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2.4.1 – Pressuposto comum indispensável: a relevância da

Quando refletimos sobre a atividade judicial da busca pela certeza em relação à existência do direito objeto da demanda, própria do juízo de cognição exauriente, devemos recordar que a aplicação do Direito ao caso concreto depende da intelecção a respeito da

realidade dos fatos e da sua consequência para o ordenamento jurídico. Se a própria regra jurídica pode ser composta por uma hipótese fática e uma sanção a ela atrelada, não há dúvida de que a busca pela verdade dos fatos é essencial para a melhor aplicação do Direito e, portanto, para a prestação, por parte do Estado, de uma tutela jurisdicional efetiva.303

Mas a verdade dos fatos não necessariamente é algo que será obtido com o desenvolvimento do procedimento eleito para a melhor condução do processo rumo à efetividade da tutela jurisdicional. Assim como ocorre nos demais ramos científicos, a

verdade sobre os fatos é algo a ser ideal e utopicamente buscado pelo magistrado, já que escopo básico da atividade jurisdicional, mas a certeza absoluta a respeito do alcance da

essência da verdade é algo aparentemente intangível, uma vez que, “seja no processo, seja em outros campos científicos, jamais se poderá afirmar, com segurança absoluta, que o produto encontrado efetivamente corresponde à realidade.”304

O que, deveras, busca o magistrado no processo é a convicção da verdade, ou, em outras palavras, a convicção a respeito do que as partes alegam em juízo. No escólio de Luiz Guilherme Marinoni, “é evidente que a impossibilidade de o juiz descobrir a essência da verdade dos fatos não lhe outorga o direito de definir o mérito sem estar convicto. Estar convicto da verdade não é o mesmo que encontrar a verdade, até porque, quando se requer a convicção de verdade, não se nega a possibilidade de que ‘as coisas não tenham acontecido assim.’ A ‘convicção da verdade’ é relacionada com a limitação humana de buscar a verdade e, especialmente, com correlação entre essa limitação e a necessidade de definição de litígios.”305

303 Cf. ARENHART, Sérgio Cruz. “Perfis da tutela inibitória coletiva.” São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,

p. 235 e seguintes.

304 Idem, p. 240.

Assim, mesmo em sede de cognição exauriente – quando terão sido transcorridas todas as fases previstas pelo ordenamento processual, desde a apresentação da petição inicial, do oferecimento da contestação, da réplica e demais manifestações pertinentes, a eventual realização das audiências de conciliação e de instrução e julgamento e a produção de provas, bem como a prática de eventuais outros atos procedimentais, de modo que estejam presentes nos autos os elementos necessários para o deslinde do feito –, o que se busca é a convicção da

verdade dos fatos para a obtenção da convicção a respeito da existência ou não do direito pleiteado pelo autor e consequente definição sobre a necessidade ou não de conferir-lhe a tutela jurisdicional de forma definitiva.

No juízo de cognição exauriente, portanto, a convicção a ser atingida para a prolação da decisão definitiva diz respeito à atividade de verificar se as alegações das partes são verdadeiras ou falsas.306

Por sua vez, no juízo de cognição sumária, próprio da tutela antecipada, para garantir a efetividade do processo e manter com vida a segurança jurídica, o legislador autorizou o julgador a proferir decisão com base em juízo de probabilidade. Nessa seara, a convicção do magistrado não se refere à descoberta pela veracidade ou falsidade absoluta dos argumentos lançados pelas partes, mas reside no seu julgamento como prováveis ou

improváveis.307 Segundo J. E. Carreira Alvim, o produto desse julgamento provisório resulta “da análise dos motivos que lhe são favoráveis (convergentes) e dos que lhe são contrários (divergentes). Se os motivos convergentes são superiores aos divergentes, o juízo de probabilidade cresce; se os motivos divergentes são superiores aos convergentes, a probabilidade diminui.”308

É nesse contexto que se insere a análise do preenchimento do que denominamos de pressuposto comum indispensável da relevância da fundamentação, tal como previsto no artigo 84, § 3.º, do Código de Defesa do Consumidor, necessário para a concessão de tutela antecipada em ação civil pública.

306 Cf. ARENHART, Sérgio Cruz. “Perfis da tutela inibitória coletiva.” Ob. cit., p. 300-301. 307 Cf. Idem, Ibidem.

Na esfera da probabilidade o julgador verificará, com base nos elementos constantes dos autos até o momento em que se exige a prolação da decisão, se a ocorrência dos fatos descritos pelo autor é ou não provável e se as consequências jurídicas estabelecidas pelo autor na petição inicial encontram guarida no ordenamento. Com isso, caso o magistrado se convença a respeito da probabilidade da ocorrência dos fatos descritos pelo autor, deverá, ainda, realizar juízo de valor em relação à aplicação do Direito nesse contexto fático. Como assinala Daisson Flach, em trabalho monográfico específico sobre o tema ora em análise, “não se trata apenas de saber se há ou houve, mas pressupor uma série de opções de cunho valorativo, em diálogo com o sistema normativo, com vistas à atribuição de consequências prático-jurídicas. (...) Ao prover sumariamente, não realiza o juiz da causa apenas uma aferição relativa à verdade (provável) dos fatos postos à base do pedido, mas, além disso, realiza complexa análise das consequências práticas do provimento, do grau de afetação às esferas jurídicas das partes.”309

Tratando-se de processo para a tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado, deve o magistrado, ainda, ter a compreensão correta dos fatos à luz das peculiaridades da tutela material do referido bem jurídico, bem como da sua interpretação em face dos diversos interesses que geralmente encontram-se envolvidos em ações civis públicas dessa natureza.

