amour e observa que os pagãos já davam o testemunho do amor desinteressado, antecipando a ética cristã e as revelações bíblicas. Le Brun (2002, p. 28) nos diz que Fenelon não via muita diferença entre a amizade pagã e o amor cristão. Ele retorna “a O banquete para tratar dos heróis de Homero, tais como Alceste, Orfeu e Aquiles, personagens que aparecem no pronunciamento de Fedro e que foram também extensamente abordados por Lacan nesse seminário de 1960-1961. A

personagem Alceste é analisada como a primeira mártir do amor, pois toma a decisão de morrer no lugar de seu marido, destacando a relevância de Eros que, nesse caso, estava para além dos laços de sangue, já que os pais de Admeto não se prontificaram a tal sacrifício. Platão chama o gesto de Alceste de “morte-para” e, por isso, diz que o retorno da alma de Alceste sobre a terra aconteceu por causa da admiração dos deuses quanto ao seu ato. Alceste passou para o outro lado do além, sem a justificativa de fazê-lo pela descendência de sangue. Lacan ([1959-1960] 1991, p. 324) já havia dito no ano anterior que “o desejo tornado visível cativa até os deuses.”

Lacan ([1960-1961] 1992, p. 55) prossegue com o caso do testemunho de Orfeu que, segundo uma versão da lenda diferente daquela que nós conhecemos por Virgílio e Ovídio, teria sido devolvido do Hades sem atingir seu objetivo, porque os deuses lhe mostraram apenas um fantasma, a visão de sua mulher apenas na aparência, mas não ela própria. Fedro destaca que a indolência do tocador de cítara, que era Orfeu, o impediu de ter a audácia de morrer como Alceste por seu amor, e isso o conduziu a tramar a entrada vivo no Hades, somente imitando a morte. Le Brun (2002, p. 29) observa que a morte parece vir justamente das mulheres, no exemplo das bacantes que o afligem. O caso de Orfeu constitui no discurso de Fedro a condenação de um amor que se esquiva da morte, que recusa o “morrer-para.” Orfeu, o contra exemplo do amor, se situa no domínio do imaginário, porque sua passagem ao Hades só foi fingida. E mesmo sua morte, com a dispersão de seu corpo pelas Bacantes, o coloca fora do lugar, nem aqui nem lá no Hades.

O terceiro exemplo é o de Aquiles, que é mais complexo que os dois precedentes. Sua mãe Tétis o tinha advertido de sua sorte na medida em que dois caminhos se abririam para ele: o combate e a glória. Mas Aquiles, que perde Pátroclo morto por Heitor, escolheu a vingança pela morte do amigo, o que implicava não somente morrer-para ou por ele, mas acompanhá-lo na morte. Segundo o discurso de Fedro, foi por essa razão que os deuses outorgaram a Aquiles honras excepcionais, comparadas as recebidas por Alceste. O ato de Aquiles não foi em troca de nada, pois não havia como reaver a vida de Pátroclo, o que eleva ainda mais o valor de seu amor.

Platão coloca na boca de Fedro uma segunda razão para a extraordinária admiração dos deuses por Aquiles, que é o fato de ele ser, a princípio, o mais jovem, o mais belo e ser o amado de Pátroclo. “Com efeito, o que os deuses acham sublime, mais maravilhoso que tudo, é quando o amado se comporta como se espera que se comporte o amante.” (LACAN, [1960- 1961] 1992, p. 55).

Os deuses são tomados de surpresa, já que Aquiles era inicialmente o objeto de amor de Pátroclo e, por isso, acordam um aumento de favores, que se trata da ternura e do ágape do amado dirigido ao amante. A explicação que Fedro dá para essa posição dos deuses é importante, mas obscura, porque ele diz que o amante é coisa mais divina que os objetos do amor e que é ele possuidor de um deus porque está nele a atividade do amor. Lacan ([1960- 1961] 1992, p. 47-59) diz a respeito do amor que ele é um significante, e não mais que isso: “o amor é uma metáfora na medida em que aprendemos a articular a metáfora como substituição.” Portanto, usa da metáfora da mão que se estende para a acha que se inflama e que de lá sai uma mão que vai ao encontro da mão que procura, de maneira a tornar erastes (o que deseja) aquele que é desejado. “A mão que surge do outro lado é o milagre.” Lacan ([1960-1961] 1992, p. 345) nos ajuda a entender o que acontece quando diz que “O que o desejado é o desejante no outro – o que só se pode fazer se o próprio sujeito for colocado como desejável. É isso que ele demanda da demanda de amor.”

