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Resposta e conteúdo do mérito

Capítulo III – Mérito e Tríplice Identidade

3.4. Mérito e seu conteúdo: pedido, causa de pedir e exceção substancial

3.4.4. Resposta e conteúdo do mérito

Cabe verificar o papel exercido pela resposta, gênero que compreende a contestação e a reconvenção. Primeiramente, indaga-se se as alegações de defesa do réu integram o mérito, conforme assinala autorizada doutrina292. Faz-se alusão, aqui, às exceções substanciais, excluindo-se as defesas meramente processuais293. A resposta é positiva.

É certo que a defesa do réu gravita em torno da pretensão processual delineada pelo autor. É este que apresenta inicialmente os contornos do mérito do processo ao deduzir o pedido lastreado em determinada causa de pedir. Reconhece-se, já no primeiro momento, que os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão do autor ampliam o objeto do processo, com o aumento da matéria sobre a qual recairá a cognição do juiz. Isso implica aumento do objeto litigioso do processo? Em outras palavras, a exceção substancial indireta acarreta a ampliação do mérito?

292 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Novo curso... Op. cit., v. I, p. 556. Esse também é o entendimento já referido de Andrea Proto PISANI, Lezioni... Op. cit., p. 60/61.

293 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação... Op. cit., p. 347. O jurista estabelece a distinção entre defesas processuais e de mérito. Estas, por sua vez, são divididas em defesas diretas, nas quais se nega o fato constitutivo, e indiretas, em que são opostos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos à pretensão do demandante. As defesas processuais, baseadas em ausência de pressuposto processual ou carência da demanda, evidentemente não se incluem no mérito do processo. O contrário ocorre com as defesas substanciais. Luiz Guilherme MARINONI, Sérgio ARENHART e Daniel MITIDIERO, Novo curso... Op. cit., v. I, p. 181, assinalam que o réu apresenta defesa substancial direta também quando impugna as consequências jurídicas do fato constitutivo invocado pelo demandante. Fredie DIDIER JR., Curso de direito processual, v. I (2007), p. 643 e ss., indica a conhecida diferença entre exceções e objeções. Estas podem ser conhecidas de ofício, dividindo-se em substanciais (p. ex. decadência) e processuais (incompetência absoluta e carência da demanda). Aquelas devem ser suscitadas pela parte. Também podem ser processuais (p. ex. exceção de incompetência relativa) ou substanciais (p. ex. compensação).

Suponha-se que o demandante tenha ingressado com ação de cobrança, fundamentando seu pedido na prestação de serviços advocatícios. Em sua defesa o réu alega prescrição. Trata-se de hipótese clássica de exceção substancial indireta, na qual se alega fato impeditivo do direito do autor294. Essa defesa está correlacionada com a causa de pedir e o pedido, o que poderia levar à suposição de que não há alargamento do mérito. Contudo, basta constatar que o acolhimento da defesa ocasiona a improcedência da demanda para que se perceba que a alegação do réu integra o objeto litigioso.

Poder-se-ia afirmar que a alegação apenas se encaixa no objeto litigioso delineado pelo autor, de modo que não haveria ampliação do mérito. Note-se, contudo, que a prescrição é fato impeditivo, constituindo questão específica evidentemente não trazida pelo autor. Precisamente por integrar o mérito, tem-se que a rejeição da exceção substancial indireta também fica coberta pela coisa julgada. A prescrição da pretensão creditória se torna imutável quando reconhecida e também quando recusada.

O posicionamento aqui defendido, no tocante à imutabilização da decisão que rejeita a alegação de prescrição, fora apresentado por Fredie DIDIER JR., para quem essa defesa corresponde a exercício de contradireito pelo réu. Entender que a prescrição rejeitada não se estabiliza significa defender a existência de coisa julgada secundum eventum litis, com violação à isonomia, à medida que ninguém discorda da imutabilização da decisão que acolhe a prescrição. Desse modo, segundo o processualista, o art. 269, inc. IV do CPC/1.973 (art. 487, inc. II, CPC/2.015), não poderia ser interpretado a contrario sensu, como se apenas as decisões de acolhimento da prescrição fossem cobertas pela coisa julgada295.

294 Embora não haja dúvida sobre a qualificação da prescrição como defesa substancial indireta, há alguma controvérsia em seu enquadramento como fato extintivo ou impeditivo do direito do autor (CPC, art. 350). Joel Dias FIGUEIRA JR., Comentários ao código de processo civil (2001), p. 423 afirma que a prescrição é fato extintivo. No mesmo sentido se manifestam Nelson NERY JR. e Rosa Maria de Andrade NERY, Código de processo civil comentado (1994), p. 521. Ovídio BAPTISTA, Curso... Op. cit., v. I, p. 319, afirma que com a prescrição o direito não desaparece, de modo que o credor pode invocar a compensação como matéria de defesa em outro processo. Do mesmo modo, ocorrendo pagamento de crédito atingido pela prescrição, não pode o devedor requerer a repetição. Depreende-se, com base nessas lições, que para o processualista a prescrição consiste em fato impeditivo do direito do autor. Não há extinção, pois o direito continua a existir. Arruda ALVIM, Manual... Op.