Ademais, quando da análise sobre a presença ou não do pressuposto da relevância da fundamentação, deve o juiz, ainda, atender àquilo que sugerimos no item “III.1.3” como a quarta orientação a ser seguida para o alcance da efetividade do processo coletivo ambiental, consistente em considerar a realidade física, biológica e antropológica envolvida na lide, incluíndo-se os aspactos sociais, econômicos e ambientais, de caráter local, regional e nacional.

Esse é, a nosso ver, o módulo cognitivo relacionado ao pressuposto da relevância da fundamentação em sede de ação civil pública ambiental. Segundo Daisson Flach, “quando a lei processual utiliza a expressão verossimilhança e outras que lhe são análogas (senão em sentido, análogas em função) está, na realidade, estabelecendo um standard, um modelo de constatação. Determina o módulo cognitivo a ser utilizado para a emissão de provimentos

liminares em um determinado contexto e conforme a natureza do direito material posto em causa.”310

Assim, relevância da fundamentação significa a constatação da probabilidade de existência do direito pleiteado pelo autor na ação civil pública, o que pode ser feito inaudita

altera parte, ou após a exposição das razões de defesa por parte do réu sobre a inexistência desse mesmo direito, medida esta que se mostra recomendável quando assim permitir o objeto da lide.

A respeito do grau de probabilidade exigível para o preenchimento do

pressuposto da relevância da fundamentação, não nos parece adequado pretender estabelecê- lo abstratamente com base tão somente na análise do seu significado gramatical em comparação com as demais expressões utilizadas pelo legislador nos dispositivos processuais que versam sobre tutelas proferidas em sede de cognição sumária.311 Conforme as observações feitas no item “III.2.3.1”, esse não pode ser o critério para a definição do grau de convicção do julgador em relação ao juízo de probabilidade.

Abstratamente, a verossimilhança da alegação, prevista no artigo 273, caput, do Código de Processo Civil, deve ser equiparada à relevância da fundamentação, disposta no artigo 84, § 3.º, da Lei n.º 8.078/1990 (e também nos artigos 461, § 3.º, 475-M, 558, 739-A do Código de Processo Civil), que, por sua vez, deve ter o mesmo significado de fumus boni

iuris, relacionado à tutela cautelar. É o que também entende Sérgio Cruz Arenhart, em trecho doutrinário assim vazado:

“Pode parecer estranho que se equipare a noção de fumus boni iuris ao requisito da relevância do fundamento, ou ainda à noção de prova inequívoca da verossimilhança da alegação. Os termos, entretanto, embora possam aparentar significar pressupostos diferentes, mesmo em razão de suas acepções comuns distintas, revelam, para o processo, o mesmo requisito, não merecendo qualquer diferenciação. Indicam, todos eles, a necessidade de avaliação da probabilidade de existência do direito. Exige-se, então, que o autor seja capaz de convencer o juiz, ainda que com elementos mínimos, para o reconhecimento (ainda que sem força declarativa suficiente) da plausibilidade de existência do direito afirmado.”312

310 Idem, p. 117. (destaques do original)

311 Nesse sentido, Daisson Flach afirma que “a expressão verossimilhança encontra no processo civil aplicações

tão dispares que não só resulta extremamente difícil como também pouco útil querer conduzi-las a um significado unívoco.” In: Idem, p. 109.

Diante dessas observações, no que tange ao grau de probabilidade a ser exigido pelo magistrado para o deferimento da tutela antecipada, certamente que será variável; não de acordo com a natureza do provimento, como já expusemos acima, mas de acordo com

critérios a serem aferidos em cada caso concreto, relacionados à potencialidade que a medida requerida possui de afetar a esfera jurídica do réu, à irreversibilidade dessa medida antecipatória, à quantidade e à qualidade dos dados disponíveis nos autos no momento da prolação da decisão, bem como ao juízo de valoração dos interesses jurídicos envolvidos.

Tal postulado ganha força também porquanto, se a tutela jurisdicional, definitiva ou com efeitos antecipados, deve sempre ter como norte as necessidades afetas ao direito material313, de modo a tutelá-lo adequadamente, é certo que o preenchimento do pressuposto da relevância da fundamentação deve ser variável, de acordo justamente com as especificidades próprias do caso concreto e do bem jurídico objeto do direito material envolvido na lide.

III.2.4.1.1. – A questão da demonstração (comprovação) da

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