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Ao nos debruçarmos, no item “II.3”, sobre as caracteristicas do bem ambiental, verificamos que a sua titularidade é difusa, isto é, de toda a coletividade. Por essa razão, é certa a necessidade de ser garantida a participação do titular comum em qualquer ato, decisão ou processo que tenha repercussão sobre o bem ambiental. Nada mais lógico, pois não é concebível que se possa afetar determinado bem jurídico sem que se assegure a participação de seu titular no respectivo processo decisório. Esse é o núcleo do mandamento que emana do

103 Paulo Affonso Leme Machado compreende que “o princípio usuário-pagador contém também o princípio

poluidor-pagador, isto é, aquele que obriga o poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou que já foi causada.” In: “Direito Ambiental Brasileiro.” Ob. cit., p. 93.

104 “Elementos de Direito Ambiental: parte geral.” Ob. cit., p. 226. (destaques do original) 105 “Direito do Ambiente.” Ob. cit., p. 1075.

princípio da participação, que guarda intima ligação com o princípio democrático, estatuído pelo artigo 1.º, parágrafo único, da Constituição Federal.106

O princípio da participação vem consagrado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em seu princípio 10. Aliás, sobre tal disposição, no que é de interesse ao presente estudo, vale destacar a menção expressa constante da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento relacionada ao acesso da coletividade aos mecanismos judiciais próprios da tutela ambiental. Confira-se:

“A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.”

A participação popular em matéria ambiental decorre, ainda, da interpretação do artigo 225, caput, da Constituição da República, que impõe não apenas ao Poder Público, mas também à coletividade, o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Há inúmeros exemplos de previsões contidas na legislação ambiental que determinam a materialização do princípio da participação popular em processos que versam sobre meio ambiente.

Inicialmente, pode-se apontar a Lei n.º 6.938/1981, que, em seu artigo 2.º, inciso X, impõe como princípio da Política Nacional de Meio Ambiente a educação ambiental da comunidade, “objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.” Nesse ponto, releva destacar que a adequada implementação do princípio da participação está

intrinsecamente vinculada à efetiva promoção da educação ambiental e da conscientização popular, sem o que a população dificilmente estará apta a contribuir adequadamente para a defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, na linha do que enuncia o

caput do artigo 225 da Carta Constitucional.107 A bem da verdade, dada a sua importância para o desenvolvimento de uma adequada política ambiental, que garanta a efetiva participação popular, a incumbência do Poder Público de promover a educação ambiental e a conscientização da população acerca da questão ambiental vem expressamente consagrada na Constituição Federal, em seu artigo 225, § 1.º, inciso VI, e na Política Nacional de Educação Ambiental, estabelecida pela Lei n.º 9.795/1999, conforme prevê o seu artigo 3.º, inciso I.

Ademais, a referida Lei n.º 6.938/1981, no artigo 9.º, inciso VI, estabelece o Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente – SINIMA, como seu instrumento. Nos dizeres de Édis Milaré, “o direito à participação pressupõe o direito de informação e está a ele intimamente ligado. É que os cidadãos com acesso à informação têm melhores condições de atuar sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e ideias e de tomar parte ativa nas decisões que lhes interessam diretamente.”108

Ainda nessa linha, criou o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA no artigo 6.º, inciso II, órgão consultivo e deliberativo, que “abriu um espaço privilegiado de participação popular na formulação e na execução da política ambiental, ao prever a integração de representantes do movimento ambientalista e de outros entes representativos da sociedade civil na sua composição oficial.”109

Outra disposição que vale ser mencionada é aquela contida no artigo 11, § 2.º, da Resolução CONAMA n.º 01/1986, que determina a realização de audiência pública em processos de licenciamento ambiental de atividades consideradas de significativo impacto ambiental, para os quais é exigida a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente – EIA/RIMA.110

Nesse contexto, ao tratar das diretrizes aplicáveis às unidades de conservação, o artigo 5º da Lei n.º 9.985/2000 dita que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC será regido por diretrizes que “assegurem a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação” (inciso III) e “assegurem que o

107 Nesse sentido, Édis Milaré pontifica que “os programas de Educação Ambiental poderão desenvolver essa

visão e estimular a participação comunitária.” In: “Direito do Ambiente.” Ob. cit., p. 261.

108 Idem, p. 1081.

109 MIRRA, Luiz Álvaro Valerry. “Participação, processo civil e defesa do meio ambiente.” Ob. cit., p. 67. 110 A realização de audiência pública nos referidos processos de licenciamento é disciplinada pela Resolução

processo de criação e a gestão das unidades de conservação sejam feitos de forma integrada com as políticas de administração das terras e águas circundantes, considerando as condições e necessidades sociais e econômicas locais” (inciso VIII). Dadas essas diretrizes, a mencionada Lei n.º 9.985/2000 impõe que a criação de unidades de conservação deve ser precedida da realização de estudos técnicos e de consulta pública, necessários para a definição da sua localização, dimensão e limites mais adequados.

