Verificou-se que os dois processos tradicionais de antonímia (prefixação e antonímia lexical)3, com os quais o não prefixal tem vindo a concorrer no português contemporâneo,
ocorrem de forma variável, consoante o item lexical que se considere.
O quadro 1 apresenta bases que, a despeito de possuírem antônimos formados com um dos prefixos tradicionais e de disporem de um antônimo lexical, receberam o não, como prefixo. Quadro 1: Exemplo de itens lexicais que possuem antônimos com prefixos tradicionais antônimos lexicais, mas apresentam, no corpus, antônimo constituído com o não prefixal:
FORMA BÁSICA ANTONÍMIA POR PREFIXAÇÃO ANTONÍMIA LEXICAL ANTONÍMIA PELA PREFIXAÇÃO DO NÃO Igual desigual diferente não-igual
Definido indefinido genérico não definido Perecível imperecível perdurável, eterno não-perecível
O quadro 2 apresenta exemplo de palavras que não dispõem de antônimos lexicais, possu- em antônimos com os prefixos tradicionais, no entanto aparecem no corpus prefixadas pelo não. Quadro 2: Exemplo de itens lexicais que possuem antônimos formados com prefixos tradicionais, não possuem antônimos lexicais e aparecem, no corpus, prefixados pelo não:
FORMA BÁSICA ANTONÍMIA POR PREFIXAÇÃO ANTONÍMIA LEXICAL ANTONÍMIA PELA PREFIXAÇÃO DO NÃO alfabetizado analfabeto - não-alfabetizado Execução inexecução - não-execução
Formal informal - não-formal
Racional irracional - não-racional Satisfeito insatisfeito - não satisfeito
Tóxico atóxico - não-tóxico
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do portugûes arcaico ao português brasileiroO quadro 3 refere-se a itens lexicais que não se submetem ao fenômeno da prefixação com nenhum dos prefixos tradicionais. Formam a antonímia a partir da oposição com outro item lexical e aparecem no corpus tendo o não como prefixo.
Quadro 3: Exemplo de itens que não possuem antônimos formados por prefixos tradicionais, possuem antônimos lexicais, mas ocorrem no corpus tendo o não, como prefixo:
FORMA BÁSICA ANTONÍMIA POR PREFIXAÇÃO ANTONÍMIA LEXICAL ANTONÍMIA PELA PREFIXAÇÃO DO NÃO Declarado - omitido Não declarado
Descartável - reutilizável Não-descartável Desperdício - economia Não-desperdício Divulgação - ocultação, omissão Não divulgação Exclusão - inclusão Não-exclusão
Incluso - excluso Não incluso
Livre - preso, dependente Não livre Oficial - oficioso Não oficial
Pequena - grande Não-pequena
Plural - singular Não-plural
Preenchida - vaga Não preenchida Proibida - permitida Não proibida Remunerada - voluntária Não remunerada
Virtual - real Não-virtual
O quadro 4 mostra itens que, além de não aceitarem qualquer um dos prefixos tradicionais para gerar a antonímia, também não dispõem de outro item lexical com sentido contrário e, assim, receberam o não, como prefixo.
Quadro 4: Exemplo de itens que não possuem antônimos lexicais, nem antônimos formados com prefixos tradicionais e, assim, apresentam um antônimo com o não prefixal:
Analisando-se o emprego do não como prefixo em confronto com os processos tradicio- nais de antonímia na linguagem jornalística verificou-se que o não ocorre, mais freqüentemente, antecedendo formas que não dispõem de antônimo lexical nem de antônimos formados com prefixos tradicionais.
