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1.5 – A tutela antecipada como modalidade de tutela diferenciada

Conforme exposto no item “III.1.3”, para ser efetivo, isto é, para que possa produzir os resultados almejados pelo ordenamento jurídico, há que se garantir a possibilidade de obtenção da tutela jurisdicional tempestiva e adequada às pretensões materiais a que faz jus a parte. Nada mais óbvio, já que, do contrário, restaria institucionalizada a inutilidade do Direito Processual. Aliás, está é, precipuamente, sua função: fornecer aos atores do processo instrumentos e técnicas processuais que possibilitem a obtenção de tutela jurisdicional apta a

assegurar a satisfação do direito da parte. E, sendo “diversas as necessidades decorrentes do direito substancial, são variadas as tutelas que precisam ser prestadas para que os direitos possam ser efetivamente protegidos.”245

A respeito da técnica processual para o alcance da efetividade do processo, José Roberto dos Santos Bedaque sustenta que ela deve centrar-se em “dois grandes objetivos: a) conferir segurança ao instrumento, no sentido de proporcionar absoluta igualdade de tratamento aos sujeitos parciais do processo, possibilitando-lhes influir substancialmente no resultado; b) garantir seja a tutela jurisdicional, na medida do possível, resposta idêntica à atuação espontânea da regra de direito material, quer do ponto de vista da justiça da decisão, quer pelo ângulo da tempestividade.”246

Em sendo assim, deve o Direito Processual prover o sistema jurídico de técnicas capazes de gerar, por meio do processo, os resultados previstos pelo ordenamento jurídico para proteger cada uma das inúmeras situações que demandam atuação do Poder Judiciário.

Daí a necessidade de o ordenamento se valer das tutelas jurisdicionais

diferenciadas, expressão atribuída a Andrea Proto Pisani,247 que visam à adaptabilidade da prestação jurisdicional,248 ao aplicar técnicas distintas da ordinária para tutelar adequadamente direitos distintos.

Nos dizeres de João Batista Lopes, “o que justifica a tutela jurisdicional diferenciada é a necessidade de adoção, para cada situação particular, de proteção adequada e em tempo razoável, o que não poderia ser alcançado com a aplicação das disposições que regem o procedimento ordinário.”249

245 MARINONI, Luiz Guilherme. “Antecipação da tutela.” 12.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.

42.

246 “Efetividade do processo e técnica processual.” Ob. cit., p. 77/78.

247 Como informa a doutrina, a expressão “tutela jurisdicional diferenciada” teria sido utilizada pela primeira vez

por Andrea Proto Pisani, em artigo publicado na “Rivista di Diritto Processuale” de 1979, denominado “Sulla tutela giurisdizionale differenziata.” Cf. DONOSO, Denis. “Fungibilidade entre as tutelas de urgência. Um ‘passeio’ pelas tutelas jurisdicionais na perspectiva da tutela diferenciada.” In: CIANCI, Mirna; QUARTIERI, Rita; MOURÃO, Luiz Eduardo. GIANNICO, Ana Paula C. Temas atuais das tutelas diferenciadas: estudos em

homenagem ao professor Donaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 132.

248 Cf. ARMELIN, Donaldo. “Tutela jurisdicional diferenciada.” In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1992, n.º 65, p. 45.

Mas qual seria, então, o objeto da diferenciação da tutela jurisdicional diferenciada?

Apesar da variedade de posicionamentos doutrinários, no que importa ao objeto do presente estudo, filiamo-nos ao entendimento de Donaldo Armelin, que apontou os seguintes enfoques da tutela jurisdicional diferenciada:

“Um, adotando como referencial da tutela jurisdicional diferenciada a própria tutela, em si mesma, ou seja, o provimento jurisdicional que atende a pretensão da parte, segundo o tipo da necessidade de tutela ali veiculado. Outro, qualificando a tutela jurisdicional diferenciada pelo prisma de sua cronologia no iter procedimental em que se insere, bem assim como a antecipação de seus efeitos, de sorte a escapar das técnicas tradicionalmente adotadas nesse particular.250

Diante dessa caracterização, temos que os procedimentos especiais previstos no Livro IV do Código de Processo Civil, por exemplo, são espécies de tutela jurisdicional diferenciada,251 já que se inserem no âmbito da “adaptabilidade da tutela jurisdicional à sua própria finalidade.”252

A tutela antecipada, objeto deste estudo, também é configurada como tutela jurisdicional diferenciada,253 tendo como objeto de diferenciação a antecipação dos efeitos pretendidos ao final do processo cognitivo a fim de garantir a efetiva proteção do direito material, segundo critérios de adequação e tempestividade.254

Nesse ponto, incumbe refutar o entendimento de que a tutela antecipada poderia ser enquadrada como espécie de tutela urgente. Para tanto, basta verificar a previsão, no Código de Processo Civil, de hipóteses de antecipação de tutela desvinculadas ao elemento da urgência.

250 “Tutela jurisdicional diferenciada.” Ob. cit., p. 46.

251 Sobre o tema, vide: MARCATO, Antonio Carlos. “Procedimentos Especiais.” 13.ª ed. São Paulo: Atlas,

2007, p. 59 e seguintes.