Segundo Le Brun (2002, p. 30), o que primeiramente constatamos no discurso de Fedro é que ele não nos permite opor termo a termo Eros e ágape, já que ágape é um dos modos segundo os quais se exprime o Eros. Por outro lado, o texto colocado na boca de Fedro não dá uma definição de amor, embora ele o coloque em cena sob a forma de um deslocamento e de uma substituição de funções.

Tais representações míticas são a forma tópica de uma mudança de lugares ou de uma pura organização de funções, de relações lógicas do amante e do amado. O amante (Alceste e Pátroclo) é elevado em direção ao amado por um desejo, mas espera uma recompensa e o faz pela falta que sofre em si, a falta de uma coisa fascinante e indefinível (um agalma) que ele imagina ou crê estar no amado. O amante é ativo, é o que dizem os versos da Ilíada aos quais faz alusão Fedro.

O amante deseja os objetos e em seu desejo quer suscitar o milagre, a agastai, o benefício, mas seu desejo nunca promove uma resposta que permita supor que haja simetria ou movimento inversamente proporcional. Há uma impensável transformação de neutro ta

paidika em eromenos, de um objeto de amor em amante para retomar a metáfora usada por Lacan.

Mas esse movimento de eromenos a erastes é diferente do ato inicial e antecipa o que se pode chamar, com os místicos do século XVII, de um ato passivo e de um desejo desinteressado. É isso que encontramos na mitologia: Pátroclo está num lugar que é o da morte, Aquiles não pode se substituir a ele porque uma morte já se produziu e, portanto, não pode esperar nada nem de Pátroclo e nem da vida. Lá se encontra um triplo milagre do

thauma, da agasthai e do benefício (eu poiein) divinos, numa desaparição da possibilidade mesma de recompensa. Então nós compreendemos a natureza desta falsa, ou ilusória resposta da transformação do amado em amante: aproximado do desejo do amante, o amado não dá a este último o objeto que ele buscava no amado. O que acontece é uma mudança de lugar, um nada que deixa totalmente desinteressado o movimento da resposta e só preenche o amante tirando-lhe o objeto fascinante, tornando-se ele próprio de amado a amante.

O ato de Alceste cuja destruição traz um bem (a sobrevivência de Admeto) pode ser considerado como uma recompensa. Esse ato é outra figura do desinteresse e de modo nenhum é culpável, até porque os deuses o honraram, mas é fato que ela compreende o bem, no momento em que ela se priva dele, dando-o. Esse gesto é, aos olhos dos deuses, inferior ao total desinteresse de Aquiles. A escolha de Aquiles, o retorno que ele faz de amado a amante, é a escolha não de uma morte que tem um objetivo final (telos), mas de uma outra morte que tem a ver com um destino, cuja dimensão necessariamente horrível excede e transpassa tudo o que se pode designar como bem, ou seja, a perda da própria vida.

Aquiles, dessa forma, abandona a condição dos objetos do amor e torna-se coisa mais divina (theioteron), dando lugar ao desejo e ao destino, ele se torna possuído do deus (entheos), mas de outra maneira daquela do amante fascinado pelo objeto; ele o é de maneira desinteressada, realizando o milagre de um desejo desinteressado. O critério e ao mesmo tempo operador dessa mudança e desse desinteresse é a morte (LE BRUN, 2002, p. 32).

