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Análise da doutrina brasileira sobre objeto litigioso

Capítulo III – Mérito e Tríplice Identidade

3.3. Análise da doutrina brasileira sobre objeto litigioso

Já se apontou a insuficiência do conceito de lide para a definição do mérito, em razão de sua feição indiscutivelmente sociológica259. Interessa, ao processo, apenas a porção do conflito submetida à apreciação jurisdicional260. Assim, o objeto litigioso do processo (Streitgegenstand) é conceito metodologicamente mais apropriado para a análise e definição do

255 SCHÖNKE, Adolf. Op. cit., p. 268: “Sólo se produce el efecto de cosa juzgada, si el juicio posterior versa sobre el mismo objeto. Hay identidad cuando el acontecimiento o hecho del cual una parte deriva su pretensión, ha permanecido siendo el mismo”.

256 SCHWAB, Karl Heinz. Op. cit. p. 86: “Según esto, la identidad del objeto litigioso depende únicamente de la igualdad del suceso, del estado de cosas. No se dice si la solicitud tiene que ser también la misma. Pero del ejemplo citado debería inferirse que lo único decisivo es la identidad del suceso”.

257 SCHÖNKE, Adolf. Op. cit. p. 269.

258 BENEDUZZI, Renato. Introdução ao processo civil alemão (2015), p. 77. Para uma resenha sobre o debate a respeito do objeto litigioso na Alemanha, ver Alfredo BUZAID, Da lide... Op. cit., p. 95 e ss. Um vasto panorama é traçado por Karl Heinz SCHWAB, Op. cit., p. 11-98.

259 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo (1987), p. 261 e ss. Após enfatizar o caráter sociológico do conceito de lide o autor apresenta crítica contundente à ideia carneluttiana de “justa composição da lide”, elencando argumentos pelos quais deve prevalecer a ideia de que a finalidade da jurisdição é a “atuação da vontade concreta da lei”, relacionada à teoria dualista (declaratória) do Direito.

260 Não se perca de vista, por outro lado, que o conceito de lide também pode ser criticado com fundamento na existência de processos em que não há conflito de interesses, tal como ocorre nos procedimentos de jurisdição voluntária e sempre que houver julgamento antecipado em razão da revelia, reconhecimento jurídico do pedido ou renúncia ao direito sobre o qual se funda a pretensão.

mérito. As expressões se referem ao mesmo fenômeno, de modo que ao discutir sobre o Streitgegenstand a doutrina alemã procura definir o meritum causae.

No Brasil, em razão da grande influência do processo civil italiano, as discussões em torno do mérito ocorreram à luz do conceito de “ação”261. A doutrina se dedicou à análise e aprofundamento dos três elementos identificadores da demanda – tria eadem – de modo que não muitas abordagens levaram em conta o Streitgegenstand. É preciso considerar, porém, que ao partirem das ideias de “ação”, de “lide” ou de “objeto litigioso”, os processualistas têm como objetivo definir o mérito e, a partir disso, oferecer soluções para os problemas concernentes à modificação e cumulação de demandas, à litispendência e à coisa julgada262. Assim, ainda que as pesquisas partam de orientações metodológicas diferentes, almeja-se solucionar problemas práticos frequentes no processo civil.

Arruda ALVIM sustenta que no processo se discute sobre a pretensão, caracterizada como a afirmação de direito realizada pelo autor. É o demandante, portanto, que delimita o objeto litigioso com seu pedido. O réu poderá ampliá-lo se reconvier. De acordo com o jurista, para a verificação da litispendência há de se considerar “o tipo de tutela jurídica”, de modo que a propositura, pelo devedor, de demanda declaratória de inexistência de relação jurídica, não inviabiliza o ajuizamento, pelo credor, de ação condenatória para a cobrança do crédito. Isso, porém, não ocorre com a coisa julgada. A improcedência de ação declaratória impede, em razão da estabilização propiciada pela coisa julgada, que o autor promova demanda condenatória, contra o mesmo réu, fundamentando-se no fato que fora anteriormente invocado263.

Embora o jurista se refira ao “tipo de tutela jurídica”, é mais correto falar em técnica processual. As sentenças condenatórias, declaratórias, constitutivas, mandamentais e executivas são técnicas por meio das quais se concede tutela jurisdicional ao direito264. A abordagem de Arruda ALVIM deixa clara a dificuldade em formular um conceito unitário de objeto litigioso. Para a verificação da litispendência, há de se considerar a técnica processual por meio da qual se requer a tutela do direito265. Por outro lado, esse elemento não apresenta a

261 DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito... Op. cit., p. 335. No mesmo sentido, Araken de ASSIS, Cumulação de ações (1992), p. 105. Alfredo BUZAID, Da lide... Op. cit., p. 111, assinala que a definição do objeto litigioso na Itália partiu do conceito de ação, contrariamente ao que ocorreu na Alemanha, em que o ponto de partida foi a ideia de pretensão.

262 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil, v. I (1977), p. 449: “A nossa doutrina denomina de fundo de litígio, mérito ou lide aquilo que os alemães chamam de objeto litigioso”.