252 GODINHO, Robson Renaut. “Tutela jurisdicional diferenciada e técnica processual.” In: CIANCI, Mirna;

QUARTIERI, Rita; MOURÃO, Luiz Eduardo. GIANNICO, Ana Paula C. Temas atuais das tutelas

diferenciadas: estudos em homenagem ao professor Donaldo Armelin. Ob. cit., p. 741.

253 Cf. NERY JÚNIOR, Nelson; e NERY, Rosa Maria de Andrade. “Código de Processo Civil comentado e

legislação extravagante.” Ob. cit., p. 547.

254 Cf., entre outros: RODRIGUES, Marcelo Abelha. “Ação civil pública e meio ambiente.” Ob. cit., p. 142 e

Vale dizer, a hipótese prevista no artigo 273, inciso II, do Código de Processo Civil, consistente na antecipação de tutela ante o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, a exemplo da tutela antecipada em razão de pedido incontroverso, prevista no § 6.º do mesmo dispositivo legal, não necessitam de qualquer demonstração relacionada à urgência para o seu deferimento.

Apenas seriam calcadas na urgência as situações albergadas pela antecipação de tutela prevista no inciso I do referido artigo 273 (“fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”), nos artigos 461, § 3.º, e 461-A, § 3.º (“justificado receio de ineficácia do provimento final”), todos do Código de Processo Civil, e no artigo 84, § 3.º (“justificado receio de ineficácia do provimento final”), do Código de Defesa do Consumidor.

A corroborar tal afirmativa, Cândido Rangel Dinamarco ensina que “a concessão de medidas antecipatórias não se liga sempre a uma situação de urgência, ou periculum in

mora. Essa é apenas uma das hipóteses básicas em que elas devem ser concedidas (art. 273, inc. I). Mas têm cabimento também, independentemente de qualquer situação de perigo, (a) como sanção à malícia processual do demandado que procura retardar o fim do processo (art. 273, inc. II) ou (b) como modo de prestigiar um direito que a ordem jurídica reputa mais forte e digno de maiores atenções, como a posse turbada ou esbulhada (interditos possessórios).”255

Ainda nesse sentido, Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes bem sustenta que “a inclusão genérica da tutela antecipada no gênero medidas urgentes não leva em consideração, no entanto, os diferentes fundamentos que podem dar ensejo à sua concessão. Como em muitas outras oportunidades, o foco da construção doutrinária foi a tutela antecipada do art. 273, caput e inc. I do Código de Processo Civil, fundada no periculum in mora como fundamento. Nesse sentido, apenas uma das espécies do gênero tutela antecipada pode ser incluída no gênero medidas de urgência: a do art. 273, caput e inc. I do Código de Processos Civil (e eventualmente outras previstas em procedimentos específicos que tenham o

periculum in mora como fundamento).”256

255 “Nova era do Processo Civil.” 3.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 68.

256 “Tutela antecipada sancionatória (art. 273, inc. II, do Código de Processo Civil).” São Paulo: Malheiros,

Com efeito, conforme será visto com maior atenção adiante, ao se proceder à análise das hipóteses previstas pela legislação pátria, verifica-se que o fundamento ensejador da antecipação da tutela pode ser de duas ordens: (i) ou se trata de medida de urgência, calcada no fundado receio de danos irreparáveis ou de difícil reparação caso se aguarde até a prolação do provimento final; (ii) ou consiste em tutela concedida antecipadamente em razão do alto grau de evidência do direito pleiteado,257 como meio de contraposição ao dano marginal.

Esse, também, o entendimento de José Roberto dos Santos Bedaque, in verbis: “Duas seriam as razões que justificam a adoção desse mecanismo interlocutório no procedimento comum.

Uma seria o risco de inutilidade prática do resultado final, o que levaria à instituição de medidas assecuratórias, destinadas a preservar o bem da vida necessário à efetividade do provimento final.

Em outras situações, todavia, o legislador autoriza essa antecipação provisória independentemente desse risco. Contenta-se com a probabilidade de o autor ter razão. Convencendo-se o juiz de que a pretensão deduzida na inicial tem boas chances de ser atendida, poderá conceder-lhe a possibilidade de fruição provisória do bem da vida pretendido.

Lícito concluir, portanto, juntamente com renomado processualista pátrio, que a tutela diferenciada funda-se ora na urgência na entrega da prestação jurisdicional, ora na evidência de que o direito afirmado existe. Teríamos, pois, como espécies de tutela diferenciada, a tutela de urgência e a de evidência.”258

Nosso entendimento, portanto, é no sentido de que a tutela antecipada é espécie de tutela diferenciada, ora lastreada na urgência, ora na evidência.

257 A título elucidativo, Ronaldo Tovani assevera, corretamente, “que a tutela antecipada pelo inciso II do artigo

273 é, antes de tudo, uma tutela de evidência, uma clara opção do legislador brasileiro pela eficiência da prestação jurisdicional do direito evidente que vem a ser satisfeita por uma tutela sumária que objetiva atender a eficiência essencial ao funcionamento da atividade jurisdicional, cumprindo a exigência de evitar o abuso de direito de defesa e a utilização de procedimentos protelatórios pelo réu que não tenha razão.” “Tutela antecipada (espécie do gênero tutela diferenciada) e suas principais peculiaridades.” Dissertação de Mestrado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, 2003, p. 135.

258 “Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização).” 4.ª ed. São

III.2. – Análise do regime jurídico da antecipação de tutela em ações civis públicas

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