cit., v. I, p. 505, sustenta que o escoamento do prazo, sem que haja exercício do direito de ação, acarreta, de acordo com a teoria civilista, a prescrição da ação. O direito continuaria a existir, embora, como assinala o jurista, a falta de ação que a ele corresponda, faça com que na prática dificilmente a pretensão venha a ser exitosa: “Em termos práticos, porém, dificilmente prosperará a pretensão (na verdade, a pretensão não podendo prosseguir pela exceção de prescrição, errado é dizer-se que existiria o direito)”. O direito positivo, ao se referir a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor sinaliza que a prescrição é fato impeditivo. O direito, como corretamente afirmou Ovídio BAPTISTA, continua a existir. Tanto isso é verdade, que pode ser invocado em exceção de compensação.

295 DIDIER JR., Fredie. Contradireitos, objeto litigioso do processo e improcedência (2013), p. 99.

Os contradireitos são concebidos como reação a determinado direito. Ao invocá-los o réu não age, mas reage ao direito alegado pelo autor. Sua finalidade é a neutralização ou a extinção do direito. As exceções de prescrição e de non adimpleti contractus representam contradireitos neutralizantes, ao passo que a exceção de compensação é hipótese de contradireito extintivo296. A abordagem de DIDIER JR. autoriza a extensão do conceito mérito e, consequentemente, da coisa julgada, aos contradireitos exercidos pelo réu, os quais são sinônimos de exceção substancial indireta297.

Contudo, nem toda defesa é exercício de contradireito. Com efeito, nas exceções substanciais diretas, o demandado se limita a negar o fato constitutivo ou a consequência jurídica que dele pretende extrair o autor. Nesse caso não há exercício de contradireito, nem ampliação do mérito. Restringe-se o réu, afinal, a negar a postulação do autor, nada acrescentando ao objeto litigioso do processo. A negativa do fato constitutivo caracteriza questão de fato, cuja apreciação pressupõe a produção de provas. Se o demandado se limita a questionar a consequência jurídica extraída do fato constitutivo pelo autor, há questão jurídica a ser dirimida. Nesse caso, não é necessária a produção de prova sobre o fato, pois o réu não nega que ele tenha acontecido. A discussão se circunscreve ao efeito jurídico. Apesar de não o ampliarem, as exceções substanciais diretas fazem parte do objeto litigioso do processo.

O acolhimento da defesa direta baseada na negativa de fato não enseja, por expressa previsão legal (CPC, art. 504, inc. II), a estabilização da inocorrência fática. Isso significa que embora o juiz tenha se convencido que o fato constitutivo invocado pelo autor não aconteceu, tal fato pode vir a ser reconhecido em outro processo, já que a imutabilização decorrente da coisa julgada não o atinge. Tampouco será estabilizada a alegação, subjacente à exceção direta,

296 DIDIER JR., Fredie. Contradireitos... Op. cit., p. 90.

297 DIDIER JR., Fredie. Curso... Op. cit., v. I, p. 639. Com o mesmo entendimento, Luiz Guilherme MARINONI, Sérgio ARENHART e Daniel MITIDIERO, Novo curso... Op. cit., v. II, p. 181. A ideia de exceção como contradireito “destinado à anulação da ação” fora defendida por Giuseppe CHIOVENDA, Instituições... Op. cit., v. I, p. 469. Fredie DIDIER JR., em Contradireitos... Op. cit., p. 91, afirma que o demandado, quando exerce contradireito, não se limita a invocar fato modificativo ou extintivo, mas exerce direito próprio, afirmando situação jurídica ativa que se caracteriza por ser exercida contra o direito sustentado pelo demandado. Essa distinção permitiria supor a existência de defesas substanciais de mérito indiretas que não configurariam exercício de contradireito. A suposição, contudo, é descartada pela afirmação de DIDIER JR,, apresentada no Curso, de acordo com a qual “exceção substancial e contradireito são expressões sinônimas”. Heitor Mendonça SICA, O direito de defesa no processo civil brasileiro (2011), p. 301 e ss., classifica a resposta do réu como demanda, na qual são visualizados os três elementos (partes, causa de pedir e pedido). Em consequência, oferecida resposta de mérito, ocorrerá ampliação do objeto litigioso do processo. Na Itália, Giovanni PUGLIESE, Giudicato civile (dir. vig.), Op. cit., p. 862 defendeu que também o réu, com suas exceções, pode ampliar a lide: “Naturalmente bisogna tenere presente che anche il convenuto può contribuire con le sue eccezioni a determinare l’oggetto della lite, estendendo il thema decidendum o introducendo nuovi temi, il che può riflettersi sul petitum e sulla causa petendi”. Salvatore SATTA, Accertamento incidentale (1958), p. 244, ao criticar a teoria da declaração incidental, assinalou que ela partira da ideia de que as exceções do réu não ampliariam o objeto litigioso do processo, de modo que seria necessário propor ação declaratória para que questões prejudiciais de mérito fossem imutabilizadas.

consistente na recusa da consequência jurídica invocada pelo autor298. Identicamente ao que acontece com a verdade dos fatos, também os motivos não são cobertos pela coisa julgada (CPC, art. 504, inc. I). A atribuição de diferente consequência jurídica aos fatos narrados pelo autor está abrangida no conceito de “motivos” indicado pelo código299.

