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Desnecessidade de pedido e atuação do juiz

Capítulo IV. Questões prejudiciais de mérito e ampliação dos limites objetivos da coisa julgada

4.3. Coisa julgada e questões prejudiciais: regime do CPC/2015

4.3.3. Desnecessidade de pedido e atuação do juiz

Ao permitir que a coisa julgada recaia sobre a questão prejudicial, o código evidentemente dispensa o pedido da parte464. Como demonstrado acima, quando houver pedido, sendo cumpridos os requisitos para o exame de mérito, o provimento será alcançado pela res judicata. Mas, nesse caso, a questão prejudicial será resolvida em razão do pedido e, por esse motivo, pode ser denominada de principal465.

Em atenção ao princípio da colaboração (CPC, art. 6º), cabe ao juiz identificar a questão prejudicial passível de estabilização. O momento oportuno é o saneamento do processo.

Note-se que o art. 357, incs. II e IV, do CPC, menciona a delimitação das questões de fato e de direito relevantes para a decisão do mérito, providência que se torna ainda mais adequada à luz do modelo processual cooperativo466. Todavia, como se verá com maior vagar no item 4.3.5, no saneamento do processo já terá se iniciado o debate sobre a questão. Em outras palavras, ela já terá sido posta pelas partes por meio das alegações do autor na inicial e na tréplica (CPC, art.

350), e do réu na resposta. Será raro que o juiz identifique ponto sobre o qual o debate não tenha

464 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Novo curso... Op. cit., v. II, p. 633. No mesmo sentido se manifesta Eduardo TALAMINI, Código... Op. cit., p. 716: “A hipótese constitui exceção, isso sim, à norma que permite que o juiz apenas decida as pretensões efetivamente postas pelas partes”.

Identicamente, Antônio do Passo CABRAL, Breves comentários... Op. cit., p. 1.294.

465 DIDIER JR., Fredie. Extensão da coisa julgada à resolução da questão prejudicial incidental no novo Código de Processo Civil brasileiro (2015), p. 92.

466 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Novo código... Op. cit., p.

517: “Identificando o juiz a existência de questão prejudicial que entenda conveniente solucionar definitivamente desde logo, deve indicá-la às partes a fim de que todos os participantes do processo possam debatê-la previamente, inclusive viabilizando o exercício do direito à prova a respeito”

se iniciado. Nesse caso, a extensão da coisa julgada às questões prejudiciais, dependerá do debate realizado a partir da fase probatória.

Desse modo, na omissão do juiz, desde que tenha havido debate prévio e efetivo sobre a questão, haverá formação de coisa julgada. Poder-se-ia sustentar que essa solução fere o dever de colaboração, de modo que a falha do juiz, ao deixar de identificar a questão previamente, inviabilizaria a ampliação dos limites objetivos da res judicata. A premissa, contudo, é que tenha havido debate e produção de prova sobre a questão prejudicial, de modo que as partes não sejam surpreendidas com a imutabilização.

Retome-se o exemplo da demanda na qual se postula alimentos. Suponha-se que o juiz, ao sanear o feito, tenha identificado apenas a questão concernente aos alimentos. Foi analisado minudentemente, em itens anteriores, que a questão prejudicial se distingue por sua precedência lógica. É imprescindível, para a apreciação dos alimentos, que seja previamente analisada a questão da filiação. Tendo as partes debatido o tema, sendo-lhes franqueada a produção de provas e estando convencido o juiz, não há razão para afastar o decisum da estabilização467. A premissa, insista-se, é que as partes tenham auxiliado na construção da decisão, debatendo o tema e produzindo provas caso tenham entendido necessário. Nesse quadro, não há margem para a violação à colaboração.

Poder-se-ia criticar essa solução ao argumento de que a parte não saberia contra o que recorrer. A crítica não procede. O recurso é dirigido contra os fundamentos da decisão. Aliás, a razão mais importante pela qual as decisões são motivadas é precisamente a de permitir que as partes conheçam os fundamentos e possam impugná-los. É evidente, para a parte, que ela precisa hostilizar a questão prejudicial para que seu recurso venha a ser acolhido. Isso já acontecia sob o código revogado, em que se impunha o ajuizamento de ação declaratória incidental para que a questão prejudicial fosse imutabilizada.

