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Das teses anteriores de inconstitucionalidade do art 1.790 do Código Civil O estado da arte na doutrina e na jurisprudência brasileira até a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 178-190)

Tribunal Federal

Seguindo no estudo dos direitos sucessórios do companheiro, é interessante expor com os aprofundamentos necessários o problema relativo à inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, que culminou com a decisão do STF no Recurso Extraordinário 878.694/MG, em 31 de agosto de 2016. Reitere-se que já há maioria de votos – sete, no total –, mas que o julgamento não foi encerrado no momento da atualização deste livro, em novembro de 2016.

O objetivo, agora, é mostrar como vinham se posicionando a doutrina, os Tribunais Estaduais, e a divergência que surgiu em sede de Superior Tribunal de Justiça e de Supremo Tribunal Federal, culminando com o revolucionário acórdão sobre a repercussão geral da matéria.

Como antes exposto, parte considerável da doutrina contemporânea julga como inconstitucional o dispositivo sucessório relativo à sucessão do companheiro, por trazer um suposto tratamento discriminatório do companheiro em relação ao cônjuge.

Primeiro, porque a concorrência sucessória com os descendentes, ascendentes e colaterais somente dizia respeito aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, o que restringe sobremaneira os seus direitos.

Segundo, pois a concorrência com os colaterais de até quarto grau daria ao companheiro apenas um terço da herança. Aliás, a concorrência com tais parentes já era considerada um absurdo jurídico, eis que o cônjuge exclui os colaterais, o que não ocorria antes com o companheiro.

Criticava-se, ainda, o fato de estar o convivente fora da ordem de vocação hereditária do art. 1.829 da codificação privada, o que não mais ocorre, com a decisão do STF.

Por fim, não se admitia o fato de o companheiro não ser herdeiro necessário, não constando expressamente na relação do art. 1.845 da codificação material, o que deve mudar com o decisum superior, na opinião deste autor.

Todos esses argumentos fizeram que o Supremo Tribunal Federal, em 2015, levantasse a repercussão geral sobre a temática, que ainda pende de julgamento final, apesar de já decidida a questão (Recurso Extraordinário 878.694/MG).

Em relação ao último aspecto, consigne-se que muitos juristas sustentavam anteriormente ser o convivente herdeiro necessário. Mais uma vez, procurando socorro na tabela do Professor Francisco Cahali, constata-se que essa era a opinião de Caio Mário da Silva Pereira, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Luiz Paulo Vieira de Carvalho e Maria Berenice Dias.

Essa também era a posição de Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, para quem “não parece razoável excluir o companheiro do rol dos herdeiros necessários, apenas por não ter sido mencionado expressamente no rol do artigo em análise. Ainda que não tivesse fundamento constitucional o direito sucessório do companheiro, o art. 1.790 tem redação de natureza imperativa, deixando evidente que não se trata apenas de um herdeiro legítimo, mas de um herdeiro legítimo que não pode ser afastado da sucessão, nos termos ali previstos” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil..., 2014, v. IV, p. 655). Pensamos que tais lições devem se firmar com o acórdão do Supremo Tribunal Federal, em especial com o encerramento do julgamento e a elaboração da tese de repercussão.

A premissa, contudo, era minoritária, pois a grande maioria dos doutrinadores pensava de forma contrária, amparada na dicção do art. 1.845 do CC/2002, caso de Christiano Cassettari, Eduardo de Oliveira Leite, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Francisco José Cahali, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Gustavo René Nicolau, Inácio de Carvalho Neto, Jorge Fujita, José Fernando Simão, Maria Helena Diniz, Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, Marcelo Truzzi Otero, Mário Delgado, Mário Roberto Carvalho de Faria, Roberto Senise Lisboa, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim, Euclides de Oliveira e Sílvio de Salvo Venosa; além do presente autor; todos vencidos pelo revolucionário decisum superior.

No tocante ao cerne da tese da inconstitucionalidade do art. 1.790, retomem-se as lições de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka que sempre sustentou ser o dispositivo inconstitucional, por desprezar a equalização do companheiro ao

cônjuge, constante do art. 226, § 3.º, da CF/1988 (Morrer..., 2011, p. 447-457). Consigne-se que um dos principais aspectos da tese da jurista sempre foi de defesa da inconstitucionalidade de todo esse tratamento discrepante.

