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Os pontos centrais de distinção entre os princípios da

II. 4.2.2 – Princípio da precaução

II.4.2.3. Os pontos centrais de distinção entre os princípios da

Poder Judiciário

Com efeito, não obstante serem evidentes as disparidades encontradas entre os princípios em análise, remanescem autores que insistem em não dar a devida importância a tal distinção.86 E, mais grave do que a doutrina, os Tribunais têm cometido equívocos na aplicação indistinta desses dois princípios ambientais no âmbito das decisões judiciais.

É o que se percebe da decisão abaixo transcrita, proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais para evitar a continuidade da atividade lesiva, em que, ao contrário de haver qualquer incerteza jurídica em jogo, foi confessada e admitida a ocorrência de danos ao meio ambiente pelos empreendedores:

“EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONFISSÃO EXPRESSA DA OCORRÊNCIA DE

DANO AO MEIO AMBIENTE – AUSÊNCIA DE LICENÇA AMBIENTAL –

OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO – PRESENÇA DO "PERICULUM IN MORA" E DO "FUMUS BONI IURIS" - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA – AGRAVO DESPROVIDO.

1 - Não se sustenta a alegação de violação da ampla defesa e do contraditório ante as provas apresentadas em Ação Civil Pública quando o fato a ser provado foi confessado e amplamente admitido pelos representantes legais das empresas.

2 - Não se acolhe a alegação de que a ausência de licenciamento ambiental e de concessão de Alvará de Localização e Funcionamento se deva à morosidade da administração pública se, como se depreende da prova, a agravante deixa claro que ao invés de requerer tais documentos antes do funcionamento de sua empresa, só cuidou de requerê-los quando já em funcionamento.

3 - Na proteção do meio ambiente se impõe a observância do princípio da precaução, que dá abrigo ao direito de todos ou da comunidade, notadamente ante a dificuldade ou impossibilidade de se reparar o dano ambiental, que agride a todos e age em benefício de uns poucos.”87

Além dessa decisão, vale trazer à colação a ementa de julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul fundamentado no princípio da precaução, quando, em verdade, deveria a referida Corte tê-lo feito com base no princípio da prevenção, não havendo

86 Cfr. Idem, p. 1069.

87 Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 8.ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento n.º 1.0000.00.314426-8/000.

que se falar em inexistência de conhecimento científico sobre a possibilidade de causar danos ao meio ambiente no caso abaixo transcrito, pois, conforme atestado na própria decisão colegiada, a extração de areia de dunas é atividade vedada pela legislação, justamente por seu

inequívoco potencial lesivo ao meio ambiente. Vejamos:

“DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO E DIREITO AMBIENTAL. EXTRAÇÃO DE AREIA. DUNA. VEDAÇÃO PELO CONAMA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. Há proibição da atividade extrativa em dunas - Resolução nº 303/02 do CONAMA e art. 241 do Código Estadual do Meio Ambiente – este visando à proteção do patrimônio paisagístico, sendo também recomendada pelos estudos que levaram às propostas de Zoneamento Econômico-Ecológico da Zona Costeira do Litoral Norte do Estado.

Eventual modificação da legislação que proíbe a extração de areia em dunas, consideradas áreas de preservação, sejam ou não vegetadas, não cabe ao Poder Judiciário, mesmo ao efeito de solucionar o caso concreto.

O princípio da precaução objetiva a prevenção de futuras alterações no ecossistema e também se aplica ao caso, ausente certeza científica de inexistência de danos posteriores. Apelo desprovido.” 88

Outro exemplo de aplicação indistinta dos princípios da prevenção e da precaução pode ser extraído de acórdão exarado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, pelo qual, sob a alegação de aplicação do princípio da precaução, foi determinado o desfazimento de aterro sanitário pela constatação de degradação ambiental. Confira a ementa abaixo:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESFAZIMENTO DE ATERRO CLANDESTINO POR OFENSA AO MEIO AMBIENTE. PROVA PERICIAL PRODUZIDA EM AÇÃO ORDINÁRIA E RELATÓRIO TÉCNICO DO IBAMA QUE CONCLUÍRAM PELA EXISTÊNCIA DE ATERRO DE MARGENS E ÁREAS INTERNAS DA LAGOA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. OBSERVÂNCIA.