Georges Bataille (apud BASS, 2001, p. 90) recusa qualquer interpretação que reduza o sacrifício a uma troca interessada, já que do ponto de vista econômico todo sacrifício implicaria uma renúncia pulsional em função de um interesse superior, tal como é teorizado por Freud. O sacrifício assim concebido provém de certo investimento que implicaria em um cálculo, rebaixando seu valor e transformando-o numa “baixeza ou numa profanação.” Em outras palavras, o sacrifício, cuja etimologia é sacra-facere, fazer os atos sagrados ou tornar as coisas sagradas, perde toda especificidade quando se reduz a um processo de troca, porque então mal se vê como distinguir o sagrado do profano.

O exemplo de um amor interessado aparece no discurso de Pausânias que gira em torno da aquisição e da possessão, o que faz Lacan ([1960-1961] 1992, p. 56) dizer, de acordo com uma verdade evangélica, que “o reino dos céus é proibido aos ricos.” Para dizer a verdade, já no discurso de Fedro, por um tipo de contradição revelada da ambiguidade das configurações que ele colocava em suas últimas palavras como um termo visado pelo amor, estava a possessão (ktesin) do mérito e da felicidade nesta vida, uma vez que esta é finda. A possessão desde já colocada na boca de Fedro é a via pela qual deslizará a argumentação

moral e pedagógica de Pausânias, origem de uma longa tradição no Ocidente. Pausânias organiza sua argumentação em torno da ktesis, ato de adquirir para possuir. Os objetos dessa possessão (dessa ktasthai) só podem ser as virtudes, a ciência, a educação, os méritos, os bens eternos e tudo que a moral e as religiões propõem como sendo o Bem.

Como diz Pausânias, o amor é um escravo voluntário segundo uma lei que organiza as relações entre o amante e os objetos amados. O desafio é possuir o mérito, o saber e a educação o que, em última palavra, significa tornar-se melhor. A lei para o amante é a de contribuir com sua parte, colocando-se em desafio e em risco para aceder à ordem simbólica do valor do amor para os objetos do amor. A lei é a de adquirir o que se pode possuir, quer dizer dos ktemata (LE BRUN, 2002, p. 33).

Na sua apreciação do belo e do feio no amor, Pausânias fez representar uma distinção que coloca em causa a qualidade do amante, seu caráter malvado, honesto ou bom. Se em um homem o seu caráter for objeto passível de amor, bem como a sua maneira de ser, é preciso que este ethos seja cristão, pois essa noção é capital em relação ao que Aristóteles chamava de ética, na medida em que o ethos é sempre dirigido para um fim (telos), ou seja, um objetivo que ainda não foi adquirido. Ora, o objetivo claro e definido que Pausânias visa ao longo de seu discurso é uma aquisição, uma possessão, sem a qual o amor seria somente um esforço em vão, um desperdício. Pausânias tenta estabelecer uma metria da escolha amorosa, pautado por uma escala de valor definida pela distinção entre o amor, representado pela Afrodite uraniana, nascida da chuva e engendrada pela castração de Urano por Zeus – sem relação, portanto, com a diferença dos sexos –, e o amor representado pela Afrodite Pandêmia, oriunda, dessa vez, da união sexual de Zeus com Dione. A primeira Afrodite, a uraniana, corresponderia ao amor próprio dos filósofos, representado pela conjunção da qual se compõe a relação do mestre com seu jovem discípulo, amor ao qual se impõem regras que justifiquem o investimento amoroso do amante (erastes) sobre o seu objeto (eromenos). Já a segunda Afrodite, a Pandêmia, é a Vênus popular em cuja representação se misturam todos os amores, indiferente às escalas de valor. Ela seria a deusa do amor suscitado pela contingência do encontro sexual, alheio, portanto, à avaliação quanto ao mérito do objeto amado.