Como já foi visto, julgou-se, a princípio, que o não estaria substituindo os prefixos tradici- onais; constatou-se, contudo, que, ao invés disso, como se pode observar a partir do quadro 5, o
FORMA BÁSICA ANTONÍMIA POR PREFIXAÇÃO ANTONÍMIA LEXICAL NÃO
Adventista - - não adventista
Agrícola - - não-agrícola
Alimentício - - não-alimentício
Anotada - - não-anotada
Aparentado - - não-aparentado
Aplicação - - não aplicação
Apresentação - - não-apresentação
Argilosa - - não argilosa
Associado - - não-associado
Atendimento - - não-atendimento
Atualização - - não-atualização
Cadastrada - - não-cadastrada
Cantor - - não cantor
Carlista - - não-carlista
O desempenho do não como prefixo no português brasileiro contemporâneo
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não está sendo mais empregado junto a formas que não possuem antônimos com prefixos tradi- cionais, nem dispõem de antônimo lexical do que substituindo os referidos prefixos.
Quadro 5: Freqüência do emprego do não em posição prefixal conforme os processos tradicionais de antonímia
CONTEXTOS N.º DE OCORRÊNCIAS/TOTAL FREQÜÊNCIA
FBs com antônimos lexicais e antônimos formados com PTs
05/255 02 %
FBs que não dispõem de antônimo lexical, mas possuem antônimos formados por um dos PTs
31/675 05%
FBs dispõem de antônimo lexical, mas não possuem antônimos formados com PTs
09/09 100%
FBs que não dispõem de antônimo lexical nem de antônimos com PTs
154/154 100%
TOTAL 199/1.093 18%
Quanto à variação entre o uso do não e dos prefixos tradicionais, ficou comprovado que a penetração do não prefixal, concorrendo com os mesmos, tem-se dado, com maior intensidade, com o prefixo a-. Deve-se ressaltar, contudo, que, numericamente falando, o volume de ocor- rências de substituição do a- pelo não prefixal, é de apenas 2, em um total de 8 registros, como se pode verificar a partir do quadro 6:
Quadro 6: Freqüência do emprego do não, como prefixo, substituindo os prefixos tradicionais (a-, des-, in-) Nível de significância: .029
PREFIXO Nº de ocorrências do não/Total Freqüência Peso relativo
des- 11/367 3% .25
In- 23/559 4% .65
a- 2/8 25% .96
TOTAL 36/934 4% -
Com relação aos prefixos des- e in-, os índices de substituição, ainda que superiores em termos absolutos ao do a-, podem ser considerados tímidos.
Foram arrolados fatores que poderiam estar condicionando o emprego do não com valor prefixal; para isso, foram estabelecidas, previamente, as seguintes variáveis lingüísticas explanatórias: (i) classe gramatical da forma base; (ii) natureza do fonema inicial da forma base; (iii) constituição morfológica da FB; e (vii) natureza do texto.
No que diz respeito à variável classe gramatical, observou-se, a partir do quadro 7, que o emprego do não prefixal tem ocorrido com maior freqüência junto aos particípios, constituindo os substantivos, a classe mais refratária ao emprego do não prefixal.
Quadro 7: Freqüência da variável classe gramatical da forma base Nível de significância: .020
Classe gramatical Nº de ocorrências/total Freqüência absoluta Peso relativo
Substantivo 53/382 14% .38
Adjetivo 85/491 17% .50
Particípio 61/224 27% .69
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do portugûes arcaico ao português brasileiroEsses resultados ajustam-se, perfeitamente, à conclusão de que o não está gramaticalizando- se como prefixo. Do ponto de vista da trajetória seguida pelo não, pode-se admitir que, sendo empregado como advérbio, normalmente em orações subordinadas adjetivas desenvolvidas, como por exemplo:
O veículo era dirigido por pessoa QUE NÃO ERA HABILITADA E, evidentemente, também em orações reduzidas:
O veículo era dirigido por pessoa NÃO HABILITADA (1/404)
uma vez que o particípio é empregado, em muitos casos, como adjetivo, o emprego do não estendeu-se aos adjetivos.