Do mesmo modo, repise-se que Zeno Veloso lamentava a redação do comando, lecionando que “As famílias são iguais, dotadas da mesma dignidade e respeito. Não há, em nosso país, família de primeira, segunda ou terceira classe. Qualquer discriminação, neste campo, é nitidamente inconstitucional. O art. 1.790 do Código Civil desiguala as famílias. É dispositivo passadista, retrógrado, perverso. Deve ser eliminado o quanto antes. O Código ficaria melhor – e muito melhor – sem essa excrescência” (Código..., 2008, p. 1.955).

Com a finalidade de tentar resolver o problema, o último professor fez proposta de alteração do dispositivo por meio do antigo Projeto Fiúza, atual PL 699/2011. Pela projeção, em curso no Congresso Nacional, e agora prejudicada, a sua redação passaria a ser a seguinte: “Art. 1.790. O companheiro participará da sucessão do outro na forma seguinte: I – em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros se tivesse ocorrido, observada a situação existente no começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (art. 1.641); II – em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota equivalente à metade do que couber a cada um destes; III – em falta de descendentes e ascendentes, terá direito à totalidade da herança”.

Com a retirada da menção aos bens adquiridos onerosamente no caput, estaria supostamente solucionado o problema da sua inconstitucionalidade. Ademais, os incisos propostos acabavam por solucionar alguns problemas que aqui foram levantados, do sistema anterior, equiparando em parte o companheiro ao cônjuge na concorrência com os descendentes. Afastava-se, também, a concorrência com os colaterais, colocando o companheiro na mesma posição da pessoa casada. De toda sorte, o julgamento do STF no Recurso Extraordinário 878.694/MG foi além, equiparando-se o convivente ao cônjuge e colocando-o na ordem do art. 1.829 do CC. Assim, reafirme-se, a projeção elaborada por Zeno Veloso não tem mais finalidade.

Retornem-se ainda aos argumentos de Paulo Lôbo, baseados em Luiz Edson Fachin – que julgou pela inconstitucionalidade da norma quando do julgamento no STF –, no sentido que o tratamento diferenciado atentaria contra a dignidade humana e a isonomia entre as entidades familiares (LÔBO, Paulo. Direito..., 2013, p. 150). Os argumentos sempre foram por nós considerados como de autoridade, eis que os autores citados são dois dos grandes expoentes da escola que procura analisar os institutos civis a partir da Constituição Federal de 1988, na linha do que prega o Direito Civil Constitucional. Aliás, frise-se que a visão civil-constitucional do sistema jurídico orientou o Ministro Barroso em suas convicções, conforme ora se transcreveu.

Contudo, não é só. Quando da realização do IX Congresso Brasileiro de Direito de Família, pelo IBDFAM, em Araxá, em novembro de 2013, foram aprovados enunciados paradigmáticos da instituição. Entre eles, destaca-se o Enunciado n. 3, com os seguintes dizeres: “Em face do princípio da igualdade das entidades familiares, é inconstitucional tratamento discriminatório conferido ao cônjuge e ao companheiro”. Além dos juristas antes citados, o enunciado contou com o apoio, entre outros, de Maria Berenice Dias e Rolf Madaleno. Entre os juristas que compõem o Instituto Brasileiro de Direito de Família, sempre foi majoritária a tese que afirma a inconstitucionalidade desse tratamento sucessório diferenciado.

Para Maria Berenice Dias, vice-presidente nacional do IBDFAM, o tratamento diferenciado no plano sucessório é, realmente, inconstitucional, uma vez que “as diferenças são absurdas. O tratamento diferenciado não é somente perverso, é escancaradamente inconstitucional. No mesmo dispositivo em que se assegura especial proteção à família, a Constituição Federal reconhece a união estável como entidade familiar, não manifestando preferência por qualquer de suas formas” (Manual..., 2011, p. 152).

Entretanto, a questão nunca foi pacífica entre os doutrinadores. Francisco José Cahali, por exemplo, opinava que o dispositivo seria impróprio e inadequado, “mas daí inferir-se a sua inconstitucionalidade há certa distância. A lei ordinária não deveria, mas pode dar tratamento diferenciado à união estável em comparação ao casamento no que se refere às questões patrimoniais” (Direito..., 2012, p. 212). Sílvio de Salvo Venosa condenava o inciso III da norma ao trazer a concorrência do convivente com os colaterais longínquos em apenas um terço da herança recebível, mas não suscitava inconstitucionalidades da previsão (Código..., 2010, p. 1623). Carlos Roberto Gonçalves também estava situado nessa linha, lecionando que, “embora o tratamento díspar da sucessão do companheiro tenha resultado de opção do legislador e não ofenda os cânones constitucionais, merece as críticas que lhe são endereçadas” (Direito..., 2010, v. 7, p. 192).