Lacan ([1960-1961] 1992, p. 62) faz uma observação importante no discurso de Pausânias que se refere ao fato do amante buscar no amado algo para lhe dar, e diz que, nesse ponto, terá uma conjunção, pois se trata de uma troca com o objetivo de se fazer “uma associação de nível mais elevado.” Esse é o tipo de amor que deve saber o quanto investir para ser merecedor de honras, pois de outra forma estaríamos lidando com aqueles que não são dignos de ter acesso aos objetos desejados. Esse aspecto do discurso de Pausânias faz

Lacan ([1960-1961] 1992, p. 63) se lembrar da psicologia do rico que se baseia na posse dos bens, ou seja, sua relação com o outro está baseada no valor do que se troca.

O discurso de Pausânias quase mata Aristófanes de rir, pelo esforço de estabelecer uma escala métrica do investimento amoroso. Sua concepção resulta de um discurso elaborado em função de uma cotação de valores relativa a uma aplicação dos fundos de investimento libidinal, cujo ideal é a “capitalização protegida, o depósito em cofre do amor que lhe pertence por direito como sendo o que ele soube discernir e que é capaz de valorizar.” (LACAN, [1960-1961] 1992, p. 63-64).

As palavras de Diotima, relatadas por Sócrates, e a resposta deste a Agatão destacam a relação do amor com o desejo, ou seja, o amor é teorizado como um desejo de um tipo especial. O discurso deixa claro que o desejo tem a ver com a falta e conclui que o amor ao desejar o que lhe falta não pode ser nem bom e nem belo. O mito do nascimento do amor, contado por Diotima, colocava que Eros é filho de Poros e de Pênia, explicando por aí sua natureza ambígua, que associa de maneira oximórica94 a pobreza e o recurso.

Eros, portanto, não é caracterizado pela falta brutal que se estende em direção à necessidade de invenção, de saber, de possessão ou de riqueza, mas, pela paradoxal associação da falta e do desejo, que é assim explicada por Lacan ([1960-1961] 1992, p. 202- 203): “a satisfação da demanda mataria o desejo e para que ele não morra o sujeito recusa ser satisfeito”, ou seja, “a libido recusa-se a ser satisfeita para preservar a função do desejo.” Então, como o desejo não termina com a possessão ou pensamento de possessão, pois a falta, da qual é filho, o impede, é um erro atribuir ao amor todos os bens e todas as belezas, ideia essa que vem da crença de que o amor está do lado do que é amado e não do que é amante.

Para Le Brun (2002, p. 35), a tese de Diotima é uma resposta exata posta pela questão de Fedro. Para este último, não existe verdadeira imortalidade, há somente o deslumbramento dos deuses, o êxtase diante da transfiguração do amado em amante, a perda de todo o bem e, por fim, a morte sem esperança é seguida da mística temporada nas ilhas da Bem- aventurança. Por outro lado, Diotima coloca que a imortalidade está inscrita no ato divino do amor, cujo objetivo é de sempre ter para si o bem. Diotima retoma então os exemplos de Alceste e Admeto, e de Aquiles e Pátroclo, e mostra que aqueles que morrem-para ou seguem

o outro na morte asseguram uma memória imortal, destacando que os homens estão prontos para fazer tudo para atingir a imortalidade e a glória.

94 Do grego oxýmoros. S. m. Ret. Figura que consiste em reunir palavras aparentemente contraditórias, paradoxismo. (Novo Dicionário Aurélio, 1975, 14. ed., p. 1013)

Le Brun (2002, p. 35) diz que nos restaria saber se isso pode constituir-se como recompensa ou como aquisição, ou se o movimento da ascensão para o belo realiza um êxtase que torna não pertinente essa discussão, pois essa questão é que está no cerne dos debates sobre o amor puro.

De acordo com Le Brun (2002, p. 45-46), há uma posição logicamente possível, mesmo que teologicamente não seja possível que explique a natureza da graça, ou seja, a realização de uma perda total que vai além de uma morte para e chega ao sacrifício que não é sentido como tal. A apologia da morte-para é apresentada como a mais bela realização de um amor puro desinteressado e tem como base a teologia e experiências cristãs. Essa ambiguidade aparece no livro Sur le pur amour de Fenelon, trazido por Le Brun (2001, p. 46), no qual o amor aparece no lugar entre duas mortes: de um lado a morte-para repousando sobre a destruição sacrificial do Filho e, de outro lado, a morte sem recompensa, aquela posta pela condição primitiva que é a condição de todos os humanos.

