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Contraditório prévio, efetivo e restrição da ampliação dos limites objetivos da coisa julgada na hipótese de revelia

Capítulo IV. Questões prejudiciais de mérito e ampliação dos limites objetivos da coisa julgada

4.3. Coisa julgada e questões prejudiciais: regime do CPC/2015

4.3.5. Contraditório prévio, efetivo e restrição da ampliação dos limites objetivos da coisa julgada na hipótese de revelia

No art. 503, §1º, inc. II, do CPC, são estabelecidos dois outros requisitos para que a questão prejudicial seja imutabilizada. É necessário que tenha ocorrido contraditório prévio e efetivo e a ampliação dos limites objetivos não pode ocorrer na hipótese de revelia.

Caracteriza-se contraditório prévio sempre que o debate entre as partes ocorrer antes de a decisão ser proferida475. É nítido que o código preconiza a prévia discussão entre as partes para que a questão prejudicial possa ser atingida pela coisa julgada. É imprescindível, portanto, que as partes tenham discutido a questão e que lhes tenha sido franqueada a oportunidade de produzir provas476.

Note-se que nos termos do código não apenas o contraditório deve ser prévio. Impõe-se, ainda, que seja efetivo. Isso significa que às partes deve ter sido concedida a oportunidade

475 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Demandas plenárias e sumárias, p. 151, define o contraditório prévio como a modalidade “em que o juiz somente poderá fazer ou permitir que se faça alguma coisa depois de ouvir a ambas as partes”. O jurista acrescenta que as outras modalidades de contraditório são o diferido, no qual o mérito da causa é apreciado provisoriamente, tal como ocorre na antecipação de medidas satisfativas, e o eventual, no qual se

“elimina o contraditório do interior da demanda, transferindo-o seja para uma ação incidental, como os embargos do devedor, seja para uma ação independente, como nas possessórias e nas ações cambiárias”.

476 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio; e MITIDIERO, Daniel. Novo código... Op. cit., p. 517.

Na mesma linha, Eduardo TALAMINI, Código... Op. cit., p. 717 e Fredie DIDIER JR., Extensão da coisa julgada... Op. cit., p. 88, que caracteriza o contraditório como a “garantia de participação no processo e o poder de influência”.

de influenciar a decisão477. Ocorre que a inércia da parte na defesa de seus interesses não pode inviabilizar a extensão da coisa julgada às questões prejudiciais478. Entendimento contrário concederia à parte mecanismo para obstaculizar a res judicata. Bastaria se omitir após a identificação da questão prejudicial, realizada pelo juiz no saneamento do processo (CPC, art.

357, inc. IV). É claro que essa interpretação não pode prevalecer.

Advertidas as partes sobre a questão no saneamento do processo, a omissão durante a fase probatória não impedirá que a coisa julgada atinja a questão prejudicial. Note-se que no momento em que o juiz saneia o feito, já houve oportunidade para a alegação do autor e a resposta do réu, de modo que o debate já terá sido iniciado. Percebe-se que a necessidade de identificação da questão prejudicial, pelo juiz, é menos relevante do que se poderia imaginar em uma primeira leitura, pois no saneamento as partes já terão iniciado o debate, tendo já requerido a produção dos meios de prova. Quando o juiz saneia o processo, a questão prejudicial já está posta.

Imagine-se que, proposta demanda de cobrança por inadimplemento, tenha o réu na contestação alegado a nulidade do contrato, bem como a prescrição da pretensão creditória.

Como assenta o art. 350, do CPC, quando o réu oferecer fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito invocado pelo autor, impõe-se ao juiz conceder o prazo de 15 (quinze) dias para manifestação, concedendo a possibilidade de produção de provas. Na verdade, cuida-se de requerimento probatório, cuja produção, não cuida-se tratando de prova documental, ocorrerá em momento posterior. Pois bem. É inequívoco que nesse caso a questão prejudicial já estará posta e terá sido debatida, tendo sido cumprido o requisito de debate prévio e efetivo previsto pelo código. A advertência do juiz, quanto à possibilidade de extensão da coisa julgada à questão, apenas realça, em nome do princípio da cooperação (CPC, art. 6º), a consequência que advirá do debate já colocado.