Eduardo de Oliveira Leite, por seu turno, também não invocava inconstitucionalidades do preceito, mas, muito pelo contrário, apontava que houve avanços em relação ao sistema anterior, vigente antes da emergência do Código Civil de 2002 (Comentários..., 2003, v. XXI, p. 62). Como se constata, e isso repercutia na jurisprudência, alguns autores viam no art. 1.790 do Código Civil benefícios excessivos na concessão de direitos sucessórios ao convivente.

Parcialmente nessa esteira, Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim também não falavam propriamente em inconstitucionalidade, mas suscitavam a isonomia constitucional para criticar o tratamento diferenciado, inclusive porque, em

alguns casos, o companheiro teria mais direitos sucessórios do que o cônjuge (Inventários..., 2009, p. 179-180). Carlos Alberto Dabus Maluf e Adriana Caldas Dabus Maluf igualmente observavam que o companheiro poderia ter situação mais favorável do que o cônjuge, “quando só existirem bens havidos onerosamente durante a convivência” (Curso..., 2013, p. 216).

De fato, nesse último aspecto, entendíamos pela razão dos doutrinadores por último citados, até porque a regra, na prática, é que tanto o casamento quanto a união estável sejam regidos pela comunhão parcial de bens, sendo a maioria dos bens adquirida após os relacionamentos.

Imagine-se a situação mais comum, de um casal de jovens, que constituem sua primeira entidade familiar, tendo dois filhos comuns. Se falecido o marido, a esposa terá direito à meação e concorrerá nos bens particulares do falecido com os seus filhos, segundo o entendimento que este autor reputa ser o majoritário. A companheira, além da meação, concorreria sobre os mesmos bens, recebendo a mesma quota dos filhos, ou seja, mais um terço da herança. Esse exemplo valia para o sistema anterior à decisão do Supremo Tribunal Federal. Agora, as situações do cônjuge e do companheiro foram igualadas na divisão de bens.

Por fim, havia quem sustentasse, de forma veemente, que não haveria inconstitucionalidade no art. 1.790 do Código Civil, caso de Mário Luiz Delgado. Vejamos os seus principais argumentos, desenvolvidos em astuto artigo científico sobre a matéria:

“Com o devido respeito aos partidários do pleno igualitarismo entre união estável e casamento, perfilamos o entendimento oposto.

O artigo 226, § 3.º, da CF/88, quando reconheceu a união estável como entidade familiar, não pretendeu assegurar a sua equiparação com o casamento, tanto que manifestou, expressamente, a determinação de que a legislação infraconstitucional facilitasse a sua conversão em matrimônio. Por óbvio não se converte o que já é igual e a Constituição não contém termos ou expressões inúteis, máxima exegética que convém relembrar.

(...).

Ambos (casamento e união estável) são entidades familiares? Não há dúvida! Porém com características fundamentalmente distintas. A equiparação total, em direitos e obrigações, da união estável e do casamento, por outro lado, desestimularia a conversão de um em outro, esvaziando o sentido da norma constitucional.

(...).

Quanto ao art. 1.790, é preciso separar os argumentos de ordem axiológica, relativos à justiça do dispositivo, daqueles referentes à sua aplicação prática. No que tange à justiça ou injustiça da norma, deve-se lembrar ter sido opção do legislador o tratamento diferenciado da sucessão do companheiro, sem que tal disparidade venha a representar discriminação, mas o pleno atendimento ao mandamento constitucional que, em momento algum, equiparou a união estável ao casamento” (DELGADO, Mário Luiz. A união..., In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes..., 2009, v. 8, p. 265-286).

O presente autor não via inconstitucionalidade em todo o art. 1.790, mas apenas no seu inciso III, pois tratava a união estável com patente inferioridade ao reconhecer a concorrência com os colaterais e ascendentes com reserva de apenas um terço da herança. Porém, agora, é necessário se curvar à decisão do Supremo Tribunal Federal e às antigas lições de Giselda Hironaka e Zeno Veloso, ora vitoriosas. Não se pode negar que essa equiparação do companheiro ao cônjuge resolveu um dos grandes dilemas jurídicos do nosso Direito Privado, e tornou o Direito das Sucessões brasileiro mais certo e estável.

Se as opiniões variavam muito na doutrina, não era diferente na jurisprudência, merecendo abordagem de acordo com a tese que respectivamente era adotada pelas Turmas dos Tribunais. Vejamos, pontualmente:

a) Julgados que sustentavam a inconstitucionalidade de todo art. 1.790 do CC, por trazer menos direitos sucessórios ao companheiro, se confrontado com os direitos sucessórios do cônjuge (art. 1.829).

