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Limitações probatórias, cognições sumária e parcial

Capítulo IV. Questões prejudiciais de mérito e ampliação dos limites objetivos da coisa julgada

4.3. Coisa julgada e questões prejudiciais: regime do CPC/2015

4.3.7. Limitações probatórias, cognições sumária e parcial

Conforme assenta o art. 503, §2º, é inaplicável a ampliação dos limites objetivos da coisa julgada às questões prejudiciais quando houver restrições probatórias ou limitações à

486 DIDIER JR., Fredie. Extensão da coisa julgada... Op. cit., p. 90.

487 TALAMINI, Eduardo. Código... Op. cit., p. 717.

cognição que inviabilizem a análise aprofundada da prejudicial. Pretende-se evitar a estabilização de matéria que não tenha sido discutida adequadamente. O dispositivo, contudo, é menos limitador do que sugere sua primeira leitura. A diretriz para a extensão da coisa julgada, também nesse ponto, é a existência de debate aprofundado sobre a questão. Essa premissa traz importantes impactos na análise das demandas em que a cognição é parcial, ou seja, restrita a determinada matéria.

4.3.7.1. Limitações probatórias e impossibilidade de estabilização da questão prejudicial

Ocorrendo restrição à produção de provas, fica inviabilizada a ampliação da coisa julgada à questão prejudicial. Parte-se da ideia, essencialmente correta, de que se o litigante foi impedido de produzir determinados meios de prova, a questão prejudicial não foi analisada com a profundidade necessária à estabilização.

A doutrina se refere, na hipótese, à cognição exauriente secundum eventum probationis. Embora haja profundidade suficiente para a análise da questão principal, a quaestio prejudicial não pode se estabilizar em razão da limitação probatória488. São exemplos o mandado de segurança, no qual são admitidas apenas as provas pré-constituídas (Lei n.

12.016/09, art. 6º), os procedimentos nos Juizados Especiais Cíveis, em que não se admite a produção de prova pericial (Lei n. 9.099/95, art. 35, caput), e os inventários e partilhas, nos quais se admite apenas prova documental (CPC, art. 612)489. Nesses casos e em todos os outros nos quais ocorra restrição probatória, a questão prejudicial não será coberta pela coisa julgada.

4.3.7.2. Cognição sumária

Viu-se, no item 2.3, que a cognição, no plano vertical, pode ser sumária ou exauriente.

Sumária é aquela cujo elemento declaratório não é suficiente para ensejar a res judicata. Em outras palavras, não há exame aprofundado apto a ensejar a estabilidade da questão. As medidas de urgência (CPC, arts. 300 e ss.), satisfativas ou cautelares, são exemplos de provimentos com

488 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio; e MITIDIERO, Daniel. Novo curso... Op. cit., v. II, p.

634.

489 DIDIER JR., Fredie. Extensão da coisa julgada... Op. cit., p. 90 e Antônio do Passo CABRAL, Breves comentários... Op. cit., p. 1.293, de onde esses exemplos foram retirados.

cognição sumária, os quais não são atingidos pela coisa julgada, seja no tocante à questão principal, seja no que diz respeito à prejudicial.

4.3.7.3. Cognição parcial

A possibilidade de extensão da coisa julgada, às questões prejudiciais decididas no âmbito de processos submetidos à cognição parcial, é tema complexo. Antes de iniciar a abordagem, convém reiterar que a premissa para que haja estabilização é a suficiência do debate a respeito da matéria prejudicial. Dito isso, saliente-se que a cognição parcial se manifesta no plano horizontal e é caracterizada pela limitação da análise jurisdicional, como visto no item 2.3. Há, portanto, temas que o juiz está impedido de apreciar. Sendo assim, a coisa julgada não pode cobrir as questões relacionadas à matéria cuja cognição não é permitida. Em regra, ante a proibição de análise, sequer serão constituídas questões sobre tais matérias. Mas, em determinadas circunstâncias, isso pode acontecer.

Considere-se os interditos possessórios. O art. 1.210, §2º, do Código Civil, proíbe discussões sobre a propriedade nas ações possessórias. Disso decorre a impossibilidade de pronunciamento jurisdicional sobre o tema. Todavia, na praxe forense, com alguma frequência uma das partes traz aos autos matrícula de propriedade. Se o adversário impugnar a alegação e trouxer aos autos outra certidão de matrícula, alegadamente comprobatória do seu domínio, terá se instaurado discussão sobre a matéria petitória, malgrado a determinação legal. Nesse caso, contudo, a discussão sobre a propriedade deve ser ignorada pelo juiz. A estabilização seria contrária ao direito e não pode ocorrer.