Nesse estágio, os limites entre a forma livre do advérbio e a forma presa do prefixo, ambos representados pelo item lexical não se enfraqueceram, criando uma área de intersecção entre as duas categorias propostas. O passo seguinte é a extensão do uso do não com adjetivos agora efetivamente como uma partícula anteposta:
NÃO SATISFEITOS, alguns fiscais investiram contra os estudantes. (1/151)
Assim, o não já pode ser interpretado como prefixo negativo, e se verifica a extensão do seu emprego com os substantivos, como em:
A NÃO-OCORRÊNCIA de acidentes pode ser creditada à sorte. (1/22)
Nesse momento, não se sustenta mais a análise tradicional do não como advérbio, já que, normalmente, o escopo de atuação dessa categoria não inclui os substantivos. Caracteriza-se, assim, a gramaticalização do não como prefixo. E o emprego do hífen nada mais é do que a chancela que a escrita aporta à mudança em curso, na língua oral.
O quadro 8 refere-se aos resultados da variável fonema inicial da forma base. Quadro 8: Freqüência da variável fonema inicial da forma base:
Nível de significância: 020
Embora a freqüência absoluta, 18%, revele-se igual para as duas variáveis, o peso relativo .62, registrado com FBs iniciadas por vogal parece indicar estarem essas formas favorecendo o emprego do não como prefixo.
O quadro 9 apresenta o resultado da variável constituição morfológica da forma base. J
9DORU QGHRFRUUrQFLDVWRWDO )UHTrQFLDDEVROXWD 3HVRUHODWLYR
9RJDO
&RQVRDQWH
O desempenho do não como prefixo no português brasileiro contemporâneo
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Conquanto a freqüência absoluta indique um equilíbrio entre as duas variáveis, o peso relativo .70, para ausência de sufixo, indica que as palavras que não possuem sufixo favorecem o emprego do não como prefixo.
O quadro 10, revela os resultados da análise do valor semântico do não, como prefixo. Quadro 10: Freqüência da variável significado do não, como prefixo:
Quadro 9: Resultados da variável forma base portadora de sufixo Nível de significância: .029
Verificou-se que, em todas as 199 ocorrências, o não, prefixal, aparece com o sentido de negação/privação ou falta de. Deduz-se assim que, pelo seu valor semântico, o não, emprega- do como prefixo, acrescenta às estruturas nas quais se insere, apenas o valor de negação, privação falta de. Por outro lado, observou-se uma baixa ocorrência do emprego do não prefixal em substituição ao des- , como foi visto no quadro nove, o que pode ser atribuído ao fato de ser mais próprio do des- indicar ação ou processo contrário: burocratização x DESburocratização. Observe-se que o não prefixal, o a- ou o in- não apresentam esse valor semântico. Com isso, pode-se definir um limite para a expansão do não prefixal: o seu emprego em substituição ao des, dificilmente se dará em contextos em que o des- expresse ação ou processo contrário.
O quadro 11 indica os resultados da variável natureza do texto, confirmando a proposição de que nas matérias/reportagens, textos redigidos por profissionais da imprensa, houvesse uma maior freqüência absoluta e um maior peso relativo do emprego do não como prefixo do que nos outros tipos de texto, uma vez que a linguagem jornalística, muitas vezes, necessita lançar mão da economia das palavras.
Quadro 11: Freqüência da variável natureza do texto
Foi feita, ainda:
(i) uma análise comparativa sobre a incidência do não prefixal, entre os dois elementos do corpora, o jornal e o dicionário; e
J 6XIL[RV 1GHRFRUUrQFLDVFRPR
QmRWRWDO )UHTrQFLDDEVROXWD 3HVRUHODWLYR
3UHVHQoD
$XVrQFLD
727$/
4 T J S
6LJQLILFDGRH[SUHVVRSHORQmR
FRPRSUHIL[R QGHRFRUUrQFLDVWRWDO )UHTrQFLDDEVROXWD
1HJDomRSULYDomR
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727$/
J 1DWXUH]DGRWH[WR 1GHRFRUUrQFLDV7RWDO )UHTrQFLD 3HVRUHODWLYR
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0DWpULDUHSRUWDJHP
(QWUHYLVWD
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do portugûes arcaico ao português brasileiro(ii) a análise de como o Dicionário da língua portuguesa retrata o emprego do não como prefixo em sua organização interna.