É possível que em determinado caso a questão prejudicial não tenha sido perfeitamente percebida até o saneamento, de modo que, após a advertência do juiz, as partes direcionem a produção da prova para o tema. Mas cabe destacar que esse debate deve estar presente nas alegações das partes. Em outras palavras, as alegações das partes já devem ter inserido a questão

477 CANOVA, Augusto Cerino. Op. cit. p. 132, menciona, à luz do processo italiano, que o direito de defesa eficaz pressupõe a possibilidade de resposta adequada de uma parte às alegações da outra. Luiz Guilherme MARINONI, Novas linhas... Op. cit., p. 161, há muito assinalava que a legitimidade da jurisdição repousa na possibilidade efetiva de participação no processo. Isso significa que o contraditório deve garantir a paridade de armas e a real possibilidade de as partes influenciarem o juiz.

478 TALAMINI, Eduardo. Código... Op. cit., p. 717: “A circunstância de uma ou ambas as partes, uma vez devidamente cientes de que a questão prejudicial está posta, não se dedicar à sua instrução jurídica e fática, em regra, não obstará que a decisão expressa do juiz sobre tal questão tenha autoridade de coisa julgada”.

no processo, ainda que elas não o tenham percebido de forma clara que isso aconteceu. Mesmo nessa hipótese, vê-se que é o debate das partes sobre a questão que permitirá a cobertura pela res judicata, não o ato judicial de identificação da quaestio no saneador479.

O código acrescenta que a estabilização não pode ocorrer na hipótese de revelia. No art. 344, o CPC indica que o réu será considerado revel quando não oferecer contestação. A revelia não se confunde com seu efeito material, consistente na presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Conforme resulta do art. 345, do CPC, nem sempre os fatos serão presumidos como verdadeiros quando houver revelia. Ademais, o revel recebe o processo no estado em que se encontra e, na forma do art. 349, do CPC, pode produzir provas desde que compareça aos autos em prazo hábil para tanto. Se isso ocorrer, o pedido de provas do revel inviabiliza o julgamento antecipado do processo, nos termos do art. 355, inc. II, do CPC.

Diante desse arcabouço legal, a primeira conclusão é a de que a revelia, caracterizada como a ausência de contestação, indiscutivelmente impedirá a extensão da coisa julgada à matéria prejudicial, pois a ausência do réu inviabiliza que se formem questões no processo. Não havendo impugnação, não há questão, podendo-se falar apenas em pontos prejudiciais480. Mas o tema encerra mais dificuldade do que se poderia supor em uma primeira leitura. E se o réu oferecer contestação, mas ela for intempestiva?

Suponha-se que na demanda em que o autor postula a cobrança de prestação inadimplida, o réu alegue a nulidade do contrato e requeira a produção de provas, mas ofereça sua resposta um dia após o decurso do prazo. É indiscutível que a intempestividade ocasiona revelia. Nesse caso, porém, há de ser levado em conta o requerimento de produção de provas.

E não se pode ignorar que terá sido instaurado o debate. Tanto isso é verdade, que a intempestividade da contestação será alegada na réplica oferecida pelo autor, na qual a questão da nulidade será enfrentada como matéria de mérito (CPC, art. 350). Mas ainda que o autor restrinja sua réplica à alegação de intempestividade da resposta, o juiz, ao permitir que a peça de defesa permaneça nos autos, pode identificar o tema prejudicial e autorizar que sobre ele ocorra discussão e produção de provas. Seria correto supor a inexistência de debate e inviabilizar que a coisa julgada atinja a matéria prejudicial? Inexistiria, frente à resistência do revel, formação de questão?

479 REDONDO, Bruno Garcia. Op. cit., p. 8, defende a desnecessidade de “alerta” às partes.

480 DIDIER JR., Fredie. Extensão da coisa julgada... Op. cit., p. 89, assinala a heterogeneidade de regimes de estabilização no tocante à questão principal e à prejudicial. A primeira, diferentemente do que ocorre com a prejudicial, é coberta pela coisa julgada mesmo na hipótese de revelia.

