• Nenhum resultado encontrado

Importância da questão para o julgamento do mérito: são imutabilizadas as questões prejudiciais decididas contrariamente ao vencedor?

Capítulo IV. Questões prejudiciais de mérito e ampliação dos limites objetivos da coisa julgada

4.3. Coisa julgada e questões prejudiciais: regime do CPC/2015

4.3.4. Importância da questão para o julgamento do mérito: são imutabilizadas as questões prejudiciais decididas contrariamente ao vencedor?

O art. 503, §1º, inc. I, indica que a questão prejudicial será coberta pela coisa julgada se da sua “resolução depender o julgamento do mérito”. Diante desse requisito, indaga-se se a res judicata pode atingir a questão decidida desfavoravelmente ao vencedor. Analisando o tema antes da vigência do CPC/2015, Bruno LOPES afirmou que a res judicata não poderia atingir as questões decididas desfavoravelmente ao litigante vencedor, à medida que não seriam

essenciais ao acolhimento ou à rejeição do pedido469. Sob o código vigente, a opinião tem sido acatada470. Discorda-se, porém, desse entendimento.

A decisão da questão prejudicial deve ter aptidão, em tese, para influenciar a solução da questão subordinada. Contudo, não é necessário que isso efetivamente aconteça. Já se destacou que a prejudicial tem a aptidão de influenciar o resultado da questão posterior, o que significa que isso pode não acontecer. Basta imaginar hipótese de cumulação sucessiva, em que a rejeição do pedido subordinante impede o exame e, nesse sentido, acarreta a rejeição do subordinado, ao passo que o acolhimento do primeiro não gera qualquer efeito em relação ao segundo.

Suponha-se o ajuizamento de ação declaratória de existência de união estável cumulada com alimentos. A improcedência do primeiro pedido frustra o êxito do segundo e, nesse sentido, condiciona seu julgamento. O acolhimento, porém, não leva a qualquer conclusão sobre a necessidade dos alimentos, o que comprova que a questão prejudicial tem aptidão de influenciar o mérito, embora isso possa não acontecer. Quando se reconhece que a prejudicial não necessariamente subordina o resultado da questão que lhe é subsequente – embora possa fazê-lo – percebe-se que o código alude à dependência em tese dessa influência471.

O que se pretende evitar, e por isso o texto emprega a expressão “depender o julgamento do mérito”, é a estabilização de questão prejudicial relacionada a alguma questão processual. Ou seja, se a questão subordinada tiver natureza processual, a que lhe é prejudicial

469 LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Limites objetivos... Op. cit., p. 69: “Dentre as questões que respeitam essas premissas, não podem ser qualificadas como necessárias e, portanto, determinantes do resultado do julgamento as decididas desfavoravelmente ao vencedor, pois nesse caso a decisão não será essencial para a conclusão pela procedência ou improcedência da demanda e não haverá a garantia de cognição exauriente”. O posicionamento foi reiterado em A extensão da coisa julgada às questões apreciadas na motivação da sentença (2013), p. 4, com alusão ao que ocorre na common law. Nesse sentido, Antonio GIDI, Limites objetivos da coisa julgada no projeto de código de processo civil: reflexões inspiradas na experiência norte-americana (2011), p. 8, afirma que a questão decidida deve ser um “necessary step” para a decisão subordinada. Rodrigo Ramina de LUCCA, Op. cit., p. 12, salienta que “nenhuma decisão incidental contrária à parte vencedora poderá tornar-se imutável”.

470 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio; e MITIDIERO, Daniel. Novo curso... Op. cit., v. II, p.

633/634. Fredie DIDIER JR., Extensão da coisa julgada... Op. cit., p. 88, também indica o problema, embora não tome posição expressa, assinalando que o assunto merece maior meditação. Salienta, entretanto, que questões resolvidas obiter dictum ou de cunho processual, não são atingidas pela res judicata, acrescentando que o entendimento de que as questões seriam estabilizadas apenas quando julgadas favoravelmente, configuraria hipótese de coisa julgada secundum eventum litis.

471 TALAMINI, Eduardo. Código... Op. cit., p. 717: “Por outro lado, é desnecessário que a questão prejudicial seja concretamente decisiva para a resolução da lide. Basta que em tese ela se ponha como tal”. Antônio do Passo CABRAL, Breves comentários... Op. cit., p. 1.294, reconhece expressamente que a parte vitoriosa pode sucumbir em alguma questão prejudicial, o que enseja a interposição de recurso para evitar o efeito positivo da coisa julgada:

“Muda também o interesse recursal: o vencedor na lide, vendo julgado procedente seu pedido, mesmo assim pode ter interesse em apelar da sentença para desfazer o entendimento sobre uma prejudicial sobre a qual o juízo concluiu em seu desfavor, evitando que aquela questão seja incorporada em outros processos (efeito positivo da coisa julgada)”.

não pode ser imutabilizada, ainda que diga respeito a questões materiais. Como sublinha Barbosa MOREIRA, o julgamento da prejudicial é instrumental no tocante à questão prejudicada, de modo que a ele não se poderia atribuir maior estabilidade472. Desse modo, mesmo que a questão subordinante diga respeito a temas de direito material, ela não se estabilizará se a subordinada se referir a pressupostos processuais ou condições da ação473. É a isso que se refere o art. 503, §1º, inc. I, com a locução “depender o julgamento do mérito”.

Não é correto, portanto, sustentar a impossibilidade de estabilização de questões de mérito decididas desfavoravelmente ao vencedor. O entendimento contrário conduz à inusitada conclusão de que a improcedência do pedido na demanda de alimentos impede que se estabilize a questão prejudicial sobre a paternidade. Há, na hipótese, questão decidida desfavoravelmente ao vencedor da demanda, pois a paternidade foi reconhecida em seu desfavor. Contudo, o réu se sagrou vencedor no tocante ao pedido, pois a pretensão alimentar do autor foi julgada improcedente. Seria inaceitável sustentar que a decisão sobre a quaestio prejudicial – paternidade – não é atingida pela coisa julgada. O que o código não permite é a extensão da res judicata às questões prejudiciais que subordinam decisões referentes aos pressupostos processuais ou às condições da ação.

Note-se, ademais, que a apreciação das questões decididas desfavoravelmente ao vencedor corresponde à mesma atividade jurisdicional que leva ao julgamento favorável, sendo que nada justifica o tratamento diferenciado, sob pena de se consagrar inadvertido regime de coisa julgada secundum eventum litis474.

Não é aplicável à hipótese a regra estadunidense do necessary step, cabendo destacar que a extensão da coisa julgada à questão prejudicial não é idêntica ao collateral estoppel. Tanto isso é verdade que os fatos prejudiciais não se estabilizam no regime brasileiro (CPC, art. 504, inc. II). O CPC pretende, reitere-se, que a questão possa “em tese” influenciar o tema que lhe é subordinado. Isso pode não ocorrer, sendo uma questão prejudicial decidida desfavoravelmente em relação à parte que se sagra vencedora na questão principal.

472 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Questões prejudiciais... Op. cit., p. 77.

473 Idem, p. 126: “De acordo, então, com o princípio geral acima enunciado, há de negar-se a auctoritas rei iudicatae aos pronunciamentos acaso emitidos sobre questões, ainda de direito substantivo, que se tenham apreciado como prejudiciais da solução de outras, relativas ao processo. Aliás, aqui também, e a fortiori, valeria o argumento utilizado no tocante às questões sobre ‘condições da ação’: se já nesse plano haveria contrassenso em reconhecer à solução das prejudiciais autoridade maior do que a que se reconhecera à das prejudiciais concernentes ao mérito, é óbvio que, no plano processual, o contrassenso subiria de ponto. Muito mais longe se está agora, com efeito, do ‘objeto do pedido’. Destarte, v.g., se em certo processo argui o réu, previamente, a nulidade da cláusula de eleição de foro, e o juiz examina a questão como antecedente lógico necessário do pronunciamento sobre a competência, nenhum efeito ad extra se produz: noutro processo, ainda entre as mesmas partes, será livre o reexame da questão, e a cláusula, que ali se considerou nula, aqui se poderá ter por válida, ou vice-versa”.

474 DIDIER JR., Fredie. Extensão da coisa julgada... Op. cit., p. 88.

Presentes os demais requisitos elencados pelo código, as questões decididas desfavoravelmente ao vencedor também devem ser atingidas pela res judicata. Poder-se-ia invocar esse argumento para sustentar que, sendo assim, deveriam se imutabilizar inclusive as prejudiciais que subordinam questões atinentes aos pressupostos processuais e às condições da ação. Todavia, além do ilogismo apontado por Barbosa MOREIRA, consistente em se estabelecer maior estabilidade à quaestio instrumental, que aquela consagrada à principal, a dicção do art. 503, §1º, inc. I, inviabiliza essa possibilidade, ao assentar que apenas as prejudiciais vinculadas a questões de mérito podem ser atingidas pela coisa julgada.

Conclui-se o ponto reiterando que também as questões prejudiciais decididas desfavoravelmente à parte vencedora, podem ser cobertas pela res judicata. Não haverá estabilização, contudo, nas hipóteses em que a decisão da questão prejudicial, embora concernente ao direito material, subordinar questão atinente aos pressupostos processuais ou às condições da ação.

4.3.5. Contraditório prévio, efetivo e restrição da ampliação dos limites objetivos

Outline

Documentos relacionados