A propósito, para que as ações possessórias não percam sua autonomia, os litigantes podem apenas se referir à propriedade ou ao direito, sem que essa singela alusão caracterize alegação de posse fundada no domínio490. Em resumo, a proibição de que a propriedade seja objeto de discussão, impede a coisa julgada de se estender à matéria dominial.

Isso poderia levar à conclusão de que as questões prejudiciais jamais são cobertas pela coisa julgada nos processos de cognição parcial. Esse entendimento, contudo, não é correto.

Considere-se a ação de consignação em pagamento491. No art. 544, incs. I a IV, o CPC indica as matérias que poderão ser alegadas na contestação. Sob esse aspecto, ocorre certa limitação à

490 ALVIM, Arruda; COUTO, Mônica Bonetti. Comentários ao código civil brasileiro (2009), v. XI, t. II, p.

256/257 e 276/277.

491 CABRAL, Antônio do Passo. Breves comentários... Op. cit., p. 1.293, refere-se à ação de consignação em pagamento como modelo de demanda na qual a cognição é parcial, de modo que não seria possível estender a coisa julgada às questões prejudiciais.

defesa, à medida que a discussão terá de girar em torno da pretensão liberatória do devedor, autor da ação consignatória. Todavia, quando o réu alegar que a recusa foi justa ou que o depósito é insuficiente (CPC, art. 544, incs. II e IV), em regra será necessário discutir sobre a validade do contrato e o quantum debeatur. A jurisprudência erigida sob o código revogado, assentou a possibilidade de debate em torno dessas matérias492.

Focalizando a limitação do debate à pretensão liberatória, pode-se sustentar, apenas nesse sentido, que a cognição é parcial. Por outro lado, levando em conta a possibilidade de discussão sobre o débito e a validade do contrato subjacente, é correto atribuir à cognição na ação consignatória caráter plenário, pois podem ser submetidas à apreciação jurisdicional quaisquer alegações no tocante a essas matérias. Tratar-se-ia, indiscutivelmente, de demanda parcial, apenas se fosse expressamente proibida a controvérsia sobre cláusulas contratuais, o que não ocorre.

Há, todavia, certa restrição à defesa, pois todas as alegações terão de ser enquadradas em alguma das hipóteses previstas no art. 544, do CPC. Nesse caso, seria correto sustentar que a discussão prejudicial sobre a validade do contrato não é atingida pela coisa julgada? Entende-se que não. Houve debate sobre a validade do contrato e as partes puderam produzir provas. A cognição sobre o tema é profunda. Vale lembrar que podem ser apresentadas quaisquer alegações conducentes à invalidade do contrato e à correção do quantum debeatur. A limitação da defesa ao rol contido no art. 544, do CPC, é incapaz de impedir o debate aprofundado sobre a validade do contrato, de modo que essa questão prejudicial fica atingida pela res judicata.

O tema não se presta a soluções apriorísticas. O caso concreto deve ser levado em consideração a fim de se verificar a possibilidade de debate. Logo, tendo ocorrido discussão e não havendo restrição às provas, a cognição parcial não inviabiliza a estabilização da questão prejudicial debatida. Por outro lado, considerando que não pode haver debate sobre a matéria proibida, sequer haverá questão sobre o tema cuja análise é vedada. É o que ocorre, por exemplo, com a alegação de propriedade no âmbito das ações possessórias. Em resumo, a

492 STJ, REsp. 652.711/PE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ 12/03/2007, p. 219 “Ação consignatória. Discussão de cláusulas contratuais. Precedentes da Corte. 1. Esta Corte já assentou que, em se tratando de ação consignatória, ‘é possível ampla discussão acerca do débito, inclusive com o exame da validade de cláusulas contratuais’ (Ag.Rg. no Ag nº 406.408/DF, Terceira Turma, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 18/2/02; no mesmo sentido: Ag.Rg. no Ag nº 432.140/DF, Quarta Turma, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 17/6/02; REsp nº 345.568/SP, Quarta Turma, Relator o Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 10/2/03; REsp nº 299.171/MS, Quarta Turma, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 10/9/01; REsp nº 401.708/MG, Terceira Turma, Relator o Ministro Castro Filho, DJ de 9/12/03). 2. Recurso especial não conhecido”.

questão prejudicial que pôde ser amplamente debatida, será atingida pela coisa julgada, desde que inexista restrição probatória e que não haja limitação às alegações.

4.3.8. O problema do litisconsórcio necessário e unitário para a questão

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