Começando o estudo dos acórdãos que debatiam a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, para um primeiro grupo, haveria inconstitucionalidade em todo o comando, por trazer menos direitos ao companheiro do que ao cônjuge. Assim concluindo, vejamos um primeiro aresto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que levantou a questão, apesar de não ingressar no tema, pela presença de uma questão técnica prejudicial:

“Agravo de instrumento. Inventário ajuizado por sedizente companheira do de cujus. Questão prejudicial. Colaterais ainda não citados. Necessário o reconhecimento, por primeiro, da existência de união estável para posterior pronunciamento sobre a aplicabilidade e alegada inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002. Exige-se – antes do pronunciamento por este Tribunal de Justiça sobre a questão relativa à constitucionalidade ou não do art. 1.790 do CC/02 – que se determine se a agravante foi ou não companheira do falecido. Ou seja, primeiro se deverá determinar a vinculação existente entre o falecido e a agravante, para depois se enfrentar a alegação da recorrente de que seria herdeira exclusiva do

falecido, pois questão prejudicial. Ademais, existentes parentes colaterais, que, enquanto não solvida a questão da existência ou não da união, devem ser citados. Agravo desprovido” (TJRS, Agravo de Instrumento 70021945092, 8.ª Câmara Cível, Porto Alegre, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 05.12.2007, DOERS 19.12.2007, p. 31).

No ano seguinte, surgiram os primeiros acórdãos no Tribunal Gaúcho entrando no mérito da questão, e reputando o art. 1.790 do CC/2002 como inconstitucional, por trazer menos direitos sucessórios para a união estável. Vejamos:

“Agravo de instrumento. Direito sucessório. Conforme o entendimento uníssono desta Câmara, é inconstitucional a aplicabilidade do artigo 1.790, do Código Civil, uma vez que o artigo 226, § 3.º, da Constituição Federal, equiparou o companheiro ao cônjuge. Logo, é inviável a diferenciação hereditária entre o companheiro e o cônjuge supérstite. Usufruto vidual. O Código Civil atual não prevê o usufruto vidual ao cônjuge, o que implica que, reconhecida a paridade entre cônjuge e companheiro, não há falar na incidência da Lei n.º 9.278/1996 e, via de consequência, do direito do companheiro ao usufruto vidual. Deram parcial provimento ao agravo” (TJRS, Agravo de Instrumento 70022652879, 8.ª Câmara Cível, Bom Jesus, Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, j. 10.04.2008, DOERS 16.04.2008, p. 39).

De forma continuada no tempo, do ano de 2009, colaciona-se julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, com o seguinte trecho:

“Equiparação constitucional das entidades familiares matrimoniais e extramatrimoniais, em razão de serem oriundas do mesmo vínculo, qual seja, a afeição, de que decorrem a solidariedade e o respeito mútuo entre os familiares. Entidades destinatárias da mesma proteção especial do Estado, de modo que a disparidade de tratamento em matéria sucessória fere a ordem constitucional. Ponderação dos princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia e direito fundamental à herança. Proibição do retrocesso social” (TJSP, Apelação com Revisão 587.852.4/4, Acórdão 4131706, 9.ª Câmara de Direito Privado, Jundiaí, Rel. Des. Piva Rodrigues, j. 25.08.2009, DJESP 25.11.2009).

Entretanto, ao invés de julgar definitivamente a questão, remeteu-se o processo ao Órgão Especial do Tribunal para julgamento.

No entanto, havia entendimento diverso na Corte Bandeirante, podendo ser encontradas ementas que, diante do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1.790 da codificação material, aplicavam o mesmo tratamento relativo ao cônjuge, em concorrência com os descendentes, dependendo do regime de bens. Como visto, foi essa a tese que logrou vitória, em sede de repercussão geral, no julgamento do STF (Recurso Extraordinário 878.694/MG). Vejamos um dos julgados anteriores do Tribunal paulista:

“União estável. Reconhecimento e dissolução. Companheiro falecido. Sucessão. Inconstitucionalidade do art. 1.790 II do CC/2002. Falecido o companheiro deixando apenas um filho, sua companheira herda em concorrência com este, nos bens adquiridos a título gratuito. Interpretação sistemática da atual ordem constitucional. Art. 1.829, I, CC/2002 c/c 226 CF. Bem imóvel adquirido na constância da sociedade de fato deve ser partilhado. Recursos desprovidos” (TJSP, Apelação Cível 520.626.4/3, Acórdão 4223691, 4.ª Câmara de Direito Privado, Piracicaba, Rel. Des. Teixeira Leite, j. 26.11.2009, DJESP 18.12.2009).