Também quando reconvém o demandado aumenta não apenas o rol de questões a serem decididas, mas igualmente a pretensão processual. Em outras palavras, o mérito se amplia com a reconvenção. Sob o código revogado o réu podia expandir o objeto litigioso do processo quando ajuizasse ação declaratória incidental. Como o código vigente admite a ampliação dos limites objetivos da coisa julgada às questões prejudiciais (CPC, art. 503, §1º, incs. I a III), essa modalidade de resposta não é mais cabível.

Os limites do mérito também serão alargados pelo réu quando ele realizar denunciação da lide (CPC, arts. 125 a 129). Com efeito, por meio dessa modalidade interventiva, exercida pelo demandado na resposta, há ajuizamento de demanda regressiva contra o terceiro, simultaneamente à constituição de litisconsórcio entre denunciante e denunciado, contra o adversário do denunciante300. A ampliação do meritum causae é nítida. Embora aqui se faça alusão apenas à denunciação da lide realizada pelo réu, também o autor poderá deflagrá-la (CPC, art. 127). Nesse caso, o objeto litigioso certamente é maior do que aquele que existiria

298 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições... Op. cit., v. II, p. 327: “O réu nega a eficácia jurídica dos fatos alegados pelo autor quando sustenta que a norma invocada não se aplica ao caso, ou propõe uma interpretação diferente para o texto, ou procura demonstrar que a orientação dos tribunais o favorece etc”.

299 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil, v. I (1975), p. 326, afirmou, sob o código revogado, que “motivos” não são sinônimos dos “fundamentos de fato” indicados no art. 458, inc. II, do CPC/1973.

Esse entendimento foi adotado por Egas Moniz de ARAGÃO, Sentença e coisa julgada (1992), p. 247/248. Os motivos seriam as razões pelas quais o pedido foi acolhido ou rejeitado. Ainda que se adote essa concepção, chega-se à conclusão de que a inaplicabilidade do dispositivo invocado ou a interpretação jurídica diversa, são motivos e, como tais, não são cobertos pela coisa julgada.

300 CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros (1982), p. 75: “A denunciação da lide, como já exposto anteriormente, é prevista no vigente Código de Processo Civil como uma ação regressiva, ‘in simultaneus processus’, proponível tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada como denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão indenizatória, pretensão de ‘reembolso’, caso ele, denunciante, venha a sucumbir na ação principal”. Sobre a posição do denunciado, junto ao denunciante, perante o adversário deste, dividia-se a doutrina erigida sob o código revogado. Para alguns, como Ovídio BAPTISTA, Curso... Op. cit., v. I, p. 297 e Eduardo Arruda ALVIM, Direito processual civil (1998), p. 283, o denunciado seria assistente simples. Cândido Rangel DINAMARCO, Denunciação da lide (1997), p. 165, sustenta que o denunciado seria assistente litisconsorcial. Essa posição é refutada pela constatação de que a assistência litisconsorcial pressupõe relação entre o assistente e o adversário do assistido (CPC, art. 124). Ocorre que inexiste relação jurídica entre o denunciado e o adversário do denunciante, o que inviabiliza a caracterização de assistência litisconsorcial. Terceira posição afirma a existência de litisconsórcio entre denunciante e denunciado na demanda principal. Esse entendimento, sob o Código Buzaid, contou com a adesão de Athos Gusmão CARNEIRO, Intervenção de terceiros, Op. cit., p.

109, Arruda ALVIM, Manual... Op. cit., v. II, p. 186 e de Humberto THEODORO JR., Curso de direito processual civil (1985), v. I, p. 142. Analisando o tema à luz do código vigente, Luiz Guilherme MARINONI, Sérgio ARENHART e Daniel MITIDIERO, Novo código... Op. cit., p. 203/204, assinalam a posição de litisconsorte. Esse é o entendimento encampado pelo CPC, como se nota nos arts. 127, 128, inc. I e parágrafo único, nos quais a alusão ao litisconsórcio é expressa.

se não fosse a denunciação. Todavia, não se pode falar em ampliação do mérito, à medida que já na petição inicial a pretensão processual é constituída pela demanda regressiva formulada pelo autor denunciante contra o denunciado.

No chamamento ao processo (CPC, arts. 130 a 132) há formação de litisconsórcio passivo ulterior, por força de requerimento do réu na contestação, de modo que a pretensão do autor passa a ser também dirigida contra terceiro301. Ocorre ampliação do objeto do processo, à medida que o juízo terá de apreciar as alegações apresentadas pelo chamado302. Há, também, aumento do objeto litigioso, pois o réu apresenta pedido de condenação do chamado303. Pode haver sucessiva ampliação do mérito se o terceiro apresentar exceção substancial indireta.

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