1. Decisão que, em ação civil pública, fundada em elementos probatórios colhidos em laudo pericial produzido em ação ordinária, determinou o desfazimento de aterro clandestino realizado na Lagoa do Gomes, na localidade de Barra de Catuama, no Distrito de Pontas de Pedra, Goiana/PE.

2. Não se pode olvidar que nas ações que envolvem o meio ambiente é de aplicar-se o princípio da precaução que objetiva evitar a ocorrência do dano e não aguardar as suas conseqüências, as quais em sua maioria são irreversíveis ao ecossistema.

3. No caso presente, constatado pelo Relatório Técnico do IBAMA bem como pelo laudo pericial, ambos acostados aos autos, a ofensa ao meio ambiente acarretado pelo loteamento, razão pela qual, apresenta-se irreparável a decisão singular;

4. Agravo de instrumento improvido.”89

88 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 22.ª Câmara cível. Apelação Cível n.º 70016899833. Relatora:

Desembargadora Rejane Maria Dias de Castro Bins. D.J. 17.11.2006.

89 Tribunal Regional Federal da 5ª Região. 2.ª Turma. Agravo de Instrumento n.º 200405000177254. Relator:

Com efeito, a nosso ver, a aplicação desses dois princípios de forma diferenciada deveria ser objeto de maior atenção por parte do Poder Judiciário, tendo em vista que os casos

nos quais se deve aplicar o princípio da prevenção ensejam soluções distintas dos casos em que é aplicado o princípio da precaução.

Sobre o tema, Roberta Jardim de Morais ressalta, como defendido neste trabalho, que são distintas as medidas aplicadas nos casos de prevenção e nas situações de precaução. Segundo afirma, “a idéia de prevenção origina-se da necessidade de se adotar medidas que visem a conter, evitar ou minimizar efeitos ‘conhecidos’ gerados por uma atividade específica. Se tais efeitos, entretanto, forem incertos e não sabidos, outras idéias serão necessárias para contê-los, evitá-los, ou minimizá-los. Essas novas idéias são conhecidas como idéias de precaução.”90

Assim, após terem sido traçadas as características específicas de ambos os princípios, passamos a destacar os pontos centrais de diferenciação entre a prevenção e a precaução. Para tanto, vale observar, inicialmente, o magistério de Édis Milaré, para quem “a prevenção trata de riscos ou impactos já conhecidos pela ciência, ao passo que a precaução se destina a gerir riscos ou impactos desconhecidos.”91

Por igual, Maryse Deguergue aponta que, enquanto a precaução refere-se à antecipação de riscos desconhecidos, a prevenção objetiva impedir a ocorrência dos riscos

conhecidos, prováveis geradores de perigos. Enquanto a primeira indica a incerteza, a segunda aponta a certeza.92

Com base nesses ensinamentos, podemos concluir que, enquanto a prevenção deve ser aplicada nos casos em que se sabe que determinada atividade causa ou pode causar danos ao meio ambiente, a precaução demanda aplicação nas situações em que a sociedade

desconhece se a atividade pode ou não causar danos ambientais.

90 “O princípio da precaução (re) visitado – um olhar jurídico-econômico sobre o comércio internacional dos

organismos geneticamente modificados.” Tese de Doutorado. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2008, p. 76.

91 “Direito do Ambiente.” Ob. cit., p. 1069.

92 Cf. “La responsabilité administrative et le principe de precaution.” In: Revue Juridique de L’environnement.,

Nessa linha, propomos um simples questionamento a ser feito pelo operador do Direito para que se possa concluir qual dos dois princípios em questão deve ser aplicado: É possível afirmar que a atividade analisada causa ou pode causar danos ambientais? Se a resposta a essa pergunta for positiva, estaremos diante de uma situação em que é aplicável o princípio da prevenção. Contudo, em caso de resposta negativa, em que se desconhece, à luz do conhecimento científico disponível na sociedade, se a atividade pode ou não causar danos ao meio ambiente, impõe-se a aplicação do princípio da precaução.

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