Verificou-se que o registro lexicográfico da prefixação com o não ainda é muito restrito, o que não significa que o Dicionário da língua portuguesa não seja sensível ao fenômeno de gramaticalização do não como prefixo, uma vez que, comparando a edição de 1999, com uma das edições anteriores, a de 1978, observou-se que esse instrumento vem expressando, de forma crescente, o uso do não como prefixo na descrição do sentido dos itens lexicais portadores dos prefixos tradicionais e que o registro de 53 itens lexicais prefixados pelo não na edição de 1999 é consideravelmente superior ao da edição de 1978 na qual encontram-se apenas duas entradas de itens lexicais dessa natureza: não-euclidiana e não-intervenção.
O quadro 12 refere-se aos resultados da análise do emprego do não, como prefixo na descrição, pelo dicionário, dos itens portadores de prefixo tradicional.
Quadro 12: Freqüência do emprego do não, como prefixo, na descrição do DLP (Dicionário da Língua Portuguesa).
Nível de significância: .029
Verificou-se que a descrição apresentada pelo dicionário coincide, em linhas gerais, com o uso do não prefixal em substituição aos prefixos tradicionais observado na linguagem jornalística, na qual foram registradas 36 ocorrências de emprego do não prefixal em substituição aos PTs, num total de 934 ocorrências, o que corresponde a 4% do total.
Na descrição do sentido de 2315 itens lexicais recolhidos do dicionário, 1817, ou seja, 78% foram descritos analiticamente, e 498 foram descritos de maneira sintética, isto é, a partir do emprego do não como prefixo.
Esses dados podem representar um indicativo de possibilidade de substituição dos prefi- xos tradicionais pelo não prefixal nos itens lexicais descritos sinteticamente.
Para a análise das variáveis lingüísticas explanatórias aplicadas ao DLP (Dicionário da Língua Portuguesa), foram testadas as seguintes: classe gramatical e constituição morfológica da forma base.
O quadro 13 refere-se aos resultados da variável classe gramatical das formas base nos dados do dicionário.
Quadro 13: Freqüência da variável classe gramatical dos itens prefixados Nível de significância: .001
J 'HVFULomR 1GHRFRUUrQFLDV7RWDO )UHTrQFLDDEVROXWD 3HVRUHODWLYR
$QDOtWLFD
6LQWpWLFD
7RWDO
J &ODVVHJUDPDWLFDO 1GHRFRUUrQFLDV7RWDO )UHTrQFLD 3HVRUHODWLYR
6XEVWDQWLYR
$GMHWLYR
3DUWLFtSLR
O desempenho do não como prefixo no português brasileiro contemporâneo
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O quadro 14 demonstra os resultados estatísticos da análise da variável forma base portadora de sufixo:
Quadro 14: Freqüência da variável forma base portadora de sufixo Nível de significância:.001
Estabelecendo-se uma comparação dos valores expressos por esse quadro 14, com os do quadro 9, que apresentam os números da mesma análise aplicada aos itens recolhidos do jornal consultado, pode-se observar que ocorre uma coincidência, uma vez que a oscilação numérica entre os dois resultados pode ser considerada estatisticamente irrelevante: o quadro 9 apresenta 155 ocorrências do não com bases que apresentam sufixo, 18%, num total de 882 registros, com peso relativo de .45 e apresenta 44 ocorrências de emprego do não, com FBs não-sufixadas (20%) em 215 registros, com peso relativo de .70.
Verificou-se, portanto, um expressivo paralelo entre a linguagem jornalística e o registro lexicográfico, no sentido de que ambos apontam para o emprego do não como prefixo, o que favorece a tese de gramaticalização do não, defendida neste trabalho.