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1 Voz passiva: caracterização

2.3 Comparando os dados

A seguir, um Quadro comparativo dos dados obtidos do corpus do português arcaico e dos dados obtidos do corpus dos começos do português moderno.

VPN

Sec. XVI

Gramática da linguagem portuguesa

“E se disto para que seja entendido podemos dar alghum exemplo (...)” (fol. 17v) “(...) o qual polla maior parte já foi feito pollos antigos (...)” (fol. 29r)

“E sempre seremos dellas louvados e amados (...)” (fol. 5r)

Gramática da língua portuguesa

“(...) em as quáis cousas convém serem eles doutrinádos (...)” (p. 292) “A quál figura é muito usáda de nós (...)” (p. 383)

VPP

Sec. XVI

Gramática da linguagem portuguesa

“(...) quero que minhas obras se pubriquem (...)” (fol. 1v)

“(...) sojeitas às regras e leis de cujo mandado se rege esta arte.” (fol. 30r)

Gramática da língua portuguesa

“(...) tiram-se désta régra alguns nomes próprios (...) (p. 309)

“(...) e o cáso genitivo muitas vezes se rége désta preposiçám de (...)” (p. 316)

Quadro 6: Comparação entre os dados obtidos do corpus do português arcaico e os dados obtidos do corpus dos começos do português moderno.

A incidência de voz passiva pronominal foi menor no português arcaico e bem maior do que a de voz passiva nominal nos começos do português moderno.

Não houve ocorrência, em nenhum dos corpora investigados, de voz passiva nominal com verbo classificado pela tradição gramatical como transitivo indireto.

A freqüência de agente da passiva foi baixa para ambos os períodos da língua.

Não foram encontradas ocorrências de se apassivador reinterpretado como índice de indeterminação do sujeito nos textos investigados.

Vejamos esse último Quadro, em que constam os valores totais obtidos dos corpora.

Quadro 7: Valores totais obtidos dos corpora.

Português arcaico Português moderno

Questões Oc. % Oc. % VP 42 100 486 100 VPN 31 73,8 98 20,16 VPP 11 26,2 388 79, 84 APA1 3 9,67 23

APAS por IIS — — 4 —

7 Questões Oc. % VP 528 100 VPN 129 24,44 VPP 399 75,56 APA18 26

172

do portugûes arcaico ao português brasileiro

Conclusão

A partir dos dados obtidos dos corpora selecionados para este estudo e considerando a diferença no número de linhas pesquisado para o português arcaico, de um lado, e para os começos do português moderno, de outro, concluimos que:

i) O uso de voz passiva pronominal é o mais difundido nos começos do português moderno, enquanto, no português arcaico, a representação de voz passiva nominal é mais significativa.

ii) Voz passiva nominal com verbo tradicionalmente classificado como transitivo indi- reto não ocorre nem no português arcaico, nem nos começos do português moderno. iii) A não determinação do sujeito através da ausência de agente da passiva é comum

tanto no português arcaico quanto nos começos do português moderno.

iv) Agente da passiva em voz passiva pronominal não ocorre no português arcaico, mas verifica-se nos começos do português moderno.

v) Variação quanto à preposição introdutória do agente da passiva não ocorre no portu- guês arcaico, onde sempre consta a preposição por, contrariamente ao que se passa nos começos do português moderno, onde constam as preposições por e de.

vi) Reinterpretação de se apassivador como se impessoal não ocorreu nem no português arcaico, nem nos começos do português moderno.

Vemos, portanto, com base na análise dos dados obtidos nesta investigação, que, de manei- ra geral, é o mesmo o comportamento da voz passiva no período arcaico do português e começos do moderno. Mas, como afirma Oliveira (cf. Torres, 2000[1536]: 129), “mui poucas são as cousas que duram por todas ou muitas idades em hum estado, quanto mais as falas que sempre se conformam com os conceitos ou entenderes, juizos e tratos dos homens.” Assim é que o com- portamento da voz passiva, do século XVI à contemporaneidade, mudou significativamente no que se refere às construções passivas pronominais, que são hoje comumente reinterpretadas como construções de voz ativa com sujeito indeterminado, reinterpretação condenada pela gramática normativa, que, pelo seu caráter conservador, sempre rejeita a mudança lingüística, como se isto impedisse a língua de continuar mudando; eles, os gramáticos normativistas, é que, um dia, acabam tendo que rever sua avaliação acerca da mudança, que é irreversível.9

Finalizamos a apresentação deste trabalho — um estudo piloto —, dizendo que pretende- mos melhor investigar a voz passiva na história do português, tomando um corpus maior e mais significativo, a partir de cuja análise possamos apresentar resultados mais decisivos. Já dispo- mos de um projeto para o mestrado em Letras, intitulado A voz passiva portuguesa: um estudo diacrônico. Bem, por enquanto, valha-se do que se tem.

1 Agradecemos à Profa. Dra. Rosa Virgínia Mattos e Silva pela orientação competente na realização

deste trabalho.

2 Os dados de voz passiva obtidos da primeira, a de Lisboa, e da segunda, a de Toledo, versões do

Testamento de Afonso II são os mesmos em número de ocorrências e também nos exemplos, salvo, neste caso, algumas diferenças gráfico-fônicas.