Lacan ([1959-1960] 1991, p. 301) não se cansa de falar do “entre-duas-mortes”, tomando como referência os heróis da tragédia antiga e os de Sade, morte para além de toda morte natural e para além do assassinato; uma segunda morte visa o aniquilamento e a destruição. A entrada na zona do “entre-duas-mortes” é característica de Antígona e dos personagens do discurso de Fedro em O banquete de Platão, além do próprio destino de Sócrates, ele mesmo tendo aspirado eternizar-se com sua própria morte.

Segundo Le Brun (2002, p. 46), a teoria do sacrifício que coloca a destruição e o aniquilamento sem reservas vem tapar o vazio aberto pela Antiguidade. O cristianismo, com efeito, afirma que “nós nos encontramos diante de um deus que não sabe dar ordens insensatas nem cruéis”, e essa doutrina do amor preenche o vazio trágico da segunda morte, que os heróis aspiram e os empurra à vontade de não mais existir.

4.8 A Tragédia Claudeliana, o Desejo e a Lei

Lacan consagra a releitura das três tragédias de Claudel; O refém escrito em 1908- 1909, O pão duro escrito em 1913-1915 e O pai humilhado de 1914-1916. Os personagens dessa trilogia ilustram diferentes posições que podem definir o amor puro.

Que se trata de tragédias nas quais a fé cristã e o destino do catolicismo no mundo moderno estão estreitamente ligados ao amor trágico que vive os personagens, só pode tornar pertinente as aproximações que o texto nos convida a fazer com os traços mais tradicionais

desse amor ágape. Não é sem motivos que Lacan ([1960-1961] 1992, p. 170) nos lembra que, no desenvolvimento da filosofia antiga até o cristianismo, o amor sempre trata daquilo a que chamamos santidade.

Tomo aqui a análise que Lacan ([1960-1961] 1992, p. 261-301) e Le Brun (2002, p. 220-230) fazem dessas três peças para abordar as categorias do amor puro, da felicidade, da possessão, do sacrifício e da perda que se desenha nessa trilogia.

Georges de Coûfontaine foi pela história da revolução francesa despojado de tudo. Após ter perdido de febre mortífera os filhos e a mulher infiel, que era amante do Delfim, ele busca refúgio para o papa foragido na casa de sua prima Sygne. Fiel à família real francesa, exilada por força da revolução liderada pelo imperador Napoleão, Sygne é arraigada, identificada, a essa terra chamada Coûfontaine, e fez todos os esforços para reconquistar os bens da família depois da extinção de sua raça.

O ato I de “O refém” é uma longa lamentação sobre a perda de todos os bens. Os heróis são reduzidos a serem aqueles de quem nada pode mais ser tirado. De acordo com as preces dos espiritualistas do século XVII que contemplam Deus e o nada da criatura, “Syne canta: “Oh! meu Deus, eu me regozijo amargamente na sua grandeza e na minha inutilidade. Tudo está perdido e é em vão tudo que eu fiz. As únicas coisas que são minhas são a minha morte, vencida e impossível.” (apud LE BRUN, 2002, p. 320) É interessante que Sygne pense que ela somente desfruta da vida, mas nem esta é dela, apenas a morte.

Diante do papa Pio, George de Coûfontaine analisa o mundo moderno oriundo da revolução como vitória de um “direito novo” que repousa na transmutação do ter como uma definição do bem. Ele vê nisso o final dos tempos da fé e diz: Eis que não tem nada de gratuito entre os homens.

O ato I da tragédia se situa no quadro de uma espiritualidade do sacrifício, na gratuidade do dom, na derrisão daquele que na obscuridade de seu ato se abandonam a Deus, que não responde na figura de um vigário fraco e covarde. Até aqui nada reitera

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 172-190)