263 Idem, p. 452 e ss.

264 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica... Op. cit., p. 120.

265 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições... Op. cit., v. II, p. 49, realiza importante esclarecimento conceitual, afirmando que a litispendência não se confunde com o impedimento à instauração de processo idêntico.

Esse impedimento é um dos efeitos da litispendência, situação definida pelo autor como “o estado do processo que

mesma relevância na aferição da eficácia negativa da coisa julgada. Adiante os problemas em torno desse tema serão examinados mais pormenorizadamente.

Em conhecido estudo sobre o objeto litigioso, Sydney SANCHES defendeu sua limitação ao pedido formulado pelo autor. Dito de outro modo, a pretensão processual se limita ao pedido, podendo o autor alterá-la ou ampliá-la. Também o réu pode ampliar o objeto litigioso, o que ocorre com o oferecimento de reconvenção ou na deflagração de chamamento ao processo ou denunciação da lide, hipóteses em que se formula pretensão processual contra terceiros. Estes também podem ampliar o objeto litigioso, tal como ocorre com a oposição.

Ademais, autor e réu ampliam o objeto litigioso do processo quando propõem ação declaratória incidental, instituto expressamente previsto no CPC/1973, mas incabível à luz do novo código.

Tanto a coisa julgada em seus limites objetivos, quanto a litispendência, são definidos pelo pedido266. Para SANCHES a causa de pedir não integra o objeto litigioso do processo.

Também DINAMARCO adotou posição enfática em favor da ideia de que o objeto litigioso do processo é composto somente pelo pedido. Os atos processuais são praticados em razão do pedido de tutela jurisdicional apresentado pelo autor. Consistindo a decisão na resposta concedida ao pedido, conclui o jurista que apenas este integra o mérito. Nessa perspectiva, os fundamentos do pedido e da decisão têm apenas a finalidade de apoiar a pretensão e a tutela jurisdicional, não integrando o objeto litigioso. O processo não tem como finalidade decidir sobre as questões fático-jurídicas suscitadas pelas partes, o que demonstra sua irrelevância na delimitação do mérito267.

Em estudo clássico sobre a causa de pedir, José Rogério Cruz e TUCCI passa em revista as principais concepções desenvolvidas pela doutrina alemã em torno do objeto litigioso do processo. Conclui que este é constituído pela afirmação da situação substancial. O autor apresenta, in statu assertionis, a “circunstância jurídica concreta”, particularizada pelo contexto

pende”. Todavia, é corriqueiro o emprego do termo na alusão ao impedimento de propositura de demanda idêntica.

Neste sentido, a propósito, utiliza-o Arruda ALVIM na passagem analisada.

266 SANCHES, Sydney. Op. cit., p. 101/102. Destas páginas colhe-se a seguinte passagem: “Mas, de qualquer maneira, o objeto litigioso do processo, aquele sobre o qual versará o judicium (não apenas da cognitio) é limitado sempre por um desses pedidos do autor, do réu ou de terceiro”. A limitação da pretensão processual (objeto litigioso do processo) ao pedido é respaldada na sexta conclusão do trabalho: “6ª) só uma parte do ‘objeto do processo’ constitui o ‘objeto litigioso do processo’: é o mérito, assim entendido o pedido do autor formulado na inicial ou nas oportunidades em que o ordenamento jurídico lhe permita ampliação ou modificação; o pedido do réu na reconvenção; o pedido do réu, formulado na contestação, nas chamadas ações dúplices; o pedido do autor ou do réu nas ações declaratórias incidentais (sobre questões prejudiciais); o pedido do autor ou do réu contra terceiro na denunciação da lide; o pedido do réu no chamamento ao processo; o pedido do terceiro contra autor e réu, formulado na oposição”. A falta de interesse processual no ajuizamento de ação declaratória incidental, à luz do código vigente, será objeto de análise posterior.

267 DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito... Op. cit., p. 348. A posição sobre a restrição do mérito ao pedido é enfatizada em nota de rodapé, na mesma página, na qual o autor repudia a inclusão da causa de pedir no objeto litigioso do processo.

fático discrepante do padrão estabelecido pelo direito. De acordo com o processualista, essa concepção prestigia a causa de pedir, harmonizando-a com a abordagem que vislumbra no direito subjetivo o núcleo do processo268. Vê-se, assim, que ao buscar tutela jurisdicional o autor submete à apreciação do juiz situação fática diversa daquela projetada pelo direito material.

Essa “situação substancial”, meramente afirmada, abrange os fatos constitutivos. Disso se pode concluir que segundo o processualista o objeto litigioso é composto pelo pedido e pela causa de pedir, elemento integrante da situação substancial alegada pelo demandante.

Também Araken de ASSIS, na abordagem sobre o objeto litigioso do processo, analisou a doutrina alemã. Segundo o processualista, a lide, compreendida como conflito de interesses, explica a “causa do processo”, mas não é conceito capaz de delimitar o mérito. Este é demarcado pela ação material. O mérito é analisado a partir da afirmação do demandante, in status assertionis, de modo que até a decisão não há certificação sobre a ação ou pretensão material269.

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