A voz passiva no período arcaico do português e inícios do moderno

173

3 Leia-se: VP (voz passiva); VPN (voz passiva nominal); VPP (voz passiva pronominal) e APA (agente

da passiva).

4 No corpus em questão, o agente da passiva, quando aparece, é nas orações passivas nominais; desta

forma, a porcentagem dele é tirada do total de ocorrências destas. Fazemos esta observação, porque sabemos que é possível, ainda que pouco comum, a presença de agente da passiva em orações passivas pronominais (cf. Bechara, 2001: 223).

5 Os exemplos do Testamento de Afonso II aparecem na forma gráfico-fônica encontrada na primeira

versão do texto, a de Lisboa.

6 Os dados que serão apresentados foram obtidos quando da realização do trabalho de pesquisa,

anterior a este, intitulado O emprego da voz passiva nas gramáticas de Fernão de Oliveira e de João de Barros, apresentado em forma de pôster e publicado em resumo, na XIX Jornada Nacional de Estudos Lingüísticos, realizada em Fortaleza, no Ceará, e no VI Congresso Nacional de Estudos Lingüísticos e Literários, realizado em Feira de Santana, na Bahia, ambos em 2002.

7 Não calculamos aqui a porcentagem de agente da passiva obtida do corpus dos começos do portugu-

ês moderno, porque, como vimos no item 2.2.2, uma parte de suas ocorrências se dá em orações passivas nominais, e a outra parte, menor, em orações passivas pronominais.

8 Também aqui, não calculamos a porcentagem de agente da passiva, pelo mesmo motivo por que não

o fizemos no Quadro comparativo.

9 Recentemente, fizemos um trabalho sobre a voz passiva em redações escolares, e os dados delas

depreendidos indicaram uma digna sobrevivência da voz passiva nominal, mas deram pouco crédito à voz passiva pronominal. Este trabalho encontra-se publicado no site do Programa para a História da Língua Portuguesa — PROHPOR, na internet: http://www..prohpor.ufba.com.

Referências

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. BUESCU, Maria Leonor Carvalhão (Ed.). Gramática da língua portuguesa. Cartinha, gramática, diálogo em louvor da nossa linguagem e diálogo da viciosa vergonha. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1971[1539/1540].

COSTA, Padre Avelino da (Ed.). Os mais antigos textos escritos em português: revisão de um problema histórico-lingüístico. In: Revista Portuguesa de História. Coimbra, 1975. nº 17. p. 263-340.

DIAS, Augusto Epiphanio da Silva. Sintaxe histórica portuguesa. 3. ed. Porto: Livraria Clássica, 1954.

LAPA, Manuel Rodrigues (Ed.). Cantigas d’escarnho e de maldizer dos cancioneiros medievais galego-portugueses. Lisboa: Sá da Costa, 1998. p. 164.

MACCHI, Giuliano (Ed.). Crónica de D. Pedro. Roma: Edizioni dell’Ateneo, 1966. MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Para uma caracterização do período arcaico do português. In: DELTA. São Paulo, 1994. v. 10, nº especial. p. 247-276.

MATTOSO, José (Ed.). Livro de linhagens do conde D. Pedro. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1980. v 2, t.1.

OLIVEIRA, Mariana Fagundes de. O emprego da voz passiva nas gramáticas de Fernão de Oliveira e de João de Barros. In: XIX JORNADA NACIONAL DE ESTUDOS

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do portugûes arcaico ao português brasileiro

LINGÜÍSTICOS, Fortaleza. Caderno de Resumos da XIX Jornada Nacional de Estudos Lingüísticos. Fortaleza: UFC, 2002. p. 166.

OLIVEIRA, Mariana Fagundes de. O emprego da voz passiva nas gramáticas de Fernão de Oliveira e de João de Barros. In: VI CONGRESSO NACIONAL DE ESTUDOS

LINGÜÍSTICOS E LITERÁRIOS, Feira de Santana. Caderno de Resumos do VI Congresso Nacional de Estudos Lingüísticos e Literários. Feira de Santana: UEFS, 2002. p. 91.

OLIVEIRA, Mariana Fagundes de. A voz passiva em redações escolares. Disponível em: http:// www.prohpor.ufba.com. Acesso em: 15 dez. 2003.

PERINI, Mário Alberto. Sintaxe portuguesa: metodologia e funções. São Paulo: Ática, 1989. PIEL, Joseph Maria (ed.). (1948). Livro dos ofícios. Coimbra: Universidade de Coimbra. ROSSI, Nelson et al (Ed.) Livro da aves. In: CUNHA, Antônio Geraldo da (Org.). Dicionário da língua portuguesa: textos e vocabulários. Rio de Janeiro: INL – MEC, 1965. p. 19-55 SCHERRE, Maria Marta Pereira. Preconceito lingüístico: doa-se lindos filhotes de poodle. In: HORA, Dermeval; CHRISTIANO, Elisabeth (Org.). Estudos lingüísticos: realidade brasileira. João Pessoa: Idéia, 1999. p. 13-54.

TORRES, Amadeu; ASSUNÇÃO, Carlos (Ed). Gramática da linguagem portuguesa. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 2000[1536].

No documento Do português arcaico ao português brasileiro (páginas 173-177)