A importância da participação comunitária para a criação e para a ampliação de Unidades de Conservação foi bem delineada na decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, in verbis:

“EMENTA: AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO. CONSULTA PÚBLICA. ESTUDOS TÉCNICOS. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. MATA ATLÂNTICA. PARQUE NACIONAL DOS CAMPOS GERAIS. RESERVA BIOLÓGICA DAS ARAUCÁRIAS. REFÚGIO DE VIDA SILVESTRE DO RIO TIBAGI.

A participação popular no procedimento administrativo de criação das unidades de conservação (Lei nº 9.985/00, arts. 5º e 22 e Dec. 4.340/02, art. 5º), além de concretizar o princípio democrático, permite levar a efeito, da melhor forma possível, a atuação administrativa, atendendo, tanto quanto possível, aos vários interesses em conflito.

Não há, porém, obrigatoriedade: a) da intimação pessoal de todos os proprietários atingidos; b) da realização de reuniões em todos os Municípios atingidos; c) da realização de reuniões públicas, desde que seja assegurada a oitiva da população e demais interessados (Dec. 4.320/02, art. 5º, § 1º).”111

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a matéria ao apreciar pedido de declaração de nulidade do Decreto Presidencial de 27.09.2001, que ampliou os limites do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros sem a observância dos pressupostos legais pertinentes. Segundo consta do voto da Ministra Relatora “a Lei n.º 9.985/00, em seu art. 22, §§ 2.º e 6.º, exige que o processo de criação e ampliação das unidades de conservação deve ser precedido de estudos técnicos e consulta pública. As informações prestadas não comprovam o atendimento da exigência quanto ao adequado procedimento de consulta pública. O parecer emitido pelo Conselho Consultivo do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, instituído pela Portaria IBAMA n.º 82/01, não pode substituir a consulta exigida na lei, pois aquele Conselho não tem poderes para representar a população local.”112

111 Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. 3.ª turma. Agravo de Instrumento n.º 2005.04.01.020976-0/PR.

Relator: Desembargador José Paulo Baltazar Junior DJ 22.03.2006.

112 Supremo Tribunal Federal. Pleno. Mandado de Segurança n.º 24.184-5/DF. Relatora: Ministra Ellen Gracie.

Como se vê, é a garantia de participação da coletividade que confere legitimidade aos processos administrativos, políticos e judiciais relacionados à matéria ambiental. Não obstante isso, observamos que, na prática, sua inefetiva aplicação tem sido objeto de críticas por parte da doutrina. Como bem assevera Rômulo Silveira da Rocha Sampaio, “os princípios da informação e da participação, embora expressamente previstos pelo ordenamento jurídico ambiental brasileiro e há muito consagrados pela própria política nacional do meio ambiente, são frequentemente relegados ao mero cumprimento de exigências formais.”113

Importante anotar, ainda, que o princípio da participação presta-se ao cumprimento de uma função essencial ao processo coletivo, qual seja, a de assegurar o efetivo acesso à justiça à coletividade, conforme estabelecido pelo artigo 5.º, inciso XXXV, da Constituição Federal, garantindo-se mecanismos processuais adequados para a obtenção da tutela jurisdicional em prol da proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.114

O acesso à justiça em matéria ambiental, aliás, é o escopo primordial da previsão estabelecida no artigo 5.º da Lei n.º 7.347/1985, que garante a legitimação autônoma para o ajuizamento de ação civil pública aos entes tidos como aptos a representar a coletividade na defesa judicial do meio ambiente.

Em aprofundado estudo específico sobre o tema, Álvaro Luiz Valery Mirra pontifica que “a participação judicial de indivíduos e entes intermediários, aqui, tem como finalidade incrementar a implementação do direito ambiental, propiciar o controle pela sociedade da legalidade e da legitimidade das ações e omissões públicas e privadas relacionadas com o meio ambiente, garantir o acesso participativo à justiça para a defesa do meio ambiente e assegurar a própria participação pública ambiental.”115

Essa, portanto, a importância do princípio da participação no âmbito dos processos decisórios de todas as esferas de atuação do Poder Público, vale dizer, administrativa, legislativa e judicial.

113 “A importância dos princípios da informação e da participação em um contexto de decisão sob incerteza.” In:

SAMPAIO, Rômulo S. R.; LEAL, Guilherme J. S.; e REIS, Antonio Augusto (orgs.). Tópicos de Direito

Ambiental: 30 anos da Política Nacional do Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 454.

114 O tema ora em debate será melhor elucidado à frente, a partir do item “III.1.1”, quando tratarmos com maior

especificidade das questões de ordem processual ligadas à efetividade da tutela jurisdicional do meio ambiente.

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