Uma resposta mais formalista apontaria para a inexistência de debate, à semelhança do que ocorre na hipótese em que o revel jamais comparece aos autos. Todavia, considerando que o modelo cooperativo se destaca pela possibilidade de debate acentuado, ao longo de todo o processo, não se crê que nesse caso inexista debate sobre a nulidade do contrato. Tanto existe, que além da nítida resistência do réu, haverá produção de provas sobre o tema. Como o debate é essencial para que se caracterize a questão, pode-se afirmar que a discussão ocorrida na hipótese ora analisada é suficiente para que ele esteja bem evidenciado. E nesse caso, apesar da revelia, é adequado que a res judicata atinja também as questões prejudiciais481.

E se o réu comparecer somente para requerer provas, em estágio pouco mais avançado do iter procedimental (CPC, art. 349)? Não há debate nessa hipótese. A atividade probatória ocorrerá em atenção aos pontos prejudiciais. Pode ser que o juiz não esteja convencido sobre as alegações do autor (CPC, art. 345, inc. IV) e determine a produção de provas sobre os pontos.

Mas, nesse caso, haveria formação imprópria de questão. O comparecimento tardio do revel, inviabiliza que haja debate. Desse modo, contrariamente ao que ocorre na hipótese anterior, fica obstada a extensão da coisa julgada à matéria prejudicial.

As duas hipóteses ilustram perfeitamente o ponto a que se pretendia chegar. É, sempre, o debate que permite a formação de questões. Quando a revelia decorrer do oferecimento tardio de contestação, é razoável supor que possa ocorrer debate sobre a matéria prejudicial. Nesse caso, é possível sustentar que a participação do réu, apesar da contumácia, autoriza a extensão da coisa julgada ao tema prejudicial.

Entendida a revelia, nos termos do código, como a ausência de contestação, é possível que o réu compareça ao feito e apenas proponha reconvenção, hipótese bastante plausível quando se nota que essa modalidade de resposta pode ser apresentada sem que o demandado conteste o feito (CPC, art. 343, §6º)482. Cabe verificar, nesse caso, se seria possível a extensão da coisa julgada sobre a matéria prejudicial.

A reconvenção, segundo o art. 343, caput, deve ser conexa com a ação principal ou com a matéria de defesa. Considerando que na hipótese formulada não foi oferecida

481 LUCCA, Rodrigo Ramina de, Op. cit., p. 14, afirma que o legislador se equivocou ao impedir a extensão da coisa julgada nas hipóteses de revelia. Na mesma linha, Bruno Garcia REDONDO, Op. cit., p. 5, defende a adoção de interpretação restritiva: “Em uma adequada interpretação restritiva, somente inexistirá formação de coisa julgada sobre a prejudicial quando a revelia for acompanhada da produção do seu efeito material (presunção relativa de veracidade dos fatos alegados pelo autor) e o réu não tiver controvertido o ponto antes da prolação da sentença”.

482 FORNACCIARI, Clito. Código de processo civil anotado (2016), p. 508, aponta a falha na redação, pois o art.

343, caput, assinala a possibilidade de que o réu reconvenha na contestação, ao passo que o último parágrafo do dispositivo prevê a possibilidade de reconvenção isolada. Embora seja possível compreender as disposições, elas são inequivocamente contraditórias.

contestação, a conexidade deve ocorrer em relação à demanda. De acordo com o art. 55, do CPC, ocorre conexão entre duas ou mais ações, quando for comum o pedido ou a causa de pedir. Assim, não parece possível que o reconvinte possa impugnar as alegações do autor e formular questão prejudicial da qual seu pedido decorra.

Retorne-se ao exemplo da demanda em que se pleiteia a cobrança de prestação inadimplida. O reconvinte não poderia, por exemplo, requerer a nulidade do contrato e postular inadimplemento do autor. Haveria frisante contradição nessas alegações, de modo que nem mesmo à luz do princípio da eventualidade sua apresentação simultânea seria admissível. À boa-fé, estampada no art. 5º, do CPC, repugna a contradição na resposta. Suponha-se, todavia, que em vez de pleitear o inadimplemento do autor, o reconvinte cumulasse os pedidos de nulidade do contrato e de ressarcimento de danos. Se os danos tiverem origem no negócio jurídico, recai-se novamente na contradição acima aludida. Por outro lado, se sua natureza for extracontratual, não há relação de prejudicialidade. Essas hipóteses demonstram que a conexidade, exigível para que se possa propor a reconvenção, inviabiliza a formação de questões prejudiciais quando o réu somente reconvier.

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