O decisum era surpreendente, pois, ao final, determinou a concorrência sucessória do companheiro quanto aos bens havidos durante a união a título gratuito. Aplicou-se a mesma premissa relativa ao cônjuge, pois em casos tais a concorrência se dá somente quanto aos bens particulares, segundo a posição que prevalece no Direito Sucessório brasileiro. Seguindo a mesma ideia, vejamos outros acórdãos, do mesmo Tribunal Paulista, mais recentes, e que adotam a afirmação que agora prevalece, com a decisão do Supremo Tribunal Federal:

“Inventários. Sucessão da companheira. Inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. Regime sucessório do cônjuge sobrevivente. Não havendo descendentes e ascendentes, a companheira recolhe toda a herança. Recurso provido” (TJSP, 6.ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento 0078186-86.2013.8.26.0000, Acórdão 6878634, Peruíbe, Rel. Des. Eduardo Sá Pinto Sandeville, j. 25.07.2013, DJESP 06.0.2013).

“Sucessão do(a) companheiro(a). Decisão agravada que declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil de 2002 e determinou a retificação do plano de partilha apresentado pela companheira sobrevivente do autor da herança. Correção. Inaplicabilidade do artigo 1.790 do CC/2002. Tratamento desigual dado pelo legislador aos

viúvos (casados ou não) que afronta os postulados constitucionais da igualdade substancial e da dignidade da pessoa humana. Sucessão que deverá obedecer às regras da sucessão legítima dos cônjuges (art. 1.829 do CC/2002). Decisão mantida. Recurso desprovido, revogado o efeito suspensivo” (TJSP, Agravo de Instrumento 994.09.283225-0, Acórdão 4391378, 1.ª Câmara de Direito Privado, Bauru, Rel. Des. De Santi Ribeiro, j. 23.03.2010, DJESP 12.05.2010).

A propósito, por ocasião do I Encontro dos Juízes de Família do Interior de São Paulo, na cidade de Piracicaba, em 10.11.2006, foram aprovados enunciados que apontavam a citada inconstitucionalidade. De início, estabelecia o Enunciado n. 49 que “O art. 1.790 do Código Civil, ao tratar de forma diferenciada a sucessão legítima do companheiro em relação ao cônjuge, incide em inconstitucionalidade, pois a Constituição não permite diferenciação entre famílias assentadas no casamento e na união estável, nos aspectos em que são idênticas, que são os vínculos de afeto, solidariedade e respeito, vínculos norteadores da sucessão legítima”. Procurando dar uma solução para o problema, previa o Enunciado n. 50, in verbis: “ante a inconstitucionalidade do art. 1.790, a sucessão do companheiro deve observar a mesma disciplina da sucessão legítima do cônjuge, com os mesmos direitos e limitações, de modo que o companheiro, na concorrência com descendentes, herda nos bens particulares, não nos quais tem meação”. Mais uma vez, nota-se que essa é a solução que deve prevalecer, tendo em vista o julgamento do STF no Recurso Extraordinário 878.694/MG, com repercussão geral.

Entretanto, a questão não se resume apenas a essas Cortes. No Tribunal de Justiça de Sergipe também era encontrado julgado que seguia a mesma forma de pensar, tendo ementa bem didática e exemplar. Conforme se retira do aresto, “a questão relativa à sucessão na união estável e a consequente distribuição dos bens deixados pelo companheiro falecido, conforme previsão do art. 1.790 do Código Civil de 2002, reclamam a análise da prejudicial de inconstitucionalidade do referido dispositivo, pois, ao dispor sobre o direito sucessório da companheira sobrevivente, ignorou a equiparação da união estável ao casamento prevista no art. 226, § 2.º, da CF, configurando ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e da dignidade humana” (TJSE, Apelação Cível 2010202129, Acórdão 7687/2010, 2.ª Câmara Cível, Rel. Des. Marilza Maynard Salgado de Carvalho, DJSE 23.08.2010, p. 13).

Como se nota, vários eram os julgamentos que adotavam a visão de parte da doutrina, e agora também do STF, no sentido de não admitir o tratamento sucessório diferenciado do companheiro em relação ao cônjuge, reputando como totalmente inconstitucional o art. 1.790 do Código Civil e colocando o convivente na ordem de sucessão legítima do art. 1.829 da

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