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Das regras específicas da aceitação ou adição da herança

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 58-60)

A aceitação ou adição da herança – additio hereditatis – é o ato do herdeiro que confirma a transmissão da herança. Repise-se que não se trata do ato que gera a transmissão da herança em si, o que ocorre por força do art. 1.784 do CC/2002 e da droit de saisine, com abertura da sucessão, que se dá pela morte do falecido. Na esteira das lições de Zeno Veloso, “a aceitação é necessária porque ninguém pode ser herdeiro contra a sua vontade, conforme o antigo brocardo: invito non datur beneficium (ao constrangido, ou a quem não quer, não se dá o benefício” (Código..., 2008, p. 1.982-1.983).

herdeiro, desde a abertura da sucessão. Fala-se justamente em adição pelo fato de que esse ato posterior retroage até o momento da morte do de cujus. A aceitação da herança é um ato jurídico unilateral, que produz efeitos independentemente da concordância de terceiros, tendo, portanto, natureza não receptícia, uma vez que não há a necessidade de qualquer comunicação para produzir os efeitos previstos em lei. Pelo que consta dos arts. 1.805 e 1.807 da codificação material privada, três são as formas de aceitação da herança, a saber: a) aceitação expressa; b) aceitação tácita: c) aceitação presumida. Cabem os seus estudos em separado.

Iniciando-se pela aceitação expressa, esta é realizada por declaração escrita do herdeiro, por meio de instrumento público, particular ou por uma manifestação clara e inequívoca no processo de inventário, seja ele judicial ou extrajudicial (art. 1.805, caput, do CC).

A aceitação tácita é aquela tão somente de atos próprios da qualidade de herdeiro, ou seja, do seu comportamento inequívoco como tal. Como exemplo, cite-se a hipótese em que o herdeiro toma posse de um bem e começa a administrá-lo e a geri-lo como se fosse seu. Ou, ainda, da realidade prática, “havendo sido ajuizada a abertura de inventário, com a partilha de bens, e recolhimento do imposto causa mortis, evidente é a configuração da aceitação tácita da herança do de cujus” (TJGO, Agravo de Instrumento 0425838-34.2012.8.09.0000, 6.ª Câmara Cível, Anápolis, Rel. Des. Norival Santome, DJGO 19.06.2013, p. 37). Por fim, serve a concretização a seguir: “se o herdeiro se deu por citado nos autos do inventário e não renunciou expressamente à herança, conclui-se que este a aceitou tacitamente, não sendo necessária a sua intimação pessoal para se manifestar sobre a herança em questão” (TJMG, Agravo de Instrumento 1.0024.08.062758-1/003, Rel. Des. Edilson Olímpio Fernandes, j. 13.11.2012, DJEMG 27.11.2012).

Nos termos da lei, não significam a aceitação tácita de herança os atos oficiosos, como o funeral do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória de bens (art. 1.805, § 1.º, do CC). Todavia se a administração e a guarda forem efetivadas com claro intuito definitivo, demonstrando a parte o querer ser herdeiro, a aceitação tácita estará presente, o que comporta análise caso a caso.

De forma suplementar, na dicção do art. 1.805, § 2.º, do CC/2002, não importa igualmente em aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais coerdeiros, o que é hipótese de renúncia abdicativa ou translativa, como bem aponta Maria Helena Diniz (Código..., 2010, p. 1.282).

Apesar desse entendimento, que parece plausível, há quem veja uma falta de sentido no comando em questão. Nessa linha, vejamos as ponderações de José Fernando Simão, constantes em edições anteriores desta obra:

“Curiosa é a regra segundo a qual não importa igualmente a aceitação da herança sua cessão gratuita, pura e simples, aos demais coerdeiros (art. 1.805, § 2.º, do CC), introduzida pelo Código Civil de 2002 e que reproduz parcialmente o art. 1.582 do diploma revogado. Se houve a cessão de direitos aos coerdeiros é porque se aceitou a herança. Ninguém pode transmitir direitos que não tem. Explica Eduardo de Oliveira Leite que ‘na realidade, embora o legislador equivocadamente refira-se à ‘cessão’, que implica a ideia de transferência de um direito que se acha em nosso patrimônio, está a se referir à renúncia, que indica abstenção, recusa da herança. Estamos diante de um caso típico de repúdio tácito’ (Comentários..., 2004, p. 129). Zeno Veloso também mostra sua estranheza em relação ao dispositivo, porque ‘no rigor dos princípios, se há cessão de direitos, temos que houve aceitação e posterior transmissão da herança para os cessionários. Mas a lei considera que não houve aceitação, pois, no caso, a herança vai ficar com as mesmas pessoas que seriam chamadas para ocupar a quota do cedente, se ele tivesse renunciado’ (Novo Código Civil..., 2006, p. 1.503). Como se nota, o art. 1.805, § 2.º, do CC é amplamente criticado, o que se justifica. Aliás, ainda sob a égide do Código Civil de 1916, dizia Clóvis Beviláqua que ‘melhor fôra usar o termo renúncia que indica abstenção, recusa da herança, do que cessão, que implica a ideia de transferência de um direito que se acha em nosso patrimônio’ (Código Civil..., 1955, v. VI, p. 22). Nesse sentido, concorda-se mais uma vez com José Luiz Gavião de Almeida que ‘a renúncia, porém, beneficiaria os mesmos coerdeiros, sem necessidade de pagamento de imposto de transmissão inter vivos. Provocaria idêntico efeito, apenas por outra via. Se idêntica a situação, não pode a cessão gratuita de todos os bens para os demais coerdeiros ter efeitos jurídicos diversos da renúncia’ (Código Civil..., 2003, v. XVIII, p. 129). Note-se que mesmo equivalendo à renúncia, para que a cessão tenha validade, seguirá a forma pública nos termos do art. 1.793, caput, do atual CC” (TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito..., 2013, v. 6, p. 42).

Apesar das qualificadas palavras transcritas, o presente autor entende ser melhor concluir que o dispositivo em análise equivale a uma renúncia, o que acaba dando-lhe sentido. Assim, há uma mudança de posição em relação ao que se sustentava em edições anteriores deste livro.

A terceira modalidade de aceitação, a presumida, está tratada pelo art. 1.807 do CC/2002, segundo o qual o interessado, em que o herdeiro declare se aceita ou não a herança, poderá, 20 dias após aberta a sucessão, requerer ao juiz do inventário prazo

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razoável, não maior de 30 dias, para, nele, se pronunciar o herdeiro. Isso, sob pena de haver a herança por aceita. Nota-se que a parte final do dispositivo consagra exceção à regra da teoria geral do Direito Civil pela qual quem cala não consente, retirada do art. 111 da própria codificação.

O prazo de 30 dias mencionado é o mínimo legal, podendo o juiz aumentálo de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Podem ser referidos os casos em que o herdeiro foi citado em outra cidade ou em local de difícil acesso. O prazo não se aplica à renúncia, que deve sempre ser expressa. Nesse trilhar, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “O prazo a que se refere o artigo 1.807 do Código Civil não é para que o herdeiro possa renunciar à herança” (TJMG, Agravo de Instrumento 1.0342.05.053464-9/0011, 4.ª Câmara Cível, Ituiutaba, Rel. Des. Audebert Delage, j. 17.04.2008, DJEMG 30.04.2008).

Falecendo o herdeiro antes de declarar se aceita a herança, o poder de aceitar é transmitido aos seus sucessores, a menos que se trate de vocação adstrita a uma condição suspensiva, ainda não verificada (art. 1.809, caput, do CC). Os chamados à sucessão do herdeiro falecido antes da aceitação, desde que concordem em receber a segunda herança, poderão aceitar ou renunciar à primeira (art. 1.809, parágrafo único, do CC). Os preceitos têm redação confusa, devendo ser explicados a partir de exemplificações concretas.

A ilustração de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka é interessante para a compreensão da matéria: “Morto um avô, A, viúvo, sucedem-no seus filhos, B e C. B, pai de D e unido maritalmente a F, falece posteriormente a seu pai, A, sem que tenha deliberado a respeito do acervo de seu pai. D, então, resolve repudiar a herança de seu pai, B, herança esta que é devolvida inteiramente a F, perdendo D o direito a deliberar quanto à herança de seu avô, A, que a lei entende pertencer ao patrimônio de B. F, por sua vez, aceita o patrimônio de B, podendo, então, deliberar a respeito da herança de A, aceitando-a ou renunciando a ela” (Comentários..., 2007, v. 20, p. 138-139). Vejamos de forma esquematizada:

Como se percebe, o último dispositivo ingressa no tratamento da renúncia à herança, instituto abordado a seguir, a partir do presente momento.

No documento Flávio Tartuce - Vol. 06.pdf (páginas 58-60)

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