A expansão dos limites objetivos às questões prejudiciais guarda conformidade com a definição de mérito adotada nesta tese, em que se sustenta que o objeto litigioso é integrado pela causa de pedir, pelo pedido e pelas exceções substanciais. Fica resguardada, portanto, a correlação entre o mérito e os limites objetivos da coisa julgada. Caso se entenda que apenas o pedido compõe o mérito, fica inexplicada a razão pela qual uma questão que não faz parte do pedido é atingida pela coisa julgada. Aliás, a exigência da tríplice identidade para a

467 TALAMINI, Eduardo. Código... Op. cit., p. 717, assinala que ao juiz incumbe admoestar as partes sobre a possibilidade de estabilização da questão, em atenção aos princípios do contraditório e da cooperação. Todavia, se houver efetivo debate, o requisito previsto em lei terá sido atendido e a coisa julgada pode, então, cobrir a questão prejudicial: “Por um lado, mesmo que o juiz não cumpra esse dever de advertência, se as partes efetivamente debaterem a questão, está preenchido esse requisito para a incidência da coisa julgada”.

caracterização de coisa julgada é outro desmentido à ideia de que apenas o pedido compõe o meritum causae.

Especificamente em relação à tríplice identidade como critério caracterizador da exceção de coisa julgada, DINAMARCO afirma que não se pode confundir a autoridade da coisa julgada com a exceção de coisa julgada, consistente no impedimento de reapreciação da demanda. Assim, a exigência, constante no art. 337, §§ 1º a 3º, do CPC, de que também a causa de pedir seja a mesma para que se caracterize a identidade de demandas, não impediria que o mérito fosse caracterizado apenas pelo pedido, já que a autoridade da coisa julgada não equivale à res judicata em si mesma468. O argumento não convence. A coisa julgada imutabiliza a decisão. E o faz justamente impedindo que seja reanalisado o objeto litigioso sobre o qual o juiz já se pronunciou. Não se pode conceber a coisa julgada sem o simultâneo impedimento à reapreciação do mérito.

Poder-se-ia, com base no mesmo argumento de direito positivo, criticar a inclusão das exceções substanciais no mérito, já que o CPC não se refere a elas no art. 337, §§ 1º a 3º. Ocorre que em relação ao segundo processo a coisa julgada é pressuposto processual negativo. Bastará ao autor invocar a coisa julgada para que haja extinção sem resolução do mérito (CPC, art. 485, inc. V). As defesas substanciais sequer se apresentam ao problema, pois o autor, havendo identidade, não discutirá o mérito, mas alegará a existência de pressuposto processual negativo.

Sob uma perspectiva liberal, pode-se acusar a possibilidade de ampliação dos limites objetivos às questões prejudiciais, sem o pedido expresso do autor, como indevida mitigação do princípio da demanda. Afinal, se o demandante quisesse que a coisa julgada atingisse a prejudicial, teria formulado pedido sobre ela. Ocorre que a prejudicial resulta da demanda do autor considerada em seu conjunto. E sua apreciação é imprescindível para que haja análise do pedido. Serão produzidas provas a respeito e o juiz decidirá. Se, por um lado, isso pode não refletir inteiramente a vontade individual, eis que inexistiu pedido expresso, não é correto afirmar que a estabilização da prejudicial viola a liberdade do demandante, pois cabe somente a ele apresentar os contornos iniciais do mérito, que serão delimitados com a apresentação de exceção substancial pelo réu.

Restrição à liberdade haveria se o juiz analisasse fatos não submetidos à sua apreciação. Em um sistema marcado pela substanciação mitigada, o autor apresenta os fatos constitutivos, cuja qualificação jurídica definitiva será dada pelo juiz, em conformidade com a máxima iura novit curia. E o magistrado, mesmo quando ocorre ampliação dos limites objetivos

468 DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito... Op. cit., p. 346/347.

da coisa julgada, decide apenas com base nos fatos que lhe foram apresentados. Retome-se o exemplo do pedido de alimentos. Se não for reconhecida a filiação, a demanda será julgada improcedente. Ocorre que a improcedência já ocorreria, sob as mesmas circunstâncias, no CPC/1973, de modo que ampliação de limites objetivos não provoca qualquer restrição à esfera jurídica do autor. Por outro lado, não se vê como o autor poderia ser prejudicado na hipótese oposta, em que a decisão de reconhecimento da paternidade seria estabilizada. Trata-se, afinal, de desdobramento da demanda por ele formulada.

Pode-se afirmar que violação à liberdade havia no sistema anterior, em que a parte se via obrigada a promover ação declaratória incidental, recolhendo novas custas, para obter resultado perfeitamente alcançável com sua demanda original. Se não há restrição visível à liberdade individual, a afirmação de que a ampliação dos limites objetivos é antiliberal se mostra ainda menos adequada, pois a liberdade, valor fundamental, assenta-se na noção de previsibilidade. E a extensão da coisa julgada às questões prejudiciais expressamente decididas é medida destinada a tornar o direito dos tribunais mais previsível, evitando inclusive as contradições lógicas referentes às questões prejudiciais. Além de permitir maior previsibilidade, com incremento de segurança jurídica, a extensão dos limites objetivos autoriza ainda a igualdade pelo processo, evitando que a mesma questão seja julgada de forma diversa.

4.3.4. Importância da questão para o julgamento do mérito